Poluição dos Oceanos e extinção da vida marinha: o que nossos hábitos têm a ver com isso?

Estudos revelam que se a humanidade seguir produzindo e descartando resíduos na escala atual, em 2050 haverá mais plástico do que peixes nos oceanos
por
Luana Coggo e Virginia Mencarini
|
01/06/2020

Segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas, todo ano, mais de 8 milhões de toneladas de plástico têm como destino os oceanos. É como se, a cada minuto, um caminhão de lixo cheio de plástico despejasse toda a sua carga no mar. Se continuarmos nesse ritmo de produção e descarte exacerbado de plástico e de outros resíduos sólidos, é provável que, em 2050, haja mais lixo do que peixes nos oceanos. Os principais responsáveis por esse cenário de descaso com o meio ambiente são os hábitos culturais de consumo presentes na sociedade há tanto tempo, que, em contrapartida, continuam sendo os agentes de mudança mais potentes contra o aumento de índices alarmantes sobre a poluição dos oceanos.

Entende-se como poluição marinha o resultado direto do derramamento nos mares de partículas, produtos químicos e resíduos derivados de atividades humanas, como a agricultura, o comércio, a indústria e das próprias residências. Esta começou a se tornar um problema mundial com o boom da produção de plástico nos anos 1950, já que todos os resíduos necessitavam de um destino final. Após somente 65 anos, a produção estimada de 2 toneladas passou a ser de 448 milhões. Dessa quantidade, apenas 9% dos resíduos foram reciclados, 12% foram incinerados e 79% foram acumulados na natureza e em aterros sanitários. Outro fator muito significativo para a contribuição desse cenário desanimador é o alto consumo e produção de carne. Para produzir apenas 1kg de carne bovina, são necessários 15 mil litros de água; ou seja, se projetarmos esse número em escala global, veremos que o consumo de carne, além do plástico, é outro hábito humano que cobra um preço alto do meio ambiente. O custo também pesa no bolso dos consumidores, que gastam muito ao consumirem tanto o plástico como a carne.

“Isso é seu?” - Manifestação por foto oportunidade contra o consumo exacerbado de plástico

Para os países, o custo é ainda maior: segundo um estudo publicado pelo Boletim da Poluição Marinha, as nações chegam a gastar, por ano, US$ 2,5 trilhões com os custos dos danos causados aos elementos essenciais que a vida marinha nos oferece, como a produção de oxigênio, a manutenção do equilíbrio térmico do mundo e do armazenamento de carbono. Os plânctons presentes no mar são responsáveis pela produção de cerca de 40% do oxigênio que respiramos, sendo assim, enquanto houver esse descaso com os serviços ambientais e a população continuar sendo resistente quanto a mudança de seus hábitos, não existirá dinheiro que poderá reverter essa situação. Por muito tempo, a pauta que envolve a preservação da vida marinha não foi tratada pelos países com a devida importância; pelo contrário, ela foi negligenciada e menosprezada.

Um fator que contribui para essa visão despreocupada que os países têm sobre os problemas relacionados aos oceanos é o das águas internacionais não serem regulamentadas de fato, ou seja, de serem “águas de ninguém”. Em entrevista ao El País, Enric Sala, ecologista marinho e diretor executivo da Pristine Seas (projeto da National Geographic para proteger os lugares ainda imaculados dos oceanos) faz um alerta para a questão de que hoje, há muita concorrência entre as diferentes nações, mas não há uma clareza quanto a quem e onde protegem. “Não há um instrumento legal para a criação de áreas protegidas em águas internacionais. Nos dias de hoje, se quiséssemos proteger as águas internacionais aqui, em frente ao litoral do Chile, quem decide isso? Quantos países são necessários? Não está claro.”

Entretanto, após diversas manifestações populares contra a negligência global, a pressão pública fez com que o cenário começasse a mudar. Para Enric Sala, potências como China e Estados Unidos começaram a caminhar para se tornarem um exemplo a ser seguido pelo resto do mundo: “Os Estados Unidos têm uma gestão da pesca, baseada na ciência, das melhores. Conseguiu na última década recuperar muitas espécies que estavam ameaçadas”. Além disso, o problema da poluição oceânica também entrou para a discussão internacional em um plano de ação conjunta para reduzir o lixo marinho, acordado em junho de 2017 pelo G20, grupo das maiores economias do mundo. Nela, os países entenderam que a preocupação com as consequências do descarte de lixo e pesca desenfreada deve ser levada a sério. Barbara Hendricks, ministra alemã do Meio Ambiente, disse que está muito feliz com o acordo do G20 sobre o plano de ação conjunta: "Isso leva a proteção de nossos oceanos dar um grande passo adiante em termos de consciência global", e acrescenta: "Se é para a Terra continuar sendo o planeta azul, temos que parar de sufocar os oceanos com lixo".

Uma das inúmeras manifestações que contribuiu para que essa pauta chegasse até as maiores potências mundiais foi a ação organizada na Itália,  durante o carnaval de 2019. As pessoas se reuniram e, juntas, montaram uma baleia gigante feita de lixo oceânico, simulando uma asfixia do animal. O objetivo principal foi lembrar as grandes organizações sobre a importância de nos livrarmos do plástico.

Baleia feita de lixo em protesto contra a produção de plástico

ONGs de maior expressão e visibilidade também têm desenvolvido projetos pela causa marítima. O Greenpeace, por exemplo, se uniu a um grupo de cientistas para investigar e documentar os impactos da crise climática. A Organização tem lutado pela criação de um Tratado global dos Oceanos, para que o alto mar seja protegido da ação humana e os impactos nas regiões sejam minimizados. Para isso, foi lançado o projeto “Proteja  os Oceanos”, a fim de arrecadar recursos para financiar as expedições que os cientistas estão fazendo até a Antártida, para embasar as críticas e pressões  aos governos e empresas.

O Greenpeace também é responsável por divulgar a campanha Segunda Sem Carne, um projeto mundialmente conhecido por incentivar a mudança de hábitos pessoais que são prejudiciais aos animais, ao meio ambiente e até mesmo a nós, humanos. O Projeto foi lançado no Brasil em 2009, e desde então se espalhou por mais de 40 países. No Reino Unido, por exemplo, o projeto é encabeçado pelo ex-Beatle Paul McCartney, que prega a ideia de que escolas, governos e empresas devem incentivar a população, desde criança, a consumir menos carne. Celebridades brasileiras como Sabrina Sato, Xuxa e Reynaldo Gianecchini também são anfitriões da campanha. Para incentivar as comunidades a aderirem à ação, o Greenpeace faz posts em suas redes sociais, todas as segundas feiras, com receitas vegetarianas e veganas, explicadas passo a passo, para servir de inspiração no engajamento da população.

Paul McCartney em apoio ao projeto Segunda sem Carne

Projetos individuais de pequeno porte também possuem sua relevância, e também contribuem positivamente a longo prazo. É o caso de Anna Du, a pré-adolescente americana que com a apenas 12 anos conseguiu desenhar e construir seu próprio robô capaz de detectar os microplásticos nos oceanos. O robô utiliza da tecnologia dos raios infravermelhos para realizar sua missão, e com esse projeto, Du chegou a final do concurso anual Discovery Education 3M Young Scientist Challenge, garantindo 25.000 dólares e uma mentoria no valor de 3 milhões de dólares.

 

                                                                        Anna Du com sua invenção

Outro projeto que vale a pena destacar, desta vez um pouco mais complexo, é  o Barco Robô Seavax. A invenção natural de Londres será capaz de retirar cerca de 150 toneladas de lixo dos oceanos (quando o processo for finalizado), por meio de um mecanismo que funciona como um grande aspirador. O Seavax foi idealizado para retirar as partículas de plástico presente nas águas, e além disso, como se já não fosse ecofriendly o suficiente, é movido por uma mistura genial de energias eólica e solar.

                                                                    Barco robótico SexVax em alto mar

Mas o que nós podemos fazer para mudar essa realidade em que os oceanos se encontram? Seguem abaixo 5 dicas de como nós podemos fazer a nossa parte e ajudar nessa mudança:

  1. Diminua o plástico no seu dia a dia

Não compre água em garrafas plásticas, não use copos, talheres nem canudos descartáveis feitos de plástico, e diminua também o consumo de embalagens plásticas. Para uma garrafa desse material se decompor e desaparecer do meio ambiente são necessários ao menos 450 anos. Substitua por uma garrafa não-descartável, como as de aço inoxidável, por exemplo. Já em relação aos copos, talheres e canudos, opte também pelos reutilizáveis, para que os dados sobre a quantidade de lixo nos oceanos possa diminuir. Quando for ao mercado, troque a tradicional sacolinha plástica por sacolas de papel. Pequenas mudanças nos nossos hábitos fazem sim a diferença.

  1. Seja um consumidor informado

Produtos de higiene pessoal costumam ter em sua composição os microplásticos, que são lançados diariamente ao mar pelos esgotos. Isso compromete não só a ingestão por parte dos animais marinhos, mas também dos humanos que consomem frutos do mar. Faça a sua parte optando pelos produtos livre de micropartículas, analisando seus ingredientes nas embalagens. Passe longe dos que tiverem polipropileno, polietileno, tereftalato de polietileno ou metacrilato de polimetilo em sua composição.

  1. Diminua sua emissão de carbono

Os oceanos absorvem mais de 25% das emissões de CO2 geradas pelos humanos, o que causa uma acidificação das águas marinhas, ameaçando diretamente a vida de várias espécies marinhas. Para resolver esse problema, basta diminuir essa emissão do dióxido de carbono na nossa rotina. Ande mais de bicicleta, opte pelo transporte público ao individual e use fontes de energia “verdes”, como a solar e a eólica. O consumo consciente sobre o que comprar e de quem comprar também facilita esse processo.

  1. Cuide do seu animalzinho com responsabilidade

Pode parecer estranho e incomum, mas a forma com que cuidamos dos nossos pets também pode ser prejudicial aos ecossistemas oceânicos.  Tenha certeza de que está descartando corretamente os resíduos das caixas de areia, pois ao descartá-los na privada, vão diretamente aos mares e oceanos pelo esgoto. Ao comprar rações, se certifique que sejam feitas de ingredientes que não sejam ambientalmente responsáveis. E se tiver um aquário, não compre peixes de água salgada e de ambientes silvestres (soltar os peixes de aquário no mar também pode acarretar problemas e alterar negativamente a vida marinha nativa, apesar de parecer uma boa ideia).

  1. Organize um mutirão de limpeza nas praias

É muito mais fácil enxergar a poluição marinha quando estamos mais perto do problema. Junte amigos e familiares para recolher a enorme quantidade de lixo e plástico localizada na beira do mar, mas certifique-se de que o descarte será feito da maneira correta, para evitar que os resíduos cheguem novamente ao mar.

Com o avanço dos ritmos de produção imposto pelo nosso sistema capitalista, os níveis de plástico, além de outros materiais poluentes que são lucrativos para as grandes corporações, inclusive o cultivo de gado e pesca em escala, tendem também a aumentar. É válido lembrar que estamos diante de uma conjuntura que valoriza, acima de tudo, o lucro e o avanço das tecnologias. Porém, se continuarmos nesse ritmo, o futuro, em curto e principalmente longo prazo, nos entregará como resultado um planeta doente que já se encontra sobrecarregado. O meio ambiente que exploramos é o único que até então conhecemos para sobreviver, e sem ele, não há fortuna no mundo que seja capaz de nos fazer resistir.

Os projetos que apresentamos têm como principal objetivo lembrar e mostrar que, se cada ser humano cumprir com seu dever, a situação pode ser revertida. Que o engajamento das pessoas que iniciaram as campanhas e os protestos sirvam de inspiração para essa e para as próximas gerações que estão por vir; que a sociedade possa perceber a força que nossos hábitos diários, pequenos e grandes, possuem sobre o meio ambiente, e que, ao perceber, tenha sabedoria e vontade para mudar; afinal, a mudança é a única que pode realmente nos levar a um mundo mais verde e justo.

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