Por que o processo de aprendizagem pode atrasar com a popularização da Inteligência Artificial

Especialistas explicam os prós e contras das ferramentas de IA na educação
por
Giovanna Rahhal e Maria Luiza Costa
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08/07/2023

Um possível atraso no aprendizado de jovens e crianças nas escolas, com a popularização do acesso à inteligência artificial, principalmente plataformas de produção de texto, é uma das principais preocupações de especialistas em ensino. Eles acreditam que o setor terá que se adaptar para manter sua função. 

Logo em seus primeiros anos de vida o ser humano necessita de alguns fatores para compor seu desenvolvimento cognitivo. Áreas como memória, atenção, linguagem, raciocínio e habilidades motoras precisam ser trabalhadas tanto em casa quanto nas escolas para que a pessoa se desenvolva e tenha um futuro normal.

Entretanto, o uso maciço de inteligências artificiais na educação pode não proporcionar o desenvolvimento completo de todas essas áreas. Isto porque as interações humanas e outras experiências do mundo real, que desempenham um papel importante na formação cognitiva das crianças, correm o risco de serem perdidas.

Na visão de Christian Perrone, pesquisador sênior da área de direito e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), é preciso que existam políticas públicas de inclusão para analisar a inserção da IA no meio educacional, “É extremamente relevante que haja uma formação educacional, de alfabetização, para entender quais são os riscos relacionados a um modo de desenvolvimento específico das crianças”, declarou.

Uma das maiores críticas dos especialistas em relação à introdução precoce às tecnologias é a dependência excessiva que jovens e crianças estão desenvolvendo. Precisar exclusivamente de inteligências artificiais para aprender e resolver problemas pode gerar a perda de habilidade de pensar criticamente, tomar decisões independentes e desenvolver competências essenciais na resolução de problemas.

Caio Dib, designer de produtos educacionais e consultor de inovações do setor, afirma que, por serem bombardeadas de informações na internet e com a popularização das IAs, as crianças e jovens estão desenvolvendo um imediatismo, que gera ansiedade e dificuldade de concentração, promovendo um atraso educacional: “O raciocínio não vai ser tão linear, como era antes com contato com livros, programas, ver televisão sem poder pular comercial. Eu acho que esses jovens têm uma outra estrutura, um lado muito mais impaciente que tende a não acompanhar o atual modelo escolar”, evidenciou o profissional.

Para Carla Arena, cofundadora do Amplifica, plataforma focada em educação digital, uma das soluções para a questão da dependência seria introduzir a tecnologia de maneira lúdica na vida das crianças, dado que as IAs já estão inseridas na realidade da maioria das pessoas através de plataformas como Netflix e Amazon: “É um trabalho de conscientização social do papel que essas tecnologias têm na vida delas e de como isso impacta de uma forma que elas entendam”, explicou a profissional.

Segundo levantamento do neurocientista francês Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, as ferramentas digitais estão reduzindo o Quociente de Inteligência (QI) de crianças e jovens. As tecnologias facilitadoras, como o ChatGPT,  que escreve textos completos em poucos instantes, reduzem a capacidade de ler, compreender, raciocinar, comparar e, por fim, formular o próprio trabalho.

Na opinião de Arena, uma das maneiras de contornar o atraso de desenvolvimento é promover atividades que foquem na evolução do raciocínio lógico e computacional. Dessa forma, os jovens poderão entender as questões envolvidas na inserção das inteligências artificiais como ferramenta na educação. “Não é pensar se a gente deve ou não participar disso, porque já está acontecendo, mas como”, ressaltou a educadora.

Do outro lado da moeda, os profissionais apontam que é possível introduzir a tecnologia sem prejudicar o progresso dos alunos. Um dos grandes argumentos é que a inserção da IA no meio acadêmico fará com que os estudantes desenvolvam habilidades relacionadas ao setor, como o manuseio correto e ético da ferramenta no contexto da cultura digital.

De acordo com Dib, as gerações mais envolvidas com a tecnologia desde cedo têm a capacidade de encontrar soluções diferentes para problemas mais complexos. “Essas crianças, que já estão integradas em tecnologia, vão ter um jeito de pensar diferente. Isso tende a ser bom, porque podemos encontrar soluções variadas que o jeito linear [de aprendizado] já não encontraria”, explicou o consultor.

Christian Perrone corrobora a argumentação do designer e reforça que o mais importante nas primeiras fases de aprendizado é a socialização entre os alunos, algo que não será suprido pela introdução da inteligência artificial. “Existe uma questão muito importante que é a relação interpessoal, uma relação em que os alunos e as alunas precisam desse espaço nas salas de aula, precisam de espaços de interação com outras pessoas da sua idade. É necessário encontrar uma forma de balancear essas questões”, assegurou o pesquisador.

Na visão de Edson Costa, sociólogo e professor de História na Bahia, a inteligência artificial permitirá que os estudantes simulem situações antes impensadas na realidade escolar, como visitações de locais distantes e experiências laboratoriais de risco. 

Além disso, o profissional ainda aponta que as novas tecnologias são capazes de criar caminhos específicos de acordo com a dificuldade de cada aluno: “Por exemplo, crianças com déficit de atenção ou aprendizado. A inteligência artificial pode criar um meio, sob a supervisão do educador, para atingir o objetivo de atender a demanda específica daquele estudante”, explicou.

Por fim, Costa também demonstrou que a ferramenta deve facilitar a vida dos educadores fora da sala de aula em relação às questões burocráticas da educação. “A organização de horários, aulas, materiais, tudo isso a inteligência artificial pode auxiliar para encontrar quais são os padrões. Entender o que foi feito no passado e o que pode fazer melhor no futuro, como o currículo pode ser desenvolvido e como as aulas podem ter outra abordagem”, declarou o professor. 

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