Os brigadistas que foram acusados de causarem incêndios

A quem realmente interessa queimar a floresta?
por
Beatriz Leite e Victor Naia
|
01/06/2020
"Brigada de Alter PRONTA!" - Instagram @brigadadealter
"Brigada de Alter PRONTA!" - Instagram @brigadadealter

Em 26 de novembro de 2019 um grupo de brigadistas voluntários da região de Alter do Chão, que fica no município de Santarém, no Pará, foi preso suspeito de ser o causador de um incêndio que atingiu a floresta Amazônica em setembro do mesmo ano.

A área de proteção ambiental conhecida como “Capadócia” pegou fogo por quatro dias. O ocorrido deu início a investigação policial “Fogo do Sairé”, para apurar a origem do incêndio. E assim, Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner, brigadistas do coletivo “Brigada de Incêndio de Alter do Chão” foram presos preventivamente e tiveram computadores, celulares e equipamentos apreendidos.

 
Segundo o delegado da Polícia Civil responsável pela investigação, José Humberto Melo Junior, o que justificava a prisão preventiva era o “corpo comprobatório muito robusto”, onde era citado um contrato de venda de imagens dos incêndios feitas pelos brigadistas que eram vendidas à ONG WWF-Brasil para conseguir doações, incluindo uma de R$ 500 mil do ator estadunidense Leonardo DiCaprio. O próprio artista se pronunciou sobre o assunto em nota: “Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas.”    

"Neste momento de crise para a Amazônia, apoio o povo do Brasil que trabalha para salvar seu patrimônio natural e cultural. Eles são um exemplo incrível, comovente e humilde do compromisso e paixão necessários para salvar o meio ambiente. O futuro desses ecossistemas insubstituíveis está em jogo e tenho orgulho de apoiar os grupos que os protegem. Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas. Continuo comprometido em apoiar as comunidades indígenas brasileiras, governos locais, cientistas, educadores e as pessoas que estão trabalhando incansavelmente para garantir a Amazônia para o futuro de todos os brasileiros". - Nota de Leonardo DiCaprio na íntegra.

O presidente Jair Bolsonaro ainda endossou as alegações da polícia afirmando: “Então, pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses 'ongueiros' para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos”.


Os brigadistas realmente tinham feito um contrato com a WWF, mas para uma parceria estritamente técnico-financeira, para a compra de equipamentos de combate aos incêndios.


O grupo foi liberado após 3 dias de prisão, mas com medidas cautelares e sem poder continuar atuando no combate ao incêndio florestal. Condição sob a que estão até hoje.

Na semana do ocorrido, o jornal Folha de S.Paulo fez uma matéria destrinchando todas as “evidências” apresentadas pelos policiais e como muitas delas eram escutas telefônicas descontextualizadas e conjecturas. 

Daniel Gutierrez e João Victor Romano, fundadores da brigada, contaram que tudo começou pela junção de amigos que moravam na região e viam o fogo se alastrar com frequência. 

O fogo florestal é normal no cerrado amazônico em algumas épocas do ano. Além disso, também existem  técnicas de plantação mais rústicas que usam seu manejo. Mesmo assim, esse fogo pode acabar se descontrolando e “um incêndio há 40 anos não tinha o mesmo impacto que um incêndio hoje. A floresta já diminuiu muito”, aponta Daniel.


Os brigadistas disseram que nem sempre os bombeiros davam conta de atender todos os chamados e acabavam priorizando os que tivessem vítimas e atingissem casas. Em 2018, em uma parceria com o Corpo de Bombeiros, o grupo fez um curso sobre como controlar o incêndio florestal. E para se equipar com materiais de proteção, criaram páginas na internet e uma campanha de financiamento coletivo no site da brigada, pois uma das preocupações era que todos os voluntários pudessem se proteger para realizar o trabalho.


João disse também que o intuito do grupo não era apontar se o incêndio era criminoso ou não, era apenas controlá-lo pela preservação da floresta. Tanto que o Ministério Público Federal do Pará que investiga as causas dos incêndios florestais no estado desde setembro afirmou, em nota, que “nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil.” O MPF pediu, ainda, acesso integral a investigação da Polícia Civil.


Daniel falou que o trabalho do grupo era muito respeitado na região, mas que existiam aqueles que os colocavam num lugar de “ongueiros” aproveitadores. Além disso, medidas federais como desautorização de fiscais que combatem o desmatamento, redução das unidades de conservação da floresta, abertura de áreas indígenas para a mineração e um discurso, que mesmo não sendo decreto, apoia o desmatamento da floresta, fez com que a “indústria do desmatamento” se sentisse autorizada a acabar com a floresta e propagasse uma imagem ruim de  quem tenta salvá-la. “O Pará é o estado onde mais se mata ambientalistas” completou Daniel.


Enquanto isso, os brigadistas aguardam a continuação do processo e têm que respeitar diversas medidas, como não sair de casa das 21h às 6h ou finais de semana e não viajar sem uma autorização prévia da justiça.


Daniel, que é paulista, teve receio de permanecer na região e voltou para seu estado de origem. Ele contou que teve prejuízos financeiros e psicológicos que o afetam até hoje. João Victor continua morando em Alter do Chão, mas procura se resguardar o máximo que pode. Ele contou que sentiu muita raiva de toda a situação, mas que espera que tudo passe logo e que ainda quer voltar a atuar com a brigada. 


A especulação imobiliária às margens do rio Tapajós no município de Santarém, apresenta uma triste realidade em decorrência da grande pressão imobiliária e disputas no entorno de uma legislação que poderá permitir a liberação para construção de edifícios como hotéis resorts na região. Famílias tradicionais e empresários do ramo da soja, cultivo largamente praticado ao sul da região são favoráveis a iniciativa imobiliária. ONG´s ambientalistas e movimentos sociais são contrários a tentativa de desenvolvimento turístico de larga expansão na região - defendendo o turismo de menor impacto, onde existe a possibilidade de defender e preservar as características da região, evitando a fuga das comunidades locais.


Há mais de dois anos, em 2017, os dois grupos entraram em conflito no momento em que a Prefeitura de Santarém, debatia alterações no Plano Diretor do município. Entre as mudanças levantadas pela PL/1621 debatida na Câmara de Vereadores de Santarém, incluía a possibilidade da realização do empreendimento imobiliário como a construção de prédio de até seis andares (ou 19 metros) em Alter do Chão e de um porto no lago do Maicá - referência ecológica no cultivo e preservação de espécies de peixes e aves. A reação contrária foi tamanha, que as propostas não avançaram, todavia, os investidores não desistiram de seus planos ambiciosos.


Os recentes incêndios deixaram a comunidade e autoridades competentes em sinal de alerta para uma possível nova ofensiva sobre áreas de proteção ambiental deste paraíso amazônico. O Ministério Público Federal levanta a hipótese que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia. A região que leva o mesmo nome da homônima na Turquia, registrou ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado. A investigação da Promotoria, datada em 2015, acabou por denunciar o fazendeiro Silas da Silva Soares por desmatamento ilegal. Silas acabou condenado a seis anos e dez meses de prisão.


Além do distanciamento geográfico e o esquecimento dos investimentos por Belém, toda região possui saneamento básico precário que acabam por poluir a água cristalina que é um marco na região.A saída é o crescimento para especialistas é o desenvolvimento sustentável para que não se perca a real vocação turística.


Ambientalistas, ONGs e movimentos competentes também travam uma grande batalha contra o agronegócio que expande, cada vez mais, sua fronteira no Pará em direção a região de Santarém. Além da especulação imobiliária, a plantação de soja em larga escala na região atrai multinacionais que comercializam commodities agrícolas há mais de 20 anos. Uma delas, a Cargill, foi a escolhida em receber uma licitação para construção de um porto para escoamento da produção de grãos no município. A região é uma rota cada vez mais bem quista para exportação da produção agropecuária do Norte e do Centro-Oeste, que antes dependia unicamente de longos deslocamentos por terra até os portos do Sul e do Sudeste, como Itajaí, Paranaguá e Santos. A construção de hidroelétricas também estão no radar de poderosos investidores que enxergam potencial nessa região paraense e, consequentemente, também se beneficiaram da expansão agrícola e desenvolvimento do turismo imobiliário no local. Data daquela época um dos principais conflitos a opor ambientalistas e membros da elite econômica do município. Ao que parece pelos últimos capítulos, o livro, está muito longe do fim. 


O Dia do Fogo
A investigação sobre incêndio criminoso iniciada pelo MPF se deu devido a uma queimada incomum para o período que foi chamado de “Dia do Fogo”. Imagens de satélite mostram que a partir do dia 10 de agosto de 2019 houve um aumento em focos de incêndio em várias cidades da região Norte. A procuradora geral da república, Raquel Dodge, afirmou haver indícios de uma “ação orquestrada”, e essa suspeita está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. 


No dia 5 de agosto, o jornal Folha do Progresso, da cidade Novo Progresso, no Pará, publicou uma reportagem que relatava como uma liderança dos produtores rurais prometia promover incêndios na região a partir do dia 10: "(Os produtores) querem o dia 10 de agosto para chamar atenção das autoridades. (...) Na região, o avanço da produção acontece sem apoio do governo. 'Precisamos mostrar para o presidente (Jair Bolsonaro) que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo'", dizia o texto.


Segundo o Inpe, os incêndios realmente aumentaram na região do Pará a partir do dia 10 de agosto, atingindo principalmente cidades de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu - todas cortadas pela rodovia BR-163. 

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