O amor também pode ser livre

Karolina, Luccas e Juliana relatam suas experiências com a não-monogamia
por
Bruna Quirino Alves
|
04/11/2024

Por Bruna Quirino

 

Era uma festa junina com direito a paçoca, vinho quente, casamento e correio elegante. Karolina, após muita insistência de seus amigos, mandou um correio elegante anônimo para Juliana confessando que era apaixonada por ela e pedindo para que ela fosse até a barraca do beijo. Depois disso foi casamento e caminho da roça para o casal.  Elas estão casadas há 4 anos. O relacionamento sempre foi aberto, e as duas compartilharam desde o início o desejo de poderem se relacionar livremente com outras pessoas. Porém, após o casamento, a não-monogamia virou um desafio para ambas. Elas não entendiam como um casamento poderia ser aberto.

O amor para Karolina sempre foi livre. Em suas primeiras memórias de criança ela se recorda de questionar a mãe porque os casamentos são entre duas pessoas. Karolina imaginava o que poderia acontecer se ela se apaixonasse por mais pessoas ao mesmo tempo. Desde nova, a ideia de escolher uma era estranha em sua cabeça. Hoje, mais de 10 anos depois, ela ainda pensa da mesma forma, e se pergunta como seria possível amar apenas uma pessoa em todos os outros aspectos em uma vida plural.

Karolina conheceu Juliana durante a Faculdade de Psicologia. De colegas de turma, rapidamente viraram amigas e aos poucos a amizade foi se tornando algo a mais. Ela conta que se sentiu atraída por Juliana desde cedo, mas tinha medo de confessar seus sentimentos e perder a amizade. Juliana demorou para perceber os sinais de Karolina e conta que o interesse era recíproco. A dinâmica entre as duas mudou em uma festa universitária da faculdade. 

Suas famílias também não compreendiam muito bem como as duas poderiam ser casadas e ainda se relacionarem com terceiros. Esse cenário é muito comum no Brasil para outros casais que não são adeptos à monogamia: o preconceito com outros modelos não-convencionais de relacionamento é muito recorrente. Ainda que, segundo dados do Google Trends, o Brasil é o terceiro País do mundo com mais interesse de busca por não-monogamia e fica atrás apenas da Austrália e do Canadá. As pesquisas pelo assunto no Brasil quadruplicaram nos últimos anos, com um crescimento de aproximadamente 280%.

Juliana nunca tinha conhecido outros casais com um modelo de relacionamento como o dela. Karolina havia conhecido casais que tinham um relacionamento aberto mas que se tornara "tradicional" após a assinatura no cartório. A dificuldade de achar pessoas para se espelharem fez as meninas questionarem a possibilidade de ter um casamento de uma forma que funcionasse para elas, sem perder a credibilidade aos olhos dos outros e sofrer com os estigmas. 

Tudo mudou quando Luccas apareceu na vida das duas. Além de ser amigo de infância de Juliana, foi o seu primeiro amor. Eles cresceram juntos em um condomínio fechado e suas famílias se aproximaram também. Juliana e Luccas se afastaram durante o Ensino Médio, quando ele foi para um intercâmbio no Canadá onde terminou a escola e acabou morando até a Faculdade. Os dois tentaram manter contato por um tempo, mas a vida foi acontecendo e seus caminhos se distanciaram, até o ano passado. 

Em junho de 2023, Juliana ficou sabendo por sua mãe que Luccas estava voltando para o Brasil. Ela conta que seu coração disparou quando ouviu o nome dele, mas que tentou ignorar. Tudo ficou mais difícil quando, pouco tempo depois, Luccas mandou mensagem para ela avisando que pousaria no Brasil em alguns dias e gostaria de se encontrar para matar a saudade e aproveitar para conhecer sua esposa.  Juliana estava nervosa para conversar com Karolina sobre a volta de Luccas, ainda que ela já soubesse da história dos dois. Para sua surpresa, Karolina adorou a ideia e se animou para conhecer o primeiro amor de sua esposa.

Ele estava nervoso também. É verdade, ela tinha sido uma paixonite de infância. Mas eram crianças. Ele queria voltar para a vida de Juliana, sem segundas intenções. Mas o coração ficou no caminho: Luccas não imaginava que algo muito maior poderia sair dali, em especial após o primeiro encontro deles.

O encontro entre os três não poderia ter sido mais perfeito. Karolina confessa que ficou encantada por Luccas desde o primeiro momento em que o viu, além de perceber o carinho que ele nutria por Juliana, o que só a fez gostar dele ainda mais, pois era algo que os dois tinham em comum. Já Juliana e Luccas compartilham que se sentiram confusos com o misto de sentimentos que surgiram naquela noite, medo de afetar o casamento de Juliana, desejo de se reconectar e indecisão sobre qual caminho eles iriam seguir. 

A amizade entre os três foi se fortalecendo cada vez mais, até que a iniciativa de transformar a amizade em um relacionamento partiu de Karolina. Mas os três já tinham uma chama vinda do primeiro encontro. Deitaram a cabeça no travesseiro, desde o primeiro dia, como quem pensa sobre o que fazer a partir dali.

Tudo partiu dessa pulguinha atrás da orelha. Juliana e Karolina não sabiam se daria certo, porque já estavam em um casamento feliz. É que Luccas chutou a porta de supetão. Tentar era uma opção. Nada os impedia de amar mais de uma pessoa sem suprimir seus sentimentos.

Pouco tempo depois disso Luccas foi morar junto com Juliana e Karolina. Hoje, os três estão completando 1 ano juntos e relataram que fazem parte de um círculo social que em sua maior parte é não-monogâmico também. Quando começaram a contar que estavam juntos para seus conhecidos, eles tinham medo de não serem aceitos, o que não aconteceu. Hoje, entendem que nem todos se identificam com seu modo de se relacionar e nem desejam isso, serem respeitados já é o suficiente. A pluralidade também é isso, afinal: amar como bem entender. 

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