Em 26 de novembro de 2019 um grupo de brigadistas voluntários da região de Alter do Chão, que fica no município de Santarém, no Pará, foi preso suspeito de ser o causador de um incêndio que atingiu a floresta Amazônica em setembro do mesmo ano.
A área de proteção ambiental conhecida como “Capadócia” pegou fogo por quatro dias. O ocorrido deu início a investigação policial “Fogo do Sairé”, para apurar a origem do incêndio. E assim, Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner, brigadistas do coletivo “Brigada de Incêndio de Alter do Chão” foram presos preventivamente e tiveram computadores, celulares e equipamentos apreendidos.
Segundo o delegado da Polícia Civil responsável pela investigação, José Humberto Melo Junior, o que justificava a prisão preventiva era o “corpo comprobatório muito robusto”, onde era citado um contrato de venda de imagens dos incêndios feitas pelos brigadistas que eram vendidas à ONG WWF-Brasil para conseguir doações, incluindo uma de R$ 500 mil do ator estadunidense Leonardo DiCaprio. O próprio artista se pronunciou sobre o assunto em nota: “Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas.”
"Neste momento de crise para a Amazônia, apoio o povo do Brasil que trabalha para salvar seu patrimônio natural e cultural. Eles são um exemplo incrível, comovente e humilde do compromisso e paixão necessários para salvar o meio ambiente. O futuro desses ecossistemas insubstituíveis está em jogo e tenho orgulho de apoiar os grupos que os protegem. Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas. Continuo comprometido em apoiar as comunidades indígenas brasileiras, governos locais, cientistas, educadores e as pessoas que estão trabalhando incansavelmente para garantir a Amazônia para o futuro de todos os brasileiros". - Nota de Leonardo DiCaprio na íntegra.
O presidente Jair Bolsonaro ainda endossou as alegações da polícia afirmando: “Então, pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses 'ongueiros' para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos”.
Os brigadistas realmente tinham feito um contrato com a WWF, mas para uma parceria estritamente técnico-financeira, para a compra de equipamentos de combate aos incêndios.
O grupo foi liberado após 3 dias de prisão, mas com medidas cautelares e sem poder continuar atuando no combate ao incêndio florestal. Condição sob a que estão até hoje.
Na semana do ocorrido, o jornal Folha de S.Paulo fez uma matéria destrinchando todas as “evidências” apresentadas pelos policiais e como muitas delas eram escutas telefônicas descontextualizadas e conjecturas.
Daniel Gutierrez e João Victor Romano, fundadores da brigada, contaram que tudo começou pela junção de amigos que moravam na região e viam o fogo se alastrar com frequência.
O fogo florestal é normal no cerrado amazônico em algumas épocas do ano. Além disso, também existem técnicas de plantação mais rústicas que usam seu manejo. Mesmo assim, esse fogo pode acabar se descontrolando e “um incêndio há 40 anos não tinha o mesmo impacto que um incêndio hoje. A floresta já diminuiu muito”, aponta Daniel.
Os brigadistas disseram que nem sempre os bombeiros davam conta de atender todos os chamados e acabavam priorizando os que tivessem vítimas e atingissem casas. Em 2018, em uma parceria com o Corpo de Bombeiros, o grupo fez um curso sobre como controlar o incêndio florestal. E para se equipar com materiais de proteção, criaram páginas na internet e uma campanha de financiamento coletivo no site da brigada, pois uma das preocupações era que todos os voluntários pudessem se proteger para realizar o trabalho.
João disse também que o intuito do grupo não era apontar se o incêndio era criminoso ou não, era apenas controlá-lo pela preservação da floresta. Tanto que o Ministério Público Federal do Pará que investiga as causas dos incêndios florestais no estado desde setembro afirmou, em nota, que “nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil.” O MPF pediu, ainda, acesso integral a investigação da Polícia Civil.
Daniel falou que o trabalho do grupo era muito respeitado na região, mas que existiam aqueles que os colocavam num lugar de “ongueiros” aproveitadores. Além disso, medidas federais como desautorização de fiscais que combatem o desmatamento, redução das unidades de conservação da floresta, abertura de áreas indígenas para a mineração e um discurso, que mesmo não sendo decreto, apoia o desmatamento da floresta, fez com que a “indústria do desmatamento” se sentisse autorizada a acabar com a floresta e propagasse uma imagem ruim de quem tenta salvá-la. “O Pará é o estado onde mais se mata ambientalistas” completou Daniel.
Enquanto isso, os brigadistas aguardam a continuação do processo e têm que respeitar diversas medidas, como não sair de casa das 21h às 6h ou finais de semana e não viajar sem uma autorização prévia da justiça.
Daniel, que é paulista, teve receio de permanecer na região e voltou para seu estado de origem. Ele contou que teve prejuízos financeiros e psicológicos que o afetam até hoje. João Victor continua morando em Alter do Chão, mas procura se resguardar o máximo que pode. Ele contou que sentiu muita raiva de toda a situação, mas que espera que tudo passe logo e que ainda quer voltar a atuar com a brigada.
A especulação imobiliária às margens do rio Tapajós no município de Santarém, apresenta uma triste realidade em decorrência da grande pressão imobiliária e disputas no entorno de uma legislação que poderá permitir a liberação para construção de edifícios como hotéis resorts na região. Famílias tradicionais e empresários do ramo da soja, cultivo largamente praticado ao sul da região são favoráveis a iniciativa imobiliária. ONG´s ambientalistas e movimentos sociais são contrários a tentativa de desenvolvimento turístico de larga expansão na região - defendendo o turismo de menor impacto, onde existe a possibilidade de defender e preservar as características da região, evitando a fuga das comunidades locais.
Há mais de dois anos, em 2017, os dois grupos entraram em conflito no momento em que a Prefeitura de Santarém, debatia alterações no Plano Diretor do município. Entre as mudanças levantadas pela PL/1621 debatida na Câmara de Vereadores de Santarém, incluía a possibilidade da realização do empreendimento imobiliário como a construção de prédio de até seis andares (ou 19 metros) em Alter do Chão e de um porto no lago do Maicá - referência ecológica no cultivo e preservação de espécies de peixes e aves. A reação contrária foi tamanha, que as propostas não avançaram, todavia, os investidores não desistiram de seus planos ambiciosos.
Os recentes incêndios deixaram a comunidade e autoridades competentes em sinal de alerta para uma possível nova ofensiva sobre áreas de proteção ambiental deste paraíso amazônico. O Ministério Público Federal levanta a hipótese que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia. A região que leva o mesmo nome da homônima na Turquia, registrou ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado. A investigação da Promotoria, datada em 2015, acabou por denunciar o fazendeiro Silas da Silva Soares por desmatamento ilegal. Silas acabou condenado a seis anos e dez meses de prisão.
Além do distanciamento geográfico e o esquecimento dos investimentos por Belém, toda região possui saneamento básico precário que acabam por poluir a água cristalina que é um marco na região.A saída é o crescimento para especialistas é o desenvolvimento sustentável para que não se perca a real vocação turística.
Ambientalistas, ONGs e movimentos competentes também travam uma grande batalha contra o agronegócio que expande, cada vez mais, sua fronteira no Pará em direção a região de Santarém. Além da especulação imobiliária, a plantação de soja em larga escala na região atrai multinacionais que comercializam commodities agrícolas há mais de 20 anos. Uma delas, a Cargill, foi a escolhida em receber uma licitação para construção de um porto para escoamento da produção de grãos no município. A região é uma rota cada vez mais bem quista para exportação da produção agropecuária do Norte e do Centro-Oeste, que antes dependia unicamente de longos deslocamentos por terra até os portos do Sul e do Sudeste, como Itajaí, Paranaguá e Santos. A construção de hidroelétricas também estão no radar de poderosos investidores que enxergam potencial nessa região paraense e, consequentemente, também se beneficiaram da expansão agrícola e desenvolvimento do turismo imobiliário no local. Data daquela época um dos principais conflitos a opor ambientalistas e membros da elite econômica do município. Ao que parece pelos últimos capítulos, o livro, está muito longe do fim.
O Dia do Fogo
A investigação sobre incêndio criminoso iniciada pelo MPF se deu devido a uma queimada incomum para o período que foi chamado de “Dia do Fogo”. Imagens de satélite mostram que a partir do dia 10 de agosto de 2019 houve um aumento em focos de incêndio em várias cidades da região Norte. A procuradora geral da república, Raquel Dodge, afirmou haver indícios de uma “ação orquestrada”, e essa suspeita está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.
No dia 5 de agosto, o jornal Folha do Progresso, da cidade Novo Progresso, no Pará, publicou uma reportagem que relatava como uma liderança dos produtores rurais prometia promover incêndios na região a partir do dia 10: "(Os produtores) querem o dia 10 de agosto para chamar atenção das autoridades. (...) Na região, o avanço da produção acontece sem apoio do governo. 'Precisamos mostrar para o presidente (Jair Bolsonaro) que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo'", dizia o texto.
Segundo o Inpe, os incêndios realmente aumentaram na região do Pará a partir do dia 10 de agosto, atingindo principalmente cidades de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu - todas cortadas pela rodovia BR-163.