“O que mudou foi pra quem somos desagradáveis”

O vocalista da banda Gangrena Gasosa, Angelo Arede, fala sobre seus quase 30 anos de banda e o que mudou até aqui
por
Gabriel Tuma
|
02/05/2023

Fundada em 1992, na zona norte do Rio de Janeiro, a Gangrena Gasosa era conhecida no meio underground como um grupo no mínimo controverso, tanto pelo seu comportamento no palco, quanto por suas letras e estética visual, utilizando indumentárias de religiões de matriz africana e letras inspiradas em pontos cantados nos terreiros. Com o passar do tempo, a estética continuou, mas o comportamento e o conteúdo das músicas mudaram de forma radical. 

Com o lançamento do disco “Smells Like a Tenda Espirita” (1996), nasceu de forma mais concreta o chamado “Saravá Metal”, que mistura a música dos terreiros com o som pesado do metal, ou cria a primeira versão brasileira do Metal, algo revolucionário para um período tão americanizado da música brasileira. Porém, não eram pessoas fora de seu tempo e muitas letras reificavam preconceitos, fato que com o passar dos discos mudou e muito. 

Antes invisibilizadas pelo senso comum, diversas minorias tiveram sua voz amplificada ou ouvida após a disseminação da internet. Padrões de comportamento até então considerados comuns começaram a ser vistos como inadmissíveis, entretanto, uma minoria barulhenta dos fãs de Heavy Metal nunca deixou de ser retrógrada. Segundo Angelo Arede, vocalista da banda “Fazer uma piada ruim por não saber a possível consequência dela pra essas minorias historicamente oprimidas é ignorância. Fazer sabendo seria burrice ou má-fé, no mínimo.” 

Logo, em 2010 foi lançado o álbum “Se Deus é 10, Satanás é 666”, com letras mais críticas, porém, em algumas músicas, ainda preservava o conteúdo semelhante à gênese do grupo, todavia, a contraposição é clara, se apegando mais nas contradições daqueles que reproduzem o preconceito do que atacando aqueles que sofrem. 

O disco também marcou a saída de Ronaldo (voz) e Vladimir (Guitarra), os dois últimos “membros fundadores” que ainda participavam da banda “após a desistência desses vocalistas e mesmo de outros ex-integrantes, eu fui acumulando funções por ser o membro remanescente mais antigo da banda (desde 1994) e mantive a pegada musical do cruzamento entre Hardcore e Heavy Metal, acentuando a presença dos ritmos brasileiros.” Observa Angelo. 

A mudança de integrantes sempre foi uma constante na história do conjunto, entretanto, nos últimos anos tem se atenuado. Hoje formada por Angelo Arede (Vocal – Zé Pelintra), Gê Vasconcelos (Percussão – Maria Navalha), Minoru Murakami (Guitarra – Exu Caveira), Diego Padilha (Baixo – Exu Tranca Rua), Alex Porto (Bateria – Exu Tiriri) e Davi Sterminiun (Vocal – Omulú). Davi e Alex entraram após a gravação do último disco lançado até aqui, chamado “Gente Ruim Só Manda Lembrança Pra Quem Não Presta” (2018). Álbum que coincide com a chegada da extrema direita ao poder no Brasil e marca a virada no estilo e no pensamento da banda “Na percepção da nossa responsabilidade artística de retratar nosso tempo e fazer um contraponto ao crescimento de ideologias fascistóides, diante do nosso público e do público geral de música extrema que tivesse acesso à nossa música.” 

Com a formação atual, três músicas foram lançadas, Boteco-teco, Rei do Cemitério e Headboomer. A primeira trata dos abusos de substâncias que acontecem nos bares e botecos, a segunda é uma homenagem aos orixás Omulú e Obaluaye, já a última trata do conservadorismo no Heavy Metal, assunto comum entre os metaleiros, Angelo ainda ressalta “Por isso, apesar de muitos fãs antigos se apegarem à memória afetiva desse humor preconceituoso, preguiçoso e ruim, não foi problema nenhum mudar o foco pra sermos desagradáveis com quem insiste na burrice e má-fé pra justificar seus preconceitos disfarçados de apego geracional. Quem quiser manter essa postura, que vá ser essa coisa bem longe da gente.” 

Tags:

Comportamento

path
comportamento

Cultura e Entretenimento

path
cultura-entretenimento