Músicos usam Metrô para difundir música e cultura

Dois músicos utilizam os vagões de São Paulo para expressar arte e cultura.
por
Christian Pereira Policeno
|
30/09/2024

Por Christian Policeno

Sávio de Oliveira carrega sua caixa de som, uma roupa larga, e muito improviso através de palavras que fazem o usuário do Metrô fugir da São Paulo comum, em meio a uma segunda-feira corriqueira no transporte público paulista. Através das baldeações entre a linha azul, e a linha vermelha do Metrô, se enxerga a diversidade da maior metrópole da América Latina.

Dentre as poucas coisas parecidas neste cenário, uma cena torna-se comum no cotidiano do Metrô, o uso do fone de ouvido. Essa cena é tão comum, que não se repete apenas em São Paulo, mas em qualquer metrópole com transporte público ferroviário no mundo, seja o Rio de Janeiro, Porto Alegre, ou até cidades fora do Brasil, como Santiago do Chile, Nova Iorque e Paris, a cena de dezenas de pessoas à sua volta, com esta ferramenta eletrônica, destinada a manter o som da maneira mais individual possível, se repete.


 

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Escada rolante da estação de Metrô Praça da Árvore. Reprodução: Christian Policeno

Mais especificamente na maior cidade da América Latina, o ato de ouvir música de maneira individual é ainda mais comum, afinal, de acordo com a lei municipal nº 15937/2013, tocar nos vagões de São Paulo é proibido, impedindo o uso de aparelhos musicais ou sonoros no interior de veículos de transporte coletivo. De acordo com o Metrô de São Paulo, a apresentação de músicos dentro dos trens é vedada para não interferir na operação do sistema metroviário, bem como na circulação, comodidade e segurança dos passageiros.

Driblando a ironia da proibição no local mais diverso da cidade, Sávio passa pelo vagão fazendo “Freestyle” (denominação usada na comunidade Hip-Hop para quem realiza rimas no mesmo momento, sem nenhuma lírica prévia). Através das roupas, do jeito, do olhar, das características físicas, e até do próprio Metrô, o "freestyleiro" realiza métricas inspiradas 100% nos passageiros, que observam com inúmeras feições diferentes, o som realizado na hora.

Sávio começou na música escrevendo um RAP para cantar na escola. Já gostava de compor poesias desde criança, paixão essa que veio junto com RAP introduzida por um CD pirata do MC NDEE Naldinho. Depois aprendeu a cantar músicas do Racionais, o maior grupo de Hip Hop da história nacional,  e mesmo gostando de rock, com o conhecimento das batalhas de rima, a paixão pelas rimas, e letras contando sobre o cotidiano do cidadão pobre brasileiro, foi ainda maior, e daí  surgiu a ideia de cantar no Metrô.

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Sávio de Oliveira realizando rimas no Metrô. Reprodução: Instagram @saviowdeoliveira

Ele conta que com dezenove anos de idade trabalhava em uma empresa no bairro do Brás, porém foi demitido, e aí decidiu colocar a ideia em prática. O MC relatou que na primeira vez não deu muito certo, pois foi com um amigo fazendo o “beat box” com a boca, e que naquele momento, foi mais uma aventura do que querer viver disso, mesmo que na época ele já quisesse fazer fonte de renda com a música. Depois de um tempo, o jovem foi novamente com um outro amigo, rimando em dupla, mas depois, iniciou sua jornada sozinho, como permanece até hoje, o que transformou a música em sua profissão.

Através das rimas de Sávio, na linha vermelha do Metrô, às 10h50min, se coloca em prática um sonho, e o sustento de um músico na maior cidade do Brasil. O rapper ainda ressalta que o tempo de trabalho dentro do Metrô, ainda o levou a viver histórias boas e ruins, mas que com o passar do tempo, a esperteza o preveniu de passar por situações ainda piores.

Segundo o artista, um guarda uma vez o viu parado na plataforma da estação de trem, e não pensou duas vezes antes de realizar xingamentos sobre seu trabalho, que logo em seguida o respondeu, o que lhe rendeu um soco na face, seguido de outras agressões físicas. Depois desse episódio, ele ressaltou que não fala mais com os guardas, apenas respeita quando um deles o retira do vagão, alegando que somente muda a plataforma para voltar a realizar seu trabalho. Também pudera, o MC já viu os guardas quebrarem os instrumentos de alguns músicos na estação Vila Guilhermina da linha 3 - vermelha.

Porém, experiências positivas também fazem parte da trajetória, Sávio relatou em sua história que depois de um tempo "o difícil ficou mais fácil", e hoje em dia diz ser abençoado neste trabalho. Ele informou que já ganhou todas as notas, menos a de R$200,00, mas que já foi patrocinado por roupa, corte de cabelo, e conheceu várias pessoas incríveis.

Desafiar os guardas no Metrô, o silêncio que toma parte do transporte público, os fones de ouvidos, e até o estresse dos passageiros, que muitas vezes não gostam de fazer parte da arte de Sávio, fez parte da transformação que tornou-se o seu sustento. É claro que ele deseja alçar novos voos, afinal, como qualquer artista, o paulista diz que deseja ter muitas músicas, fazer shows, e ganhar uma renda maior com seus sons, porém, fazer música no Metrô é o começo de tudo isso.

Assim como Sávio, Lucas Magalhães também é outro artista, que realizou inúmeros shows para os passageiros no transporte público. Filho de uma coralista, Lucas iniciou sua trajetória na música aos sete anos de idade, através das aulas de piano, ainda criança se viu iniciando sua trajetória nos instrumentos musicais, que continuaria depois de um ano, com o violino, e a viola de arco, hoje, a formação musical de Lucas, já compreende diferentes instrumentos.

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Lucas tocando violino no festival de música SIM. Reprodução: Instagram @olucasviola 

Percebendo que no Metrô poderia colocar suas habilidades musicais em prática, Lucas iniciou o projeto como uma renda extra, permanecendo com os trabalhos musicais em algumas orquestras e eventos. Segundo o músico, tocar nos vagões de São Paulo, o permitiu realizar muitas amizades no meio musical, além de ampliar os horizontes de oportunidades, trazendo autonomia e dinâmica em seus trabalhos musicais.

O instrumentalista ainda reforçou que tocar no Metrô é inconstante, afinal, possui altos e baixos, e demanda resiliência para passar por situações difíceis no dia a dia. Porém, tornar o cotidiano de quem está estressado rumo ao seu trabalho, ou a sua casa no Metrô, é extremamente gratificante, afinal, por mais que a prática artística seja proibida, observar que o trabalho foi reconhecido, e solicitado pelas pessoas, não tem preço. 

Trazer cultura, e ainda por cima gerar renda fazendo música em um ambiente tão movimentado como o Metrô, torna a tarefa de Lucas e Sávio, uma das mais difíceis de se realizar em São Paulo, afinal, é necessário muita coragem e perseverança para acabar com o silêncio de milhões de pessoas, que cruzam as estações diariamente na maior cidade do Brasil.
 

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