Por Alice di Biase
Acordar cedo não é uma tarefa fácil para muitas pessoas. O alarme de Carolina desperta às cinco e meia da manhã, o botão soneca é apertado e adiciona mais dez minutos debaixo das cobertas. Os poucos minutos adicionados já fazem com que a jovem estudante tenha que pular o café da manhã, uma vez que a van escolar não tolera atrasos. A mãe a deixa no ponto de ônibus próximo de casa no bairro do Brooklin, onde a van gratuita a leva para o colégio que fica na Vila Mariana. Um trajeto que aos finais de semana leva 15 minutos, mas às seis da manhã, leva em torno de 40 minutos.
No terceiro ano do Ensino Médio, a jovem estudante tenta conciliar escola, cursinho pré-vestibular, atividades extra-curriculares e atividade física. Carolina tenta se manter produtiva ao longo do dia, no entanto, com o decorrer das horas, o cansaço toma conta, afetando os estudos e até mesmo a interação com os colegas de sala como no curso de teatro que realiza uma vez por semana. Ela estuda em período integral duas vezes na semana, o restante dos dias faz as atividades extra-curriculares e só vai para casa por volta das 17h, horário do rush. O trajeto dura mais de uma hora, e ao chegar em casa Carolina já está com enxaqueca e enjoo de ficar tanto tempo em locomoção. Os estudos e a lição de casa acabam ficando para outro dia, dá tempo de tomar banho, jantar e arrumar o material para o dia seguinte. Às nove da noite, já está na cama para conseguir levantar cedo no outro dia.
Mariana é mais uma dos 6,5 milhões de motoristas que circulam na região metropolitana de São Paulo por dia. Recém-habilitada, passou a utilizar o carro para se locomover entre estágio e faculdade ao longo da semana, ela considera que o novo hábito provocou uma verdadeira revolução em sua rotina corrida. Antes, a estudante enfrentava uma verdadeira maratona para ir do trabalho até a faculdade. Saía do ABC Paulista em um ônibus fretado da empresa, depois seguia por uma linha de metrô e ainda precisava pegar um ônibus, um trajeto que, no horário de pico, pode levar até duas horas. Saindo do trabalho às 17h, muitas vezes não conseguia chegar a tempo da aula, que começava às 19h. Mariana precisou conversar com o professor para explicar que, nos dias em que trabalha presencialmente, talvez não conseguisse chegar pontualmente à aula. Mesmo com o automóvel, a exaustão continua fazendo parte da sua rotina. O principal sentimento é de frustração, pensar que um trajeto que sem trânsito tomaria um terço do tempo que geralmente leva tira Mariana do sério, ela reflete sobre as coisas que poderia fazer se a locomoção não tomasse tanto tempo de seu dia.
A rotina de Mariana e Carolina têm algo em comum: o deslocamento ocupa boa parte dos seus dias, e o cansaço gerado pela correria não é apenas mental, mas também físico. Carolina sente dores de cabeça e enjoos depois do trajeto de ônibus, Mariana enfrenta dores na lombar e nas coxas após passar duas horas no trânsito. O impacto no corpo e na disposição é tanto que, muitas vezes, seus dias se resumem a ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Esse cenário contribui para um ciclo difícil de romper: o cansaço provocado pelas longas jornadas de deslocamento. Seja no volante, seja nos trens e ônibus, ao final do dia, resta pouca ou nenhuma disposição para a prática de exercícios. Carolina é um exemplo disso. Mesmo sabendo dos benefícios da atividade física, admite que depois de passar horas no transporte, se exercitar deixa de ser prioridade. O pouco tempo livre que sobra, prefere estudar para o vestibular. A fadiga do cotidiano vira, então, mais um fator que empurra a população para o sedentarismo.
A palavra “sedentário” vem do latim “sedens” e significa “aquele que fica sentado, que não sai do lugar”. O sedentário não faz atividade física alguma ou pouquíssima atividade física, que não supre o tempo que passa sentado. No Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 47% dos brasileiros adultos são sedentários e entre os jovens o número é ainda mais alarmante: 84%.
O comportamento sedentário envolve atividades realizadas quando se está acordado, sentado e gastando pouca energia. Essas atividades geralmente são realizadas em frente a telas de computador e celulares, mas também incluem o tempo sentado para se deslocar de um lugar a outro utilizando carro, ônibus ou metrô. Ou seja, mesmo quem passa horas se deslocando pela cidade pode estar vivendo de forma sedentária.
Apesar do cansaço, Carolina e Mariana seguem em movimento. A produtividade as empurra todos os dias para um ritmo que, muitas vezes, ultrapassa limites. Estar exausta virou algo banal, Carolina, por exemplo, já nem estranha sua enxaqueca chegar ao ponto de latejar. Mariana também se acostumou a dirigir com a lombar dolorida e fazer uso excessivo de relaxantes musculares. A exaustão virou parte da rotina. Dormir bem, cuidar da alimentação ou reservar tempo para se exercitar, tudo isso foi substituído por compromissos que não cabem na agenda. Carolina se sente culpada quando não faz os exercícios da apostila pré-vestibular, a natação, que tanto gosta, fica em segundo plano. Mariana, por sua vez, vê a mensalidade da academia ser debitada automaticamente de sua conta bancária, mas, se ela consegue treinar cinco vezes no mês, já é uma vitória.
As duas enxergam o cansaço e o não cumprimento das metas como uma falha individual, e não como o reflexo de um sistema que exige mais do que qualquer um pode cumprir. Carolina deixa de tomar café da manhã para conseguir dormir dez minutos a mais. Mariana perde a brecha na agenda que poderia ser destinada à academia por horas parada no trânsito. São diversas renúncias que somadas, tiram o tempo de cuidar do próprio corpo, e, consequentemente, da própria saúde.