O sonho de ser músico exige disciplina nos estudos

Jovens se dedicam completamente à música clássica
por
Beatriz Porto
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23/09/2024

Por Beatriz Porto

O caminho pela Barra Funda não é monótono. Sempre aquele coro de transeuntes, o som do trem e os ambulantes. Mas do outro lado da Barra Funda, atravessando a rua, existe um espaço onde esses ruídos dão lugar a um som abundante, complexo e robusto. Do outro lado do Terminal Norte, o Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, o querido IA da Unesp, abriga os cursos de artes cênicas, artes plásticas, música e, sem qualquer relação, um prédio de física. Atravessar o portão é encontrar diferentes sons que se misturam e formam quase que um ruído do terminal de ônibus. Mas ao caminhar pelo corredor e se aproximar da entrada, os diferentes timbres se misturam e, ainda que sem conexão, destacam-se pela harmonia. Os alunos estão estudando.

Do lado de fora do prédio, é apenas uma passagem, mas o corredor paralelo, do lado de dentro, é conhecido pelos alunos como “masmorra”. Ao caminhar por ela, estreita e mal iluminada, é possível ver diversas salas de estudo. João Marcelo Pereira está cercado pela arte desde que nasceu. Sua mãe é bailarina formada pela Escola de Dança de São Paulo, do Theatro Municipal, e diretora da Cia Jovem Nina Canadari. Quando criança, João demonstrou interesse pelo piano quando acompanhou as aulas de piano da mãe. Assim começou sua relação com o instrumento. Apesar da facilidade com as teclas e o incentivo da família, foi só aos quatorze anos que o rapaz encarou com seriedade os estudos.

Em 2018, aos quinze anos, ele entrou para a Escola Municipal de Música de São Paulo, também do Theatro Municipal. O contato com outros músicos e uma formação mais robusta fizeram João perceber que havia outras possibilidades. Quando o rapaz expressou sua vontade de fazer a segunda formação em piano e entrar na Unesp para sua professora, ela o incentivou e ajudou com os estudos. Em janeiro, aos 20, João conseguiu uma vaga na universidade, para complementar sua formação musical.

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Crédito: Arquivo pessoal

Depois de contar um pouco sobre sua história, João Marcelo, jocoso, diz que sua relação com o piano é como mestre e escravo. O fazer musical pede que o profissional não se desligue totalmente de seu instrumento, mesmo em períodos de férias. Embora seja apreciada pela expressão, a música clássica não respeita a tristeza, o cansaço e a falta de vontade. Ela exige constância. Enquanto João percebe o piano como uma obrigação diária, Felipe descreve sua ligação com o violão como intimidade e companheirismo.  

No período do segundo ano do ensino médio, Felipe Bezerra acompanhava a irmã mais nova nas aulas de violão na Associação Clave de Sol, em Itapecerica da Serra. Ao assistir às aulas, o jovem decidiu aproveitar o tempo para praticar também. Foi paixão à primeira vista. Neste dia começou um relacionamento com a música que já dura mais de dez anos e não tem previsão de acabar. Conforme fazia as aulas, um professor que percebeu o potencial de Felipe e orientou os estudos do rapaz para que ele entrasse na EMMSP. Em 2015, Felipe conseguiu uma vaga na escola do Theatro Municipal para receber uma formação mais concreta em violão erudito. No entanto, em 2017 o rapaz teve que interromper os estudos. Essa pausa não durou muito, pois em 2020 Felipe voltou à EMMSP para seguir com sua formação e continua até hoje. Mas para um apaixonado pela música não era o bastante.  

Para um músico em formação, geralmente, o primeiro exercício da profissão é o ensino. E foi na docência que Felipe descobriu mais uma possibilidade de carreira na arte, mas não seria a última. Durante seu curso de violão na EMMSP, uma de suas matérias obrigatórias era o canto coral. Assim, Felipe encontrou mais uma paixão, o canto.

Há quase uma década o músico se divide entre o violão, o canto e o ensino, mas foi nesse ano que decidiu levar a relação a outro nível. Em janeiro, Felipe passou no vestibular da Unesp e agora, no segundo semestre, entrou pela segunda vez na EMMSP. Aos 27 anos, ele faz licenciatura na Unesp e violão e canto na EMMSP.

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Crédito: Arquivo pessoal

Entre os musicistas é comum que muitos mantenham uma ocupação paralela a música. No entanto, para quem tem a música clássica como única opção de carreira é preciso avidez. Esse é o caso de João Marcelo e Felipe. Os estudantes são amigos há dois anos e compartilham a rotina de estudos, as expectativas e os anseios que vêm com a dedicação completa à música. No entanto, os jovens têm visões diferentes a respeito da profissão que escolheram. Enquanto João assume uma posição pessimista perante o futuro da arte erudita e segue os estudos pela paixão, Felipe usa seu amor pela música para se motivar e almejar um amanhã mais otimista.

Ainda que João Marcelo sonhe em construir uma carreira sólida como solista ou correpetidor, o pianista admite que já chegou no fim da festa. Segundo o estudante, a música clássica é um mundo que está caminhando para o fim, tendo cada vez menos público e crescente divergência de opiniões perante o gênero musical dentro da academia. Enquanto uns argumentam que é uma prática elitista e eurocêntrica, outros passam a vida dando sangue, suor e tempo para aperfeiçoar sua técnica.

Para Felipe a festa está só começando. Ele conta que quando começou na música não sabia como poderia viver disso. As possibilidades eram diversas, ele poderia seguir como professor, poderia ser concertista e, ao aprofundar seus estudos foi entendendo que o músico pode ser tudo isso ao mesmo tempo e percebendo que a área exige flexibilidade do profissional. Aprendeu que a música é uma profissão injusta pois muitas vezes o profissional gasta mais com o equipamento do que recebe, mas, para o violonista, o amor pela arte paga as dificuldades.

O que os músicos esperam da música é poder viver dela. Felipe quer passar sua paixão pela arte para o máximo de pessoas que ele puder. Ele quer que elas sintam a força da música clássica e se apaixonem por elas. Ele espera que as pessoas tenham mais atenção e carinho com uma profissão que exige tanto do profissional. Já o João espera que ele não deixe o piano e consiga construir uma família tendo o piano como única ocupação.

Em terra de Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, se apresentar em palcos com o do Theatro Municipal, da Sala São Paulo e Teatro São Pedro parece um sonho distante. Mas o estudo da música provou que estar inserido no circuito de arte de São Paulo é possível. O que enche o coração de João Marcelo é ter a chance de subir no palco do Theatro Municipal e, lá de baixo, ver a égide de Carlos Gomes. E poder participar desse círculo onde tantos fizeram o nome, traz ao jovem um brilho no olhar. Para ele, estudar e se dedicar é a chave para chegar no objetivo final. Felipe diz que é a prova viva de que se você encontra uma coisa que te fascina e se é o que você quer, a dedicação é o caminho. Ele vem de uma família em que ninguém tem uma relação íntima com a arte como ele, o violonista decidiu que estaria nos lugares onde pode tirar a maior conhecimento possível.

Os objetivos divergem. João Marcelo quer ter experiências fora do Brasil, conhecer outras escolas e técnicas. Quer voltar ao Brasil para seguir o sonho de ser correpetidor e para alcançar me diz que o segredo é estudar. Para Felipe seu objetivo é se manter na música e levá-la ao máximo de pessoas que puder. É estudar e manter o respeito pelo instrumento e pela paixão que motiva o sonho.

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