Os movimentos femininos no futebol provam que o lugar da mulher é nos estádios… e onde ela quiser!

Grupos surgem motivados pela paixão ao esporte, mas a sua influência vai muito além das quatro linhas

por
Geovanna Hora
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23/03/2021

O universo esportivo é historicamente dominado pelos homens, principalmente quando falamos sobre futebol. Contudo, isso não impede que a cada dia mais mulheres estejam dispostas a lutar para provar que esse espaço é delas também, seja nas quatro linhas do campo ou nas arquibancadas.

Por esse motivo, o surgimento de coletivos, movimentos e até mesmo torcidas organizadas femininas está se tornando comum nos últimos anos entre as torcedoras dos clubes brasileiros, que lutam por mais respeito e para fortalecer a presença das mulheres nos estádios.

“Nós gritamos sempre que lugar de mulher é onde ela quiser. Acreditamos que isso pode até começar no futebol, mas faz cada uma acreditar mais no seu próprio potencial, correr atrás dos seus sonhos e não abaixar a cabeça para ninguém que ouse dizer que ela não pode fazer algo”, afirma Larissa Costa, integrante do São PraElas, movimento criado pelas torcedoras do São Paulo.   

O movimento nasceu em 2017, quando as torcedoras do tricolor paulista cansaram da falta de opções de camisas e uniformes femininos produzidos pela fornecedora de materiais esportivos do clube - na época, a Under Armour -, e resolveram criar a hashtag #SãoPaulinasUniformizadas. 

 

As meninas do São PraElas reunidas no Morumbi
As meninas do "São PraElas" reunidas em dia de jogo do tricolor paulista no Morumbi 
Imagem: Arquivo São PraElas

 

O protesto deu resultado e elas perceberam que haviam conquistado uma voz ativa entre as torcedoras, o que as levou a lutar por outras causas comuns entre o público feminino. Atualmente, o São PraElas possui quatro grupos cheios no WhatsApp e mais de oito mil seguidores nas redes sociais. 

Sobre o apoio oferecido pelo clube paulista em relação a essas reivindicações, Larissa comenta: “Ainda não temos o suporte necessário do São Paulo nesses quesitos, porém o nosso barulho não é em vão. Vemos uma pequena mudança a cada dia, já temos mais uniformes, campanhas, entrevistas e atenção para o futebol feminino. É um pequeno passo ainda, mas não vamos desistir! Com o tempo, vamos ganhando nosso espaço”.

Duas torcedoras do Palmeiras foram expulsas de um vagão por torcedores do Corinthians na estação Barra Funda, na Linha 3-Vermelha do Metrô, em setembro de 2018. Uma delas chegou a ser agredida por um homem com um chute. Esse episódio lastimável motivou um grupo de torcedoras do time alviverde a criar o movimento VerDonnas

Tainá Shimoda, uma das fundadoras do VerDonnas, conta um pouco sobre como tudo teve início: “Começamos a conversar no Twitter sobre segurança da mulher e sobre como seria bom se fôssemos juntas ao estádio, mas que faltava um movimento para fazer isso acontecer. A partir daí, formamos um grupo de WhatsApp com quem tinha topado e fomos pensar em nome e no que de fato faríamos”. 

 

VerDonnas, o feminino de Verdão. Donna, do italiano mulher.
VerDonnas, o feminino de verdão. E Donna, do italiano "mulher". 
Imagem: Arquivo VerDonnas

 

Nos jogos de futebol das primeiras décadas do século 20, o público feminino ia aos estádios ou parques esportivos apenas para acompanhar e assistir a seus maridos e familiares. Apesar dos avanços conquistados na sociedade em relação à liberdade das mulheres, muitas ainda têm receio de frequentar as arquibancadas sozinhas. Por esse motivo, os movimentos femininos são essenciais para garantir que as mulheres tenham cada vez mais autonomia, em todas as áreas de suas vidas.

“Recebemos mensagens de pais que ficaram felizes com a iniciativa, porque sabiam que o estádio, com mais mulheres, seria cada vez mais seguro para suas filhas”, afirma Tainá. “Recebemos também mensagem de uma palmeirense, que não ia mais ao estádio porque o marido tinha proibido, e ela estava feliz com o VerDonnas por ser uma nova possibilidade, já que estava separada também", completa ela.

 

As torcidas organizadas

 

As torcidas organizadas começaram a surgir por volta da década de 1940, com o Grêmio Sampaulino (atual Torcida Uniformizada do São Paulo - TUSP), do São Paulo, e a Charanga Rubro-Negra, do Flamengo. Em geral, esses grupos têm a intenção de apoiar o time, fazer a festa nas arquibancadas e fiscalizar a gestão do clube.

Apesar das torcidas organizadas tradicionais permitirem a entrada de mulheres, a maior parte delas impõe restrições quanto ao papel feminino dentro das instituições. Um exemplo é a Gaviões da Fiel, do Corinthians - clube que, de acordo com o estudo DNA Torcedor, feito pelo Ibope/Repucom em 2020, possui a maioria (53%) da sua torcida composta por mulheres -, não permite que elas balancem a bandeira ou toquem na bateria. 

Foram situações como essa que motivaram um grupo de torcedoras do Internacional a criarem, em 2009, a Força Feminina Colorada (FFC), segunda torcida organizada exclusivamente feminina do Brasil e a primeira da região sul. As fundadoras se aproximaram através de uma comunidade na extinta rede social Orkut, onde elas concordaram sobre a necessidade de um grupo onde as mulheres pudessem torcer com segurança e liberdade. 

“Eu vejo grupos e torcidas de mulheres como agentes importantes para o empoderamento da mulher na área. Tu se sente mais à vontade, não tem a impressão de que não sabe nada”, afirma Janaina Pinto, vice-presidente da FFC desde 2018. “Tenho o sentimento de acolhimento e não temos julgamentos fortes e incisivos. Podemos divergir e mesmo assim, construir uma discussão saudável, sem xingamentos e humilhações, pois todas estamos ali pelo mesmo motivo: torcer e apoiar o time, cada uma do seu jeito”, completa ela.
 

A Força Feminina Colorada foi a primeira torcida organizada exclusivamente feminina da região sul
A Força Feminina Colorada (FFC) foi a primeira torcida organizada exclusivamente feminina da região sul
Imagem: Acervo FFC 

 

Atualmente, após mais de uma década de existência, a FFC conta com aproximadamente duzentas associadas, faz parte do quadro oficial de torcidas organizadas do Internacional, tem cadeira cativa no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, e possui uma banda própria, composta por mulheres da torcida e jovens de bairros periféricos da cidade. 

Sobre o suporte do Internacional, Janaina comenta: “O Inter vem mostrando um apoio cada vez maior, pois sabe que somos muitas e também construímos o clube. Temos a primeira mulher a se associar a um clube de futebol no Brasil, um quadro social de 25% de mulheres, uma torcida exclusivamente composta por mulheres, que têm as mesmas responsabilidades que as demais”.

Dianifer Pereira, integrante da FFC, comenta sobre a relação com as torcidas organizadas tradicionais: “Como torcedora, que viajou para jogos fora do Beira-Rio, inclusive dividindo ônibus, vi uma relação de respeito por parte dos torcedores com a gente e vice e versa”. Mas, ela relata que nem sempre o respeito impera: “O torcedor comum que às vezes não nos vê com bons olhos. Inclusive, já tivemos reclamação de torcedor comum que estava próximo ao nosso setor reclamando da bandeira da torcida. Em outros casos, torcedor ofendendo torcedora com palavras de baixo calão.”

Como uma prova de que os movimentos e as torcidas organizadas femininas influenciam na evolução e superação das mulheres para além das arquibancadas, Dianifer relata uma história pessoal: “Consegui entrar para a torcida e perdi o medo de ir aos jogos sozinha. Inclusive, perdi o medo de ir dirigindo ao Beira-Rio, que, para mim, era um pavor dirigir em Porto Alegre. Hoje, quando eu não consigo carona para ir a algum jogo, eu vou de carro, pois sei que no estádio terei companhia”. 

O futebol é um esporte com grande influência na formação da identidade brasileira e, por esse motivo, o seu público muitas vezes representa os pensamentos e as atitudes desta sociedade. Sobre isso, Janaína pontua: “Além de representação nas arquibancadas, prezamos pela representatividade, que é fazer uso da presença das mulheres para pautar assuntos socialmente importantes. As pessoas que encontramos dentro dos estádios são as que convivemos em outras esferas sociais e os estigmas e preconceitos aparecem nas arquibancadas”. 

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