Moradores resistem à construção do Túnel Sena Madureira

Obra milionária deve desabrigar famílias e destruir vegetação local para desafogar apenas um farol.
por
Marcela Rocha
|
18/11/2024

Por Marcela Rocha

 

O caminho estreito de chão de concreto dá forma ao início da rua. Os 160 metros de caminhada revelam, de um lado, uma parede coberta de desenhos no estilo Grafitti, e do outro, um mar vertical de vegetação rasteira. Lírios da paz, árvores frutíferas e gramíneas se exibem para quem passa. As plantas quase se confundem em um mosaico de espécies. Alguns passos à frente, a rua desemboca em um grande portão de ferro de cor verde, agora aberto e escondido atrás de uma extensa parede branca com dizeres que exprimem a frase "A Zona Sul é mais feliz". No número 518 da Sousa Ramos está a comunidade que leva o nome da rua.

 

Muro branco com desenho de um homem e ao lado a frase "a zona sul é mais feliz"
Entrada da comunidade Sousa Ramos/Foto: Marcela Rocha

 

 

Ao passar pelos trilhos do portão tem-se a sensação de estar em outro bairro, fora da Vila Mariana. As garagens denunciam o jeitinho sobre como os moradores improvisaram o abrigo para carros. Cada vaga traz a personalidade do proprietário do veículo, cobertas com telhas de diferentes formatos e estilos, com estrutura de madeira, acabamento em tijolo exposto, massa corrida ou tinta. Algumas com paredes e portões próprios para delimitar o espaço, outras com apenas um telhado para proteger do sol, mas todas com o fundo de concreto do muro que os moradores investiram para construir.

Atrás do muro vê-se toneladas de terra avermelhada. O material foi amontoado por agentes da Prefeitura no processo que deu início às obras de construção do Túnel Sena Madureira. Os moradores da comunidade Sousa Ramos relatam que não foram comunicados sobre a obra e que souberam da construção do Túnel no dia em que os tratores chegaram ao local. Após algumas semanas de interferência dos caminhões, o muro que faz fundo com as garagens da comunidade apresenta rachaduras e aparenta estar cedendo, causando risco de acidentes às pessoas e grande prejuízo aos automóveis. As vagas de garagem próximas a este muro estão inutilizadas. Engenheiros que estavam no local disseram que estão realizando investigações para verificar se as rachaduras são provenientes da movimentação dos tratores ou se têm outra origem.

Muro da garagem apresenta rachaduras após início das obras de construção do Túnel
Muro de vaga de garagem da comunidade apresenta rachaduras após início da obra de construção do Túnel Sena Madureira/Foto: Marcela Rocha

O projeto do Complexo Sena Madureira surgiu em 2011 durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab e teve o seu andamento descontinuado nos anos seguintes —sem chance de realizar qualquer discussão— a partir das investigações promovidas pela Operação Lava Jato, que pegou na “malha fina” por corrupção a empreiteira Queiroz Galvão, contratada pela Prefeitura.

Após 13 anos, a principal justificativa das autoridades para o retorno da obra é a viabilização do sistema viário da região da zona sul, sobretudo no bairro da Vila Mariana. O túnel deve interligar a Rua Sena Madureira a Avenida Domingo de Morais e seguir até o túnel da Avenida Ricardo Jafet. O projeto, que deve custar R$ 531 milhões, prevê a realocação de duas comunidades (dentre elas a Sousa Ramos) que somam lar de cerca de 200 famílias que estão na região há mais de 50 anos, e a derrubada de quase 200 árvores.

Tatiana Vital, que vive ali com seu marido, na Sousa Ramos, há pelo menos quatro anos, apresenta febre alta há mais de três dias. Após duas visitas ao pronto-socorro e receitas de antieméticos e medicamentos para a dor que sente na cabeça, teme que sua condição de saúde seja causada por fatores psicológicos. A dona de casa diz que às vezes toca a própria face e a sensação é de que a pele das mãos está queimando junto com o rosto. No hospital, pela tosse que também se mostra presente, o diagnóstico que recebeu foi de gripe.

Ao comentar sobre a situação de sua vizinha, moradora da última casa que dá parede direta com a terra da obra, informou que durante a reunião com os técnicos no dia cinco de novembro, a vizinha tremia ao ouvir dos engenheiros responsáveis pela obra que não sabiam que havia pessoas morando naquele espaço. Naquele dia, informaram aos moradores que souberam da existência deles apenas no dia que as obras iniciaram.

Tratores estacionados ao lado da comunidade Sousa Ramos/Foto: Marcela Rocha
Tratores estacionados atrás do muro da comunidade Sousa Ramos/Foto: Marcela Rocha

 

Segundo Tatiana, a obra iniciou no dia seguinte ao final das eleições municipais, e que agora a comunidade está sendo procurada pela mídia para expor o caso, mas que durante todo o período a derrubada das árvores comovia muito mais do que o risco de despejo das famílias. Disse que os ricos (ao se referir aos moradores dos prédios de luxo do bairro) só sabiam da questão do corte das árvores e que estavam mobilizados para tentar barrar com a justificativa de possível crime ambiental, mas que também se solidarizaram com a comunidade após saberem da situação das famílias.

Nas casas que serão demolidas para a construção do túnel há crianças, idosos, pessoas acamadas e trabalhadores que dependem de suas moradias para fazer a manutenção da vida. No caso da população da região da Sena Madureira, ter um lar para retornar ao final do dia está ameaçado pela chance de não ter mais a segurança de uma residência fixa.

Em participação no seminário "Túnel da Av. Sena Madureira: Vamos conversar?” ocorrido na Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Canejo, liderança da Associação de Moradores Sousa Ramos, disse que a obra mexe com o meio ambiente, mobilidade e questão social e que justamente no dia da árvore foram cortadas 100 árvores, demonstrando que nem a Prefeitura segue as leis que o próprio poder municipal cria. Canejo diz que tem ouvido de amigos que terá onde dormir, mas que o problema não é ter onde dormir, mas sim ter onde acordar. Para ele, não ter onde acordar é algo próximo da morte e que a obra do túnel Sena Madureira deve acabar com a vida das 200 famílias que temem pela incerteza de não ter onde morar.
 

Tags:

Cidades

path
cidades

Meio Ambiente

path
meio-ambiente