Por Eduarda Basso
Em uma quinta-feira à tarde Lucas estava em um restaurante, almoçando, após algumas horas de trabalho. Um self-service no meio da Paulista. Na televisão um programa de notícias tratava de um caso de uma pessoa que sofria com bipolaridade. Por algum motivo, que Lucas até hoje diz desconhecer, algo chamou sua atenção, e ele começou a prestar atenção na TV. A história da pessoa começou a ser contada: dificuldades que a doença causou em sua vida; o momento do diagnóstico; alguns dados sobre doenças psicológicas; sintomas.
Entre comerciais e conversas os sintomas da doença chamaram sua atenção, já que alguns deles já eram bem conhecidos por ele. Mas o que mais o intrigou foi o fato dele não só se identificar com o episódio depressivo, que já tinha sido diagnosticado, mas os chamados “episódios de mania” também.
Algumas semanas atrás ele tinha feito uma grande compra, bem fora do padrão de consumo dele. Comprou um carro. Um Mini Cooper, que em média custa R$240.000,00. Sempre foi um carro de seus sonhos, mas sabia que não tinha como fazer essa compra. Foi assim que conseguiu se diagnosticar como mania.
Lucas foi super empolgado para sua casa, e fielmente acreditava que tudo estava bem. Ele nem pensou duas vezes antes de contar animado para sua namorada, Samantha, que tinha realizado a compra dos seus sonhos, e lembra de ter reagido de maneira brava quando ela não o apoiou. A briga do casal durou semanas, até Lucas voltar a ter consciência do que ele tinha feito, e assim, entender o motivo pelo qual Samanta não o apoiou na compra do carro.
Eles foram juntos até a concessionária pedir a devolução do carro, que como ainda estava na garantia, foi capaz de receber todo dinheiro de volta. Para isso, teve de escrever uma carta à mão explicando o motivo da devolução, e ele recorda que foi bem mal escrita. Acabou justificando a devolução de forma bem generalizada, pois nem mesmo ele entendia direito o que tinha o feito fazer essa compra de maneira tão impulsiva.
Isso não saiu de sua cabeça por um tempo, essa falta de compreensão da própria atitude. Tudo desse período parecia “nublado”, ele descreve. Assim, quando viu a matéria na televisão sobre bipolaridade, viu uma “luz no fim do túnel”, afinal de contas, sua atitude poderia ter uma explicação e sua depressão, até então recorrente, também. Seu psicólogo que já o atendia, não achou que fosse o caso. Os episódios de mania tendem a ser mais constantes em pacientes bipolares, e Lucas tinha apresentado uma melhora no caso de depressão, o que também não condizia com o perfil da doença.
Ainda sem sentir que seu diagnóstico de depressão estava correto, procurou uma psicóloga especializada em pacientes com bipolaridade, que coincidentemente, era amiga de sua mãe. Depois de algumas consultas, e após contar seu histórico de depressão, a falta de eficiência do tratamento depressivo e seu recente caso de uma possível mania, a psicóloga decidiu investigar. Por alguns meses, Lucas não teve nenhum outro episódio, o que tornou seu diagnóstico mais difícil.
Ele vivia normalmente e não eram as coisas extraordinárias que o incomodavam, mas sim os recorrentes episódios de depressão, que mesmo medicado, sempre se encontrava lutando contra uma forte onda de tristeza extrema. Ele tinha semanas ‘normais’ e de um dia para o outro, sair da cama já virara uma das maiores batalhas do seu dia.
Lucas chegou a quase perder o emprego por conta desses episódios, que faziam seu rendimento cair drasticamente. A maioria das pessoas com quem trabalhava já sabiam de seu histórico de depressão, e ele lembra como comentavam o “quão melhor ele estava”. Mas algumas semanas depois, lembra que as pessoas se surpreendiam quando voltava a piorar e chegava ao trabalho sem fazer a barba, ou com roupas mais desleixadas que o normal.
Mas, sua nova psiquiatra decidiu alterar sua medicação, e depois de alguns meses de análise de comportamento, ele foi diagnosticado com Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) tipo I. A bipolaridade não tem cura, e o tratamento depende de um controle contínuo, especialmente por meio de medicamentos. Lucas também começou a fazer psicoterapia, que era uma parte importante do processo, mas não suficiente por si só. O uso de estabilizadores de humor e outros medicamentos é o que controla as oscilações extremas entre os episódios maníacos e depressivos, e a troca desses medicamentos foi o que causou uma melhora extrema na qualidade de vida de Lucas.
Uma das coisas que ele recorda do processo foi aprender o conceito de “eutimia”. Esse termo médico se refere ao período de equilíbrio entre as fases de mania e depressão, um estado que simula o que a maioria das pessoas considera um "humor normal". Mas, para muitos pacientes, incluindo Lucas, esse estado de aparente estabilidade pode ser enganoso. É comum que, quando se sentem "bem", os pacientes acreditem que a doença tenha desaparecido, o que pode ser perigoso, pois, muitas vezes, esse período de calmaria é apenas temporário, e as crises podem voltar sem aviso.
Mesmo os casos de mania não sendo algo recorrente na vida de Lucas, e por isso seu diagnóstico ter sido tão difícil de acertar, foi importante essa descoberta para ele tentar achar padrões de comportamentos que o poderiam levar a uma mania, ou crises depressivas. O tratamento de Lucas passou a incluir, além de medicamentos, o acompanhamento psicológico e a chamada "psicoeducação", um processo no qual os profissionais de saúde ensinam não só o paciente, mas também a família e os amigos, sobre a natureza das crises e os sinais de alerta.
Atualmente, com os remédios e o acompanhamento psiquiátrico, ele leva uma vida tranquila, com mais momentos “normais” do que de crises da doença. Relembra o quão difícil foi chegar a esse diagnóstico, e como até seus amigos mais próximos, sem a intenção, o desencorajam de procurar ajuda médica. Lucas lembra da vez que um de seus colegas de trabalho falou para parar de querer achar explicação pra tudo, e que ele só estava com depressão por que não estava vendo as coisas de forma positiva.
Muitas doenças psicológicas, por não serem tão aparentes como doenças físicas, acabam sendo deixadas de lado, e vistas como algo “não tão sério”. Essa visão estereotipada torna ainda mais difícil as pessoas que realmente têm esses problemas, serem diagnosticadas com ele. Assim, pessoas como o Lucas, podem passar anos sendo diagnosticadas erroneamente, ou até, sem diagnóstico algum.