Ocupação Nove de Julho completa 22 anos

Da cozinha à luta por moradia, o Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) abriga centenas de famílias desde 2001
por
Fabricio De Biasi e Majoí Costa
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01/11/2023

Por Fabrício De Biasi (texto) e Majoí Costa (audiovisual)

 

Numa tarde de sábado, o cheiro de banana cozida invadia os sentidos em uma linda cozinha cheia de pinturas e risadas. Seis mulheres preparavam o almoço que seria distribuído na tarde do dia seguinte na Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). De acordo com Kellen Silva, líder da ocupação, desde 2001 o movimento acolhe milhares de famílias e constrói junto com elas mais do que uma casa, um lar.

Com sede no centro de São Paulo, o MSTC é um movimento que ocupa edificações e terrenos que não cumprem sua função social garantindo moradias para famílias que viviam em condições precárias até que elas sejam contempladas por programas de habitação social propostas pelo governo, como por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida, originada no Governo Lula. 

Prédio da Ocupação 9 de Julho
Prédio da Ocupação 9 de Julho / Foto: Majoí Costa 

Em menos de uma hora na ocupação, é possível observar um senso de comunidade maior do que anos de reuniões de condomínio são capazes de conceber. A ocupação Nove de Julho promove mais do que casas, ela constrói lares, constrói famílias, constrói rede de apoio, para pessoas que muitas vezes não tem nada além do nome. 

Cozinheiras preparando o almoço
Cozinheiras preparando o almoço que seria distribuído no dia seguinte / Foto: Majoí Costa 

A ocupação se preocupa com o desenvolvimento humano dos moradores. Ela não oferece apenas camas e teto, mas sim, quadra, horta comunitária, brinquedoteca, marcenaria. O lema do movimento vai além da moradia, ele reivindica também trabalho, educação, cultura e lazer. 

A área da ocupação é extensa, aberta e bem cuidada. À direita da entrada, se encontra a horta, cheia de saladas, legumes e frutas, todas lindas e perfumadas. 

Horta comunitária
Horta comunitária / Foto: Majoí Costa 

Seguindo adiante, há uma entrada para espaços abertos e cheio de pinturas e artes nas paredes, todas muito coloridas. Há um campinho para jogar futebol, organizar e realizar eventos, caminhar, ler, e assim vai. É um lugar com muitas árvores também, fresco e muito bonito.

Assim que se entra na área coberta do prédio, é possível se deparar com um longo corredor cheio de pinturas, frases, fotos e letreiros que nos contam um pouco da moradia, da ocupação e do próprio MSTC. À esquerda, tem um brechó, vendendo roupas, produtos de cozinha e aventais, todos num preço justo. 

Entrada da Ocupação 9 de Julho
Entrada da ocupação / Foto: Majoí Costa 

Subindo às escadas, encontram-se as famigeradas cozinhas que alimentam centenas de bocas e a luta por moradia. Na primeira cozinha, três mulheres descascam batatas e mandiocas, falando o cardápio dos pratos que preparam. Foi na outra cozinha que o cheiro de banana e canela perfumava o cômodo, outras três mulheres estavam cozinhando algo inédito pra gente: coração de bananeira. 

A receita, também conhecida como como “flor da bananeira” e “umbigo da banana” reaproveita uma planta comestível não convencional e a transforma em alimento de verdade. De frutas a pessoas, a ocupação recicla afetos de gente que é invisível na sociedade e as transforma em amor e acolhimento.  

Cozinheiras preparando a flor de bananeira
Cozinheiras preparando a flor de bananeira / Foto: Majoí Costa 
Desenhos das crianças da ocupação
Desenhos das crianças em um dos prédios da ocupação / Foto: Majoí Costa 

Os moradores vêm dos mais diversos lugares do mundo, contemplando pessoas da África, América do Sul e América Central, com imigrantes de cerca de onze países. Sem contar, as pessoas vindas também de dezesseis estados diferentes  do Brasil de todas as regiões do país. 

Grafite desenhado nas paredes da ocupação
Arte nas paredes da ocupação / Foto: Majoí Costa 

Kellen Silva recepciona a reportagem dizendo que o movimento constrói vida a partir de cada entulho, cada reforma e cada lar, vem com amor porque são eles que constroem com as próprias mãos.

A luta está no sangue da família, refletido em Kellen, filha de Carmen Silva, liderança do MSTC. Carmen veio para São Paulo há 30 anos. A mulher guerreira morava em Salvador, mas sofria violência doméstica e viu na cidade de pedras um refúgio. Ela conheceu o movimento da ocupação, veio morar aqui, se apaixonou e hoje é líder do movimento. 

O MSTC tem mais quatro ocupações no centro da cidade, uma na avenida José Bonifácio, uma na avenida São Francisco, uma na avenida Rio Branco e uma segunda na avenida Nove de Julho. 

Atualmente, 128 famílias moram no local, mas 57 já têm planos para se mudar, já que o apoio da ocupação fez com que conseguissem construir subsídio suficiente para ter condição de bancar uma casa e comida na mesa. Em 22 anos de movimento, a luta garantiu acolhimento e lares para milhares de famílias que hoje conseguem ter uma perspectiva de mundo que vai além da luta por uma moradia básica. 

Grafite desenhado nas paredes da ocupação
Grafite na ocupação / Foto: Majoí Costa 

 

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