Por Julia Takahashi
Tânia é uma mulher que passou por uma perda irreparável: o suicídio de seu filho Matheus, aos 14 anos. O choque da perda, contudo, foi acompanhado por um sentimento de alerta, pois ela já tinha preocupações sobre o bem-estar emocional do filho. Mesmo após buscar ajuda profissional, recebeu respostas que hoje considera insuficientes, especialmente ao ver que os sinais de sofrimento eram, para ela, evidentes. Levando-a a criação da ONG, junto com seu marido, Fernando, para que outros enlutados não tenham que passar pela mesma dor que passaram.
A entrevista com Tânia estava marcada para às 16h00min, mas o relógio marcava 15h45min e já estava à espera no portão do casarão de Perdizes. Após cinco minutos, Tânia veio ao encontro e parecia que já nos conhecíamos a tempo. Ela me abraçou forte e me olhava com felicidade. Fomos ao espaço principal da ONG, onde tinha outras mulheres, em círculo, para uma roda de conversa. Estavam falando sobre a atuação de trabalho voluntário. Na roda de conversa muitas delas compartilharam suas vivências, resumidamente, sobre o impacto que tiveram ao descobrir que o sobrinho, de sete anos, ou a avó, de 85, têm depressão profunda. Algumas descreveram que estavam passando pelo processo de luto por algum parente ou amigo próximo vítima de suicídio.
Ela mostrou o restante da casa. Estava um dia lindo, com sol e poucas nuvens, isso ressalta a luz natural que entrava no ambiente. Um quintal com uma árvore alta e resistente, rodeada de flores de todos os tipos. No fundo, um espaço com livros e instrumentos musicais. No andar de cima, os espaços para meditação, reiki, yoga e salas de terapia. Todos os ambientes com um cheiro muito característico e acolhedor.
Tânia, resiliente, compartilha sua história de luta lembrando-se de como Matheus era um menino alegre, espirituoso e cheio de vida. Relembra com carinho e saudade, descrevendo-o como um menino com um senso de humor único e uma energia vibrante. Com apenas 14 anos, ele era alguém que, apesar de jovem, transmitia uma sabedoria precoce. O amor de Tânia pelo filho fica evidente em cada memória que compartilha — desde as pequenas brincadeiras e momentos de alegria até os primeiros sinais de que algo estava errado.
Ela relata que mesmo buscando ajuda encontrou respostas que não traziam alívio. Embora estivesse sob acompanhamento, os profissionais afirmavam que se tratava apenas de ansiedade, uma fase que passaria. No entanto, Tânia sentia, em seu íntimo, que o problema era mais profundo e se preocupava com o bem-estar emocional de Matheus. Não só ela, mas o marido também, as apreensões dos pais foram “tranquilizadas” ao ouvir as palavras dos especialistas.
Em suas próprias palavras relata a angústia de ver sinais evidentes de sofrimento no filho e diante de uma rede de apoio que, naquele momento, não conseguia atender às necessidades dele. Ela conta em detalhes tudo o que passou naquele dia tão doloroso. Olhava para baixo, mexia os dedos, como se estivesse buscando uma memória que queria deixar guardada, no fundo do baú, mas ao mesmo tempo, não tinha como apagar.
A vida de Tânia, seu marido e os dois filhos mudou para sempre. A dor, a princípio avassaladora, quase os destruiu. Mas, em meio à devastação, Tânia encontrou uma força interior que a guiou para transformar essa perda em um ato de amor ao próximo. Ela conta que após ver um trabalho social com o Papa Francisco, percebeu que precisava agir e ajudar o próximo, mas não sabia exatamente como.
Entre conversas com Fernando, Tânia explica sua necessidade de trabalhos sociais e que talvez criar uma ONG seja um ótimo momento para aquela dor. Ele vai atrás de uma casa e ao chegar no espaço perfeito, ela percebe que o propósito do que ela queria, era se dedicar à saúde mental. Com o apoio de seu marido e de seus filhos, ela fundou a ONG Espaço Ser Matheus Campos, dedicada ao apoio emocional de pessoas em sofrimento e à prevenção de suicídios, especialmente entre jovens e adolescentes. A organização foi batizada com o nome de Matheus e tem como propósito ser um “espaço de acolhimento”, onde famílias e jovens podem encontrar ajuda e um ambiente de compreensão e empatia.
Para Tânia, a ONG é mais do que um projeto social. Ela se tornou um ponto de luz em meio à escuridão que a tragédia trouxe à ela e à sua família. O espaço oferece não apenas suporte psicológico, mas também atividades como musicoterapia, práticas de yoga e artes, que incentivam a expressão e ajudam no processo de cura emocional. Ela esclarece que há casos de pais que viram seus filhos de 7 a 25 anos morrerem por suicídio e o sentimento de culpa atravessa qualquer outro pensamento.
Ao longo do processo, os enlutados percebem que não enfrentam essa dor sozinhos. Ao compartilharem suas histórias, encontram uma rede de apoio que compreende a complexidade e o peso do luto por suicídio – uma perda que muitas vezes carrega consigo um turbilhão de perguntas que nunca terão respostas. "Onde foi que eu errei?", "Por que eu não percebi?", "Por que ele ou ela não veio me procurar?", "De quem é a culpa?" – essas são apenas algumas das indagações que rondam a mente daqueles que ficam e que encontram acolhimento na organização.
Os psicólogos da ONG ajudam a esclarecer que o impacto de uma perda por suicídio não se limita apenas à família próxima. Segundo estudos, cada caso afeta profundamente cerca de 135 pessoas, entre familiares, amigos e até conhecidos, mostrando que o alcance dessa dor é vasto e silencioso. Na ONG, os enlutados são incentivados a expressar suas dúvidas e sentimentos, recebendo apoio e compreensão. A organização se torna um espaço onde o sofrimento é dividido e onde, aos poucos, o peso das perguntas sem respostas pode ser aliviado. O foco é proporcionar um lugar seguro para que jovens e suas famílias possam lidar com suas dores, se reconectarem com suas emoções e redescobrirem o valor da vida.
O marido de Tânia, que também foi profundamente afetado pela perda, tornou-se um grande parceiro nessa construção. Juntos, eles conseguiram fazer da ONG um ponto de apoio não só para eles mesmos, mas também para outras famílias que enfrentam situações semelhantes. As práticas oferecidas foram cuidadosamente pensadas para acolher e auxiliar tanto aqueles que sofrem quanto seus familiares. Tânia e sua família não só encontram um propósito na ONG, mas também veem ali uma forma de perpetuar a memória e o espírito de Matheus, levando adiante o amor que ele deixou.
Com o passar dos anos, Tânia conta, com lágrimas nos olhos e com muito orgulho, que testemunhou o impacto positivo da ONG na vida de muitas pessoas. Ela continua contando algumas histórias de jovens que chegaram em estado de profundo sofrimento e, com o tempo, conseguiram se recuperar e reencontrar sentido na vida. A ONG também realiza palestras e programas de conscientização em escolas, buscando prevenir o sofrimento entre os mais jovens e promover a educação emocional desde cedo.
Ela acredita que, para realmente mudar o curso da saúde mental das próximas gerações, é preciso uma abordagem que vá além dos tratamentos convencionais, tocando as pessoas de maneira integral e inspirando-as a encontrar propósito em suas vidas. Hoje, a vê como uma extensão de sua própria família, composta agora por uma rede de voluntários e colaboradores que compartilham do mesmo propósito.
Ela sente que a transformação que realizou em sua vida também é a transformação de muitos outros que passaram pela mesma dor. Tânia compartilha que o luto ainda a acompanha, mas agora com uma nova perspectiva: ela acredita que, ao transformar sua dor em algo que ajuda e cura outros, está cumprindo a missão de levar algum tipo de conforto para famílias que convivem com o mesmo luto.