Parque Augusta: a praia paulistana

Em meio ao ‘mar’ de prédios no centro de SP, o local se destaca e é ‘tomado’ por cangas, roupas de banho e piqueniques nos fins de semana
por
Daniel Seiti Kushioyada
|
17/06/2022

Por Daniel Seiti

 

Domingo ensolarado, termômetros marcando na casa dos 30 graus e dezenas de pessoas, em passos desapressados, caminham em direção a um programa planejado para durar o dia inteiro. Suas mãos estão ocupadas carregando cadeiras de praia, coolers que mantém a cerveja bem gelada, caixinhas de som que ecoam “Boys Don’t Cry” – o novo hit da Anitta – e preparadíssimas ecobags, com pacotes de salgadinhos suficientes para garantir a farra e a ‘farofa’. Nesse ambiente praiano se encontra o Parque Augusta, o refúgio de paulistanos nos fins de semana, localizado no centro de São Paulo.

 Nos arredores dos portões, vendedores de pipoca, batata chips e milho anunciam os seus produtos. Junto deles, a presença daquela que faz mais sucesso e forma filas de espera: a água de coco. Esportistas que por ali se exercitam, famílias que passeiam com seus filhos, solitários leitores de jornal. Todos carregam um suculento coco verde para se refrescar debaixo do sol escaldante – inclusive, este que vos escreve.

Cangas estendidas dão cor aos 23 mil m² do local e se dividem entre as mais discretas, com listras, imagens do mar e de gaivotas, e as mais chamativas, com cores neon, ilustrações psicodélicas e mensagens políticas – “Fora Bolsonaro”. Sobre os tecidos, a presença de corpos. Alguns de trajes de banho, que buscam um bronzeado em suas peles, enquanto outros, vestidos, se concentram em terminar o livro em que durante a semana não se tem tempo de ler. Casais sentam em panos floridos para namorar, enquanto são entretidos – ou atrapalhados – por palhaços de longas pernas de pau.

Palhaço no parque
Palhaço de pernas de pau anima o Parque Augusta. Foto: Daniel Seiti

Há também as cangas gigantes, trazidas para atender a reuniões de amigos e famílias que se encontram para colocar o papo em dia, escapar da rotina ou até mesmo comemorar aniversários. No ar, junto ao cheiro de sundown, uma mistura de conflitantes sensações de paz e bagunça simultâneas. Enquanto alguns parecem meditar com fones de ouvido, exalando um espírito de paz, outros berram e correm com seus filhos, pedindo para se acalmarem. “Eu só queria correr do palhacinho”, exclama uma das crianças para seu pai.

Frequentadores, assíduos ou ocasionais, aprovam o Parque Augusta como um espaço de descontração ao ar livre e, em uma cidade sem praia, o local cumpre o papel de abrigar as necessidades de descontração e de relaxamento da população. “Eu e meu marido gostamos de tomar Sol aqui quando temos tempo. Tentamos chegar de manhã, porque à tarde aqui fica lotado. Fica difícil de conseguir um espaço”, conta Bruno Octávio, 37, morador da Bela Vista – bairro vizinho ao parque.

Parque cheio
Paulistanos transformam o Parque Augusta em praia urbanizada. Foto: Reprodução

Se hoje o cenário remete a um ambiente despojado e com elemento praieiros, há mais de um século o cenário era totalmente diferente. As raízes das árvores, como da gigante figueira-mata-pau, que se expandiram pelo muro divisor do parque com a Rua Augusta, carregam toda uma história do terreno que já foi chão de um palacete e de um colégio.

Em 1902, quando a área ainda era dominada por chácaras e bem distante do Centro da cidade – que na época era restrito à região entre a Praça da Sé o Largo de São Bento –, ali foi construído o Palacete Uchoa, projetado por Victor Dubugras para a família Uchoa. Em 1906, o imóvel foi vendido às Cônegas de Santo Augostinho, que instalaram no casarão o tradicional colégio particular feminino Des Oiseaux. A instituição encerrou suas atividades em 1969 e, a partir da década seguinte, a construção começou a ser demolida.

imagens do parque antigas

 

O terreno foi transformado em estacionamento e, na década de 1980, abrigou o Projeto SP, que promoveu apresentações de diversas bandas como Capital Inicial, Blitz, Titãs, Paralamas do Sucesso, entre outras.

esquina Pq. Augusta
Esquina entre as ruas Augusta e Caio Prado. Foto: Reprodução

No início dos anos dois mil, depois dez anos de tentativas por parte de moradores da região, através pedidos e requerimentos, o espaço foi tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). Porém, na década anterior, a área havia sido vendida para o ex-banqueiro e incorporador Armando Conde. Assim, foi iniciada uma série de disputas judiciais e negociações entre a iniciativa privada, dona do terreno e que tinha interesse em construir prédios na área, e o poder público – fortemente pressionado por movimentos sociais em defesa do parque –, que lutava pela criação do Parque Augusta. As negociações culminaram no acordo que prevê a compra do terreno pelo poder público por meio de outras compensações, com direito de construção em outras áreas da cidade. Assim, a escritura do parque foi finalmente passada para a Prefeitura de São Paulo, em abril de 2019.

Pq Augusta
Parque Augusta quebra a singularidade na paisagem dominada por prédios no centro de SP. Foto: Daniel Seiti

Após uma longa reforma, o ambiente se transformou. O chão do antigo pátio do colégio Des Oiseaux, frequentado por estudantes, e o estacionamento, que recebia grandes públicos que iam assistir a shows, agora virou palco de programa para dias ensolarados, recebendo reuniões de amigos, passeios de famílias, instrutores de atividades ao ar livre ou solitários paulistanos que “turistam” pela própria cidade.

O arquiteto Alexandre Martins é o coordenador do Projeto Parque Augusta e conta que a criação do parque no terreno do antigo Colégio Des Oiseaux, seu programa e equipamentos é resultado de demandas da própria população. Para sua concepção foram consideradas as memórias urbanas ali presentes dos Colégios Des Oiseaux e Santa Mônica e seus remanescentes físicos – a Portaria da Rua Caio Prado, a Casa das Araras, o Muro, parte das fundações do Colégio Santa Mônica e, principalmente, o jardim centenário do Colégio Des Oiseaux, que ali se mantém, com sua vegetação, alamedas, caminhos, grutas e oratórios. Então, nesse sentido, foi estabelecida uma relação entre estes espaços e elementos históricos com os novos criados, entre o bosque com sua vegetação mais densa e o vazio originalmente ocupado pelas antigas construções, que permite um diálogo em permanente movimento: entre um bosque e sua planície, entre sombra e claridade.

Cinco meses após a sua inauguração, em novembro de 2021, o Parque Augusta se tornou a escolha dos moradores que, nos fins de semana, não querem descer a Serra do Mar para encontrar as praias, mas trouxeram essências e elementos presentes no litoral para a capital paulista, em meio ao oceano de cimento, prédios e veículos da metrópole. A areia é substituída por uma grama verde bem cuidada e curta. Ao invés da brisa marítima, a presença de ventos que giram os cataventos das crianças que brincam nos brinquedos. Já as disputadas sombras não ficam por conta dos guarda-sóis, mas pelas árvores que trazem a sensação de acolhimento.

O processo de transformar o local em uma “praia paulistana”, segundo o arquiteto coordenador do projeto, já fazia parte do projeto inicial. “O Parque Augusta foi pensando como parque urbano, um espaço público com vegetação e elementos naturais que tem, entre outros objetivos, o lazer e a recreação. Por isso, esperava-se este tipo de atividade. A surpresa foi no modo que isso se deu e sua intensidade.  Os locais escolhidos pela população dentro do parque para esta utilização, a quantidade de pessoas e a sua rápida apropriação e o modo característico, foi inesperado”, revela Martins.

O respiro verde, apesar de limitado, reforça a necessidade de mais espaços como esse dentro de uma megalópole como São Paulo. “Gosto de me reunir com a galera aqui nos domingos. Parece que a vibe aqui do parque tira a gente desse estresse do dia a dia da cidade, da rotina. Todo mundo só querendo curtir e relaxar. Acho um espaço bem gostoso para trazer a família para passear e os pets também né (risos)”, opina Vinícius Dal Santo, 26, morador da Consolação, acompanhado da sua vira-lata Matilda – que estava cansada de tanto brincar com outros ‘aumigos’ no cachorródromo.

Banho de Sol
Frequentadores tomam banho de Sol sobre suas cangas coloridas e ao lado das ruínas do colégio. Foto: Daniel Seiti

Martins explica que o processo de adensamento dos grandes centros urbanos, com a redução dos tamanhos das habitações e a grande concentração de pessoas, exige que os espaços urbanos sejam concebidos para promover o encontro e o exercício da convivência entre os indivíduos. As praças e os parques são espaços próprios para isso. Além de favorecer a interação social entre seus usuários, estes lugares contribuem decisivamente com a qualidade de vida e com o equilíbrio do ambiente urbano. No caso específico da cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, a cidade, muito menor, era mais contínua e equipada com espaços com estas características – como os parques do Anhangabaú, Dom Pedro, Parque Antárctica, Bosque da Saúde, Prado da Mooca etc. Para ele, o espraiamento da cidade, o domínio do veículo no ambiente urbano, mudou isso. O encontro passou a se dar no interior dos shoppings. Mais recentemente, a importância do espaço urbano, e principalmente, de sua qualidade está sendo reconhecida. A identificação e a preocupação das pessoas com a cidade, com as áreas verdes, com seu patrimônio, seja ele histórico ou não, expressa o reconhecimento de que tudo isso é seu e definidor de sua identidade.

Tags:

Cidades

path
cidades

Comportamento

path
comportamento

Meio Ambiente

path
meio-ambiente