A crise sanitária provocada pela pandemia piorou indicadores já calamitosos no Brasil. Ao mesmo tempo que o número de pessoas na linha da pobreza aumentou, o preço de alimentos e outros itens básicos ficou mais caro. Esse cenário afetou a atuação de ONGs que tentam minimizar os efeitos da fome através da distribuição de refeições prontas e cestas básicas.
Arte: Giovanna Montagner
Em São Paulo, o Grupo da Atitude Social (GAS) trabalha desde 2016 levando alimentos para pessoas em situação de rua. Com a pandemia, a ONG achou necessário ampliar seu atendimento para comunidades vulneráveis nos extremos da cidade.
"A gente começou a perceber que o número de pessoas nas ruas aumentou demais. Isso porque a maioria das pessoas que ficaram desempregadas não tiveram outra opção a não ser parar na rua", aponta Leila Ferraz, responsável pela comunicação do GAS. "Para evitar que isso acontecesse ainda mais, a gente começou a atender também as comunidades", completa.
Segundo Leila, a crise gerada pela pandemia teve dois efeitos econômicos que impactaram negativamente o caixa da Organização. Em primeiro lugar, a receita, gerada unicamente por doações voluntárias, diminuiu. Em contrapartida, os preços dos itens da cesta básica subiram, e a ONG passou a ter um aumento de custos bastante significativo.
Ela conta que, antes da pandemia, a cesta básica comprada direto do fornecedor e em grande quantidade custava em média R$56. Agora, o valor gira em torno de R$67 por cesta básica. "O valor que a gente arrecada via doações não acompanhou esse aumento, então a gente acaba comprando menos coisas porque os preços subiram demais", explica.
Atualmente, a ONG atende aproximadamente 7.000 pessoas nas ruas e 1100 famílias em comunidades nos extremos da cidade de São Paulo todo mês. São em média 200 cestas entregues todo sábado, além dos alimentos preparados na hora.
Moradores de rua em São Paulo
A cidade de São Paulo viu aumentar a sua população em situação de rua nos últimos dois anos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Secretaria da Assistência Social em 2019, esse número foi de 15.905, em 2015, para 24.344 em 2019. No mesmo período, a taxa de desemprego saltou de 13,2%, para 16,6%. Apesar do expressivo aumento de pessoas nessas condições (53%), estima-se que haja uma subnotificação nessa contagem devido a falta de dados e estudos concretos.
O professor de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em extrema pobreza, Fernando Burgos, ressalta que a elite brasileira teve um papel fundamental na primeira onda da pandemia pela grande quantidade de dinheiro que foi doado, mas que isso foi se dissipando e as pessoas começaram a voltar para uma situação de vulnerabilidade. “As ONGs que receberam mais dinheiro, eram aquelas que se comprometeram com os grandes empresários, a distribuir alimentos. Não adianta você dar o saco de feijão, se você não der o gás.”, critica Burgos.
Fonte: SMADS/Arte: Thalisson Luan
Segundo o mesmo levantamento, conflitos familiares são a maior causa que levam a essa situação (50%), seguido por: uso de drogas ou álcool (33%), desemprego (13%) e perda de moradia (13%). Além desses fatores, hoje há o agravante da crise sanitária, que resulta em novos perfis dessa população. Nesse cenário, atitudes solidárias como da ONG Pãozinho Solidário, que ampara moradores de rua por toda a cidade há 20 anos, fazem toda a diferença.
Para Malena Gonçalves, voluntária da instituição, além da sensação de dever cumprido ao prestar ajuda, há também um trabalho de restaurar a humanidade e visibilidade dessas pessoas diante da sociedade. Ela diz que "o que mais marca é quando você escuta, principalmente da população em situação de rua, que você estar ali faz com que ela se sinta vista".
Moradores de rua no Brasil
O Brasil vive sem saber quantas pessoas moram nas ruas do país, já que o último censo nacional da população em situação de rua aconteceu em 2008.
O mais próximo que temos são dados do Cadastro Único, disponíveis até setembro de 2020, que mostram que havia 149.654 famílias que se declararam em situação de rua no país, contra 140.199 de janeiro do mesmo ano. Isso significa um aumento de 9.455 famílias durante a pandemia. No entanto, esse número não é exato, já que inclui apenas as pessoas que preencheram os dados para tentar inclusão em programas sociais do governo.