Para Além dos Poderes: a complexidade dos heróis e suas contradições

De acordo com Octávio Aragão, professor na UFRJ, o Superman: "surge para corrigir os problemas do capitalismo"
por
Júlia Gomes Zuin
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17/10/2023

Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, aconselhou Benjamin Parker ao Homem Aranha no filme da Sony, de 2007, interpretado por Tobey Maguire e James Franco. O provérbio é colocado em diferentes produções do drama, atemporais; entretanto, em todas, ilustra a grandeza de ser extraordinário. No longa, Cliff Robertson, o ator que interpreta o tio de Peter Parker, ainda completa: "Só porque você poderia bater nele, não lhe dá o direito de bater". Ambas as frases também explicam como o Homem Aranha é capaz e possui poder: ele tem a possibilidade de transgressão a qualquer Estado, seja qual for o coletivo e a razão de sua existência.   

Mas o que é de fato ser um herói? É uma questão complexa que, neste texto, será abordada com cuidado. A sensibilidade é devida a responsabilidade de entender o mundo desses personagens que influenciaram diversas gerações. Para alguns, Robin Hood é o mais sincero dos salvadores, aquele que pensa no coletivo e, principalmente, nos pobres; para outros, o Batman, milionário de dia, mascarado de noite, que enfrenta perigos de uma cidade sangrenta - outros se baseiam nos Vingadores que, como o nome já revela, tem como trabalho vingar a o que os causaram mal. 

Independentemente de suas diferenças, estes exemplos possuem algo em comum: a oposição às leis. Todos realizam a justiça com as próprias mãos de modo rebelde as regras. Curiosamente, em obras em que o homem- morcego é exposto, por exemplo, o protagonista trabalha aliado em segredo à polícia, que também vai contra as regras. Em Vingadores, os heróis são aplaudidos pela maioria da população, após salvarem o mundo algumas vezes - estes episódios participam de um plano ficcional, claro - mas inspiram e representam desejos daqueles que compõem o meio, ou seja, nós, no mundo real. As criações são abordadas de maneira natural, mesmo que violentas, e até emocionam.  

Neste cenário, os personagens indomáveis não são presos após cometerem crimes - muito pelo contrário, são aplaudidos; o resultado deste efeito, na esfera concreta, é que são reverenciados e tratados como deuses, diferentemente daqueles que, neste mundo, ignoram normas, sejam estas quais forem. De acordo com Octavio Aragão, professor adjunto da UFRJ e Doutor em artes visuais, as  histórias seriadas de super-heróis que agem de acordo com suas crenças acima do poder estatal são tão antigas quanto a humanidade: “Essas personalidades não foram inventadas agora: os cavaleiros do rei Arthur, por exemplo, tinham superpoderes”.  

O acadêmico ainda pontua que essas personagens são criadas com o mesmo objetivo: salvar os fracos e oprimidos, por mais clichê que seja. Aragão cita como exemplo o próprio Superman, desenvolvido por dois homens judeus que, em sua essência, é um ícone socialista, preocupado com os indefesos e suas dores mais básicas; em suas palavras:“ ele surge para corrigir os problemas do capitalismo”.  

Hoje os quadrinhos, além de serem os produtos culturais, são, também, de massa. É um processo que, diante do capitalismo, ocorre também em vários outros materiais. De qualquer forma, as histórias narram indivíduos que praticam a justiça com as próprias mãos e, mesmo assim, abastecem o sistema e colaboram com uma sociedade cada vez mais marginalizada; entretanto, o Superman atual é a identidade do governo norte americano, com viés extremamente diferentemente de sua origem.  

É contraditório imaginar como um personagem que vai contra o estado é propagado pelo mesmo, tornando-se até sua marca (o caso do Superman e os Estados Unidos). O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro esclarece que este é o mesmo caso das milícias: “quando elas surgem, na independência norte- americana, são geridas por cidadãos que ajudam as forças de resistência contra os exércitos inglês; elas a força combatente de próprios civis, com respeito dos americanos - são a base de todo super-herói. Já o sistema vive de heróis; ele usa essa oposição ao seu favor, manipulando ainda mais a massa, que se classifica como revolucionária.  

Em suma, a definição de herói é subjetiva, embora entendida majoritariamente como aquele que defende um povo. Como ele o faz é o que pode vir a excluí-lo desta classificação e, assim, expõem-se a alternativa de ser um anti-herói ou até mesmo um vilão. De qualquer forma, atualmente, todos, como produtos massificados, colaboram ainda mais para um Estado opressor e alimentam - mesmo que indiretamente - o sistema vigente, já que capitalismo se apropria de discursos transgressores. Qual será o herói que irá nos salvar? 

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