No segundo turno das eleições de 2022, em uma disputa entre Jair Messias Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a transferência de votos dos eleitores de terceira via - ou seja, aqueles que não aderem à polarização - beneficiaria o ex-presidente Lula, segundo pesquisa divulgada pelo Ipec em 26 de setembro.
Mas o resultado acirrado do segundo turno mostra o contrário. Dos 10 milhões de eleitores de ‘terceira via’, apenas 30% votaram em Lula, enquanto os votos contabilizados para Bolsonaro somaram 70%.
Apesar de não alterar o desfecho, essa transferência de votos tornou as eleições presidenciais de 2022 a mais apertada desde a redemocratização do Brasil, com uma diferença de apenas 2 milhões de votos - pouco mais de 1,7%.
A mesma pesquisa mostra que, se o primeiro turno fosse hoje, Jair Bolsonaro teria 31% das intenções de voto e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) 47%.
Já a porcentagem de eleitores que não tinham um candidato selecionado, antes do primeiro turno das eleições, era de 8%, sendo 4% a soma dos que votariam brancos e nulos. Outros 4% alegavam ainda não saber para quem dariam seus votos.
A distribuição dos votos nas eleições de 2022
Pesquisa do Ipec sobre intenção de voto e rejeição de candidatos demonstra que a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mexeu com o cenário eleitoral em 2022. Jair Bolsonaro buscava a reeleição em um ambiente menos favorável do que em 2018, quando venceu sob uma onda anti-petista.
Entretanto, o atual presidente se deparou com um forte anti-bolsonarismo no contexto das eleições de 2022. Na pesquisa do Ipec divulgada após o primeiro turno, em 5 de outubro, 50% dos entrevistados disseram que não votariam no atual presidente de nenhuma maneira. Já a rejeição enfrentada pelo candidato do PT bateu nos 40%.
Para obter o voto da população, Lula repetiu um forte discurso de inclusão social das classes mais baixas na economia nacional, enquanto Jair Bolsonaro manteve seu lema “Deus, pátria e família”, que converge com os valores das bancadas da bíblia e da bala, - que o sustentaram durante seu governo - mantendo o voto dos eleitores mais conservadores.
Para além destes perfis, houve também os eleitores da 'terceira via’, grupo que tem como primeira opção qualquer outro candidato que não seja nem o presidente Jair Bolsonaro, nem o ex-presidente Lula. Estes eleitores preferem um representante que não tenha assumido a Presidência ainda, e que se encontra insatisfeito com o governo vigente.
Os adeptos da 'terceira via', que somam cerca de 10 milhões de pessoas, em geral, "são eleitores bem informados, com uma formação superior, e que rejeitam ambos os candidatos, mas acabaram escolhendo votar no que seria menos pior para eles”, segundo o especialista em marketing político e comunicação eleitoral Renato Dorgan.
Para o 1º turno, as pesquisas do Ipec, realizadas no dia 10 de setembro, mostravam que Ciro Gomes (PDT) estava em terceiro lugar com 7%, enquanto Simone Tebet (MDB) contabilizava 5%, ficando em quarto lugar. Brancos e nulos somavam aproximadamente 6% do eleitorado.
O resultado das eleições do primeiro turno foi diferente do que se esperava para os concorrentes de ‘terceira via’, uma vez que Tebet ficou acima de Ciro na corrida eleitoral. Enquanto a candidata do MDB recebeu 4,9 milhões de votos, o ex-governador do Ceará recebeu 3,6 milhões.
Após resultados do primeiro turno, ambos declararam apoio político a Lula, mas apesar das expectativas, grande parte dos eleitores de Ciro e Tebet votaram em Bolsonaro.
Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 23 agosto pelo jornal Folha de São Paulo, os eleitores de 'terceira via' optariam pelo petista em caso de segundo turno entre ele e Bolsonaro. Mas não foi isso que aconteceu. No segundo turno, 7 milhões dos eleitores da chamada ‘terceira via’ foram para o atual presidente e 3 milhões para Lula.
A votação de Lula no segundo turno cresceu em pouco mais de 3 milhões em relação ao primeiro, passando de 57,2 milhões para 60,3 milhões de votos. Já Bolsonaro teve um aumento de mais de 7 milhões, passando de 51 milhões para 58,2 milhões.
Em entrevista realizada antes do primeiro turno, o engenheiro mecânico Adelino Santos (56) dizia ter uma profunda rejeição pelo Lula e pelo Bolsonaro e mostrou insatisfação perante ao cenário político atual, declarando que estava em dúvida entre Ciro Gomes e Simone Tebet “Eu tenho dois [candidatos] que eu não quero, e que pelo visto são os que vão sobrar no 2º turno. Um deles é que provavelmente irá governar o país”, declarou Adelino
Tal rejeição e indecisão é comum aos 10 milhões de brasileiros que optaram por votar em outros concorrentes que não sejam Lula ou Bolsonaro. Isso comprova um desgosto com ambos os candidatos citados, que protagonizaram as maiores votações da história desde a redemocratização brasileira até 2022 (Lula em 2022 e Bolsonaro em 2018). Segundo o Datafolha dos dias 29 e 30 de outubro, os números de rejeição de ambos candidatos foram de 48% para Jair Bolsonaro e 43% para Lula.
A falta de identidade política
O cenário das eleições de 2018 deixou nítida a polarização da política brasileira dos últimos anos. Com a promessa de acabar com a corrupção, Jair Bolsonaro foi eleito por antagonizar com o Partido dos Trabalhadores, sendo destaque de uma reportagem do The New York Times em agosto de 2020.
O NYT relacionou a ascensão de Bolsonaro com a crise econômica, o impeachment de Dilma Rousseff e as investigações políticas em torno de escândalos de corrupção, levando nomes de peso para a prisão, como o de Luiz Inácio Lula da Silva.
As denúncias de corrupção expostas na mídia trouxeram uma imagem extremamente prejudicial ao Partido dos Trabalhadores, que se apresenta e se alinha historicamente à ideologias de esquerda.
O ex-eleitor do PT Adelino Santos, por exemplo, afirmou que não votaria no partido novamente em função dos casos de corrupção que marcaram os governos, e da crise desencadeada em 2014. “Foi muita roubalheira comprovada em vários órgãos públicos além do modelo de colocar o partido em toda máquina administrativa”, disse Adelino.
A doutora em Comunicação e Ciências Políticas Deysi Cioccari afirma que os casos de corrupção são fatores responsáveis pelo afastamento dos eleitores, além dos impeachments de Fernando Collor e de Dilma Rousseff. “São duas quebras democráticas em um período de tempo muito curto, fora os casos de corrupção, Lava-jato, Mensalão, Banestado, o caso Waldomiro...”, explica.
O governo Bolsonaro se iniciou com um forte discurso anticorrupção e com promessas para o fortalecimento da Lava-Jato - que se traduziram no uso da figura política de Sérgio Moro, que viria a ser seu aliado e Ministro da Justiça. Apesar disso, bateu recorde de rejeição, perdendo apenas para o ex-presidente Collor.
Segundo o Datafolha, em meados de março de 2021, 54% dos brasileiros viam o desempenho de Jair Bolsonaro como ruim ou péssimo. Um dos principais fatores para tal foi sua atuação frente ao cenário pandêmico da COVID -19, que resultou em mais de 600 mil mortos no Brasil.
Além dos problemas durante a pandemia, Bolsonaro e membros de sua família, que também estão posicionados em cargos públicos, estão envolvidos em denúncias de corrupção. Dentre outros casos que tiveram grandes repercussões midiáticas, estão os os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo, divulgados pelo portal UOL, o esquema de fraude na negociação para a compra de 20 milhões de doses do imunizante para COVID-19, evidenciado pela CPI da Covid e a criação de um “orçamento secreto” revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Apesar de intensificar a radicalização política já existente, esta polarização não é, em si, de todo mal, segundo Deysi Cioccari. A discordância, em um sistema nacional democrático é um processo natural e requerido, como reflete a doutora em ciências políticas “a democracia é o consenso que se forma através do dissenso”,
Deysi também diz que a polarização sempre existiu, por exemplo entre o PT e o PSDB, enquanto havia a polarização no campo das ideias. “Mas o que vemos agora é a tentativa de um aniquilar o outro, normalizando o discurso de ódio e anulando os pontos de vista”, acrescenta a doutora.
Entretanto, tal polarização traz consigo uma agressividade banalizada e radicalização, como menciona Deysi. “A situação em que nos encontramos, onde as pessoas estão se agredindo, é extremamente prejudicial à vida política em sociedade”.