"Plágio de estilo" por aplicativos de Inteligência Artificial preocupa ilustradores

Ferramentas de criação de imagem colocam em xeque direitos autorais e remuneração de artistas por seus traços
por
Evelyn Fagundes e Maria Luiza Marinho
|
29/06/2023

Plataformas de produção de imagens por inteligências artificiais prometem criar peças em massa, apenas com os comandos do próprio usuário. No entanto, esse cenário tem se tornado uma preocupação para os ilustradores gráficos, já que as ferramentas desenvolvem desenhos a partir dos existentes em bancos de imagens, sem creditar ou remunerar os criadores.

De modo geral, sabe-se que plagiar uma obra de arte pode gerar um processo jurídico. Mas afinal, plagiar um estilo, também pode ser crime?

Estilo é um conceito da história da arte de significado amplo. Em geral, indica um grupo de características mais ou menos constantes e definidas que permitem a identificação da arte e do artista.

O ilustrador Gustavo Gama relata que levou anos para desenvolver sua própria técnica nos desenhos, "o que uma IA produz em segundos, leva anos de estudos e aprimoramento de todo e qualquer artista", diz.

Ainda de acordo com o desenhista, existem cartoons que podem levar dias para fazer, devido a densidade dos detalhes, atenção aos traços e outras tantas táticas de ilustração.

"Eu faço ilustrações de forma independente. Desde que vieram as IAs, pensamos que poderia sim ser um auxílio no nosso trabalho, até surgirem as cópias e reproduções em massa do trabalho de alguns artistas como a Bruna Gouvêa", Gama revela. O desenhista comenta o caso da ilustradora brasileira que trabalha para a empresa japonesa Torigatte. Seu caso foi recentemente repercutido dentro das redes sociais, depois de uma suposta venda em massa de desenhos que pareciam cópias dos seus animes.

Em resposta, Gouvêa postou uma selfie em frente ao computador, mostrando suas ilustrações, em uma alfinetada a cópia cometida pela IA. Após repercussão e críticas, a jovem excluiu a imagem de seu twitter e restringiu suas redes. Procurada pela reportagem, a artista não respondeu.

Mesmo sendo adeptos da tecnologia, os ilustradores que compartilham suas obras nos meios digitais, apontam várias dessas vulnerabilidades do comércio de seus trabalhos com as novas ferramentas de IA. Dentro das plataformas de depósito de artes, designers gráficos como Gustavo Gama e Gabriel Koenigkom Martins, protestam contra essas ferramentas. "Quando a gente se inspira, não tem relação com cópia, porque não é uma produção em massa como as IAs geram, tem um sentimento ali", explica o estudante de artes visuais Gabriel Koenigkom Martis.

O pesquisador de segurança digital e Inteligência Artificial, Christian Perrone, afirma que a insegurança dos artistas também se dá pela vulnerabilidade do mercado brasileiro. "As empresas valorizam a produção em massa, e qualquer trabalhador sabe disso. O tom dos ilustradores é de desespero, porque essas reformas são vistas a olho nu", e continua dizendo que "para nós ainda não existe IA que possa substituir a inspiração humana", conclui o especialista.

Para a advogada pela PUC-SP e doutora em direitos autorais, Priscila Georges Pilavdjian, essa ação feita pelas IAs ainda é um debate no meio jurídico, pois enquanto alguns especialistas entendem como cópia, outros compreendem como um modelo de inspiração para essa tecnologia. "Por esse lado, o artista pode sim recorrer. O detentor do direito autoral da IA é o próprio criador. Caso haja um processo de plágio, é o formatador [empresa] que vai responder", diz.

Para quem olha de fora, toda a polêmica em torno das artes geradas por IA talvez soe como uma resistência ao novo. Mas, existe uma ampla discussão sobre os grandes monopólios cibernéticos, como afirma a publicitária Karina Modesto.

"A OpenAI do Chat GPT tem o Elon Musk como um dos fundadores, então existe uma outra questão: quem vai regular essas Inteligências? Porque a ferramenta vai acabar se tornando um grande megapólios assim como outras redes dominadas pelos bilionários, que não creditam nem monetizam o trabalho dos artistas", diz a publicitária. Modesto comenta que a chegada da nova atualização do Photoshop em sua empresa, fez vários profissionais questionarem sobre seu futuro e remuneração.

Para além dos riscos de potenciais crimes cibernéticos, o especialista em Artes, Marcus Bastos, apontou que a inclusão das tecnologias no campo artístico pode ser benéfica e que não se trata de um debate novo. Ele explica que algo similar foi vivenciado no século XIX, quando a câmera fotográfica surgiu e tinha-se a ideia de que os retratos poderiam substituir as pinturas.

Para o especialista, ao longo dos anos, com ou sem o uso de tecnologias avançadas para a época, cada modelo de arte foi encontrando seu espaço no mundo.

"É interessante pensar nas IAs como um meio e não um fim"

A maior parte das implementações das Inteligências Artificiais são baseadas em prompts de comando, ou seja, em ordens do próprio usuário que geram respostas da plataforma. Os ilustradores comentam que com a regulação das Inteligências Artificiais, essas ferramentas poderiam servir como base de inspiração dentro do processo criativo de cada artista, ou para a difusão dos desenhos em redes sociais, ou plataformas de compra e venda.

Para Koenigkom Martins, "é interessante pensar nas pessoas que usam as IAs como um meio e não um fim, então pegar inspirações e bases para fazer a própria é legítimo, ou até para divulgação e reprodução da sua própria arte".

Nessa mesma linha, Gustavo Gama reclama das dificuldades de retorno monetário. “As redes sociais têm algoritmos que se você não postar todos os dias, fica invisibilizado. Então, para manter a constância e qualidade é muito difícil. As IAs ajudam com isso. Mas, a consequência é que a maioria delas é paga, e precisamos do trabalho remunerado para ela continuar. Então vira um mecanismo sem retorno”, afirma Gama.

No início do ano, as plataformas Inkblot Art e Furaffinity, — que funcionam como uma galeria de ilustrações digitais onde os artistas vendem e as empresas compram — estão restringindo o acesso a obras geradas por IA. A ferramenta se posicionou dizendo que essa é uma forma de evitar que essas artes, que podem ser geradas rapidamente, ofusquem o desempenho monetário dos desenhistas.

Porém, em abril deste ano, a equipe da Universidade de Chicago se posicionou admitindo que a plataforma de depósito de imagens, ainda não garante total proteção ao artista. "A área [das IAs de imagens] é nova, mas não tão nova quanto se pensa. Para quem pesquisa, já era esperado essa demanda, a insegurança genuína de cada ilustrador. Como Walter Benjamin propõe lá no século XX uma análise destas mudanças, oferecendo 'teses sobre as tendências evolutivas da arte', então devemos retomar isso", diz o doutor Christian Perrone.

De acordo com Priscilla Pilavdjian, ainda é necessária maior compreensão do jurídico sobre essa nova tecnologia: "não podemos tirar do detentor da ideia e do desenvolvedor do traço, o reconhecimento que por consequência gera a remuneração deste artista. Dentro do direito civil, entendemos que sim, haja uma punição para essas ferramentas. A empresa que configurou a tecnologia deve regular a criação de plágio ou criar um mecanismo de créditos aos ilustradores", afirmou.

Inteligência Artificial para amplificar a capacidade artística

De acordo com Bastos, as ferramentas que geram imagens por Inteligência Artificial têm problemas de desenvolvimento, mas vão além disso. O doutor em Comunicação e Semiótica acredita que é possível utilizar as plataformas para potencializar a capacidade artística humana.

“De forma geral, os trabalhos mais interessantes são os que lidam com essa colaboração entre homem e máquina", discorreu o professor. “Existe um potencial para descobrir o que é possível fazer com a IA e onde essa linguagem se acomoda nas possibilidades de criação”.

Para Bastos, a História da arte é marcada pelas tecnologias e, nesse sentido, quando novas ferramentas atravessam esse caminho, seja a máquina fotográfica ou os computadores, sempre ocorre uma preocupação com o futuro. “Toda tecnologia muda a potência do ser humano. A inteligência artificial pode ser interessante também, no sentido de libertar as pessoas do trabalho mais repetitivo, e permitir que o ser humano se dedique a aspectos mais criativos e críticos do trabalho”, disse o especialista.

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