Por Lucas Gomes
A tinta da caneta marca as páginas em branco de um caderno iluminado por um abajur. Durante as madrugadas, as palavras se transformam em rimas, poesias e, por fim, partituras. Assim nascem as músicas de quem não tem o apoio financeiro das grandes gravadoras e produtoras.
Com o avanço das plataformas digitais, os artistas independentes se tornaram cada vez mais comuns. Muitas vezes, esses músicos fazem toda a produção — da composição à gravação, mixagem, masterização, distribuição e divulgação — sozinhos. No entanto, o sonho de viver da música ainda parece alcançável e funciona como combustível para seguir em frente.
Apesar disso, o sustento vem do trabalho com carteira assinada, e não da música. Marissa, conhecida artisticamente como Baloo, recebe poucos dólares pelas faixas publicadas nas plataformas digitais e, muitas vezes, precisou abdicar de participar de batalhas de rimas ou outros eventos culturais onde poderia divulgar seu trabalho. Isso ocorre porque ela precisa dedicar sua mão de obra a outras áreas, e agora teme ter perdido o momento de focar exclusivamente na música.
Sempre há pessoas em busca de seu espaço na indústria, mesmo sem referências ou apoios influentes. Apesar de todas as dificuldades, esses artistas levam seus sons autorais para um público pequeno, mas fiel, que ajuda a divulgar o trabalho e, quem sabe, transformar o hobby em sustento. Afinal, música é arte, mas também, negócio.
A indústria musical movimenta quantias substanciais de dinheiro, principalmente através das grandes gravadoras e artistas de grande porte. De acordo com números da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), o faturamento do setor cresceu 10,2% em 2023, totalizando 28,6 bilhões de dólares (cerca de 143,3 bilhões de reais).
Embora os artistas independentes recebam apenas uma pequena fração desse montante, eles ganham cada vez mais espaço, especialmente nas plataformas digitais. Segundo dados divulgados pelo Spotify no ano passado, 70% das receitas da plataforma no Brasil foram destinadas a artistas e gravadoras independentes. Globalmente, esse número foi ligeiramente superior, alcançando 4 bilhões de dólares (aproximadamente 20 bilhões de reais). Além disso, hoje, 20% da arrecadação do mercado musical vem das plataformas digitais.
São Paulo é um dos principais polos da música no Brasil. Mesmo diante das dificuldades financeiras, surgem inúmeras oportunidades. É o que conta Theus Terreiro, produtor musical e fundador da gravadora Yellow Lab. Para ele, a capital paulista oferece diversos espaços culturais onde é possível exibir a arte produzida e consolidar novos artistas.
Entre o trabalho cotidiano, domingos na Avenida Paulista e shows esporádicos em bares ou espaços públicos, os artistas conquistam seu espaço e alcançam novas pessoas. Mesmo que o dia termine com apenas um novo seguidor nas redes sociais, o objetivo de divulgar o trabalho é cumprido, funcionando como um combustível para alcançar o estágio que todos almejam: os grandes palcos.
No entanto, apesar das oportunidades, chegar lá não é fácil. Crescer como artista é uma missão desafiadora. Para o cantor e compositor Latrel, é fundamental saber dosar as expectativas. Hoje, a possibilidade de alcançar os grandes palcos, como o Rock in Rio ou o Lollapalooza, por exemplo, é pequena.
É igualmente importante se moldar dentro da indústria para ter sucesso. Quem investe e divulga precisa de retorno financeiro, afinal, é isso que justifica o investimento. Porém, Latrel alerta que é preciso tomar cuidado para não sucumbir aos padrões impostos, perder a própria identidade e acabar deixando de lado o prazer de produzir a música.
No fim, a música é negócio, mas também é arte. A liberdade de produzir de forma independente possibilita a criação de faixas autorais, com significados definidos apenas pelo autor e seu eu lírico. Porém, nem sempre isso é suficiente para colocar comida na mesa. As grandes produtoras e gravadoras sempre vão buscar a fórmula que coloque mais dinheiro no bolso. Para os músicos independentes, resta escolher: ceder ao sistema ou manter o sonho de, um dia, chegarem onde querem chegar.