Especulações sobre o terceiro mandato do petista Luiz Inácio Lula da Silva e o futuro econômico do país não param. Após uma curta lua de mel após o segundo turno, o principal índice da bolsa de valores brasileira amarga uma queda de 6,16% (até o fechamento do pregão no dia 05/12/2022).
Entre os investidores nacionais da bolsa de valores, a aposta era de queda no principal índice de investimentos. O Ibovespa surpreendeu e fechou o primeiro dia após a definição do próximo presidente em alta de 1,31%. Os pregões seguintes, até o final daquela semana, foram voláteis, mas o Ibovespa conseguiu se manter no campo positivo na maioria das sessões e fechou a semana acumulando 3%, enquanto o dólar caiu forte, e chegou à mínima de R$ 5,01, registrando a maior queda percentual no acumulado da semana pós-segundo turno desde 2002.
Entretanto, no dia 10 de outubro, o presidente recém-eleito fez um pronunciamento indicando que seu governo aumentará gastos públicos e o mercado reagiu imediatamente. O dólar explodiu, os juros futuros dispararam e o Ibovespa teve seu maior tombo no último mês. Naquele dia, o indicador fechou com uma queda de mais de 3,7%, e na casa dos 109.350 pontos, patamar que não atingia desde 30 de setembro, antes do primeiro turno das eleições presidenciais.
O mercado reagiu mal, porque o petista fez críticas à "estabilidade fiscal" e deixou claro que sua equipe vai incentivar gastos sociais, marcando uma forte diferença em relação aos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
“Muitas coisas que são consideradas como gastos neste país, precisam passar a ser encaradas como investimento. Não é possível que se tenha cortado dinheiro da farmácia popular em nome de que é preciso cumprir a meta fiscal, cumprir a regra de ouro”, apontou o próximo presidente.
O motivo para o fim da lua-de-mel
“O mercado superestimou o resultado das eleições. Por ter sido um placar tão apertado, haveria pouco espaço para implantar políticas de cunho mais liberais. A questão é que as eleições deram um vencedor claro. Então ele tem legitimidade dentro do sistema econômico para colocar em pauta as políticas que ele quer”, explica André Doca, economista e mestre em Políticas Públicas, além de fundador da consultoria ViraMundo TC.
O economista analisa que, logo após as eleições, foram montadas posições em relação a bolsa de valores brasileira, principalmente pelos investidores estrangeiros, que “veem com bons olhos o Lula, por terem posições a favor de regulação ambiental, e por terem outras visões de economia que o governo Bolsonaro nunca teve”. Entretanto, os investidores institucionais que são brasileiros, de uma forma geral, têm “uma má vontade com o governo de esquerda, o que também influenciou na queda dos dias seguintes.”
Para o mestre em Políticas Públicas, o mercado ter subido logo após as eleições se deu pelas “posições montadas por investidores estrangeiros”, e a volatilidade subsequente foi basicamente “via investidores nacionais”.
Doca diz que essas reações são normais, e que é da natureza do mercado isso acontecer. “O mercado simplesmente não entende da lógica de negociação política.”
E se o eleito fosse Bolsonaro?
Para Marcos de Vasconcellos, editor-chefe do site ‘Monitor do Mercado’, o mercado transmuta a realidade em preços, ou seja, avalia os fatos em termos de possíveis retornos financeiros. “Investidores vendem e compram papéis de acordo com suas perspectivas de geração de valor por uma ou outra empresa, bem como a partir do retorno que imaginam ter, ao emprestar dinheiro para um país ou uma companhia", explica.
Em sua visão, “a opinião do líder petista não muda o funcionamento do mercado financeiro.” Para ele, quando Bolsonaro reclamou das quedas do preço das ações da gigante estatal Petrobras e interferiu na gestão da empresa também não alterou a forma como o mercado de capitais opera. O jornalista ainda pontua que independente das intenções por trás das ações de cada política o que movimenta o mercado e faz a compra e venda de ações acontecer é a expectativa de quanto aquele ativo em particular pode render em um futuro próximo ou distante.
“Diferentes setores se beneficiam em maior ou menor escala com tipos diferentes de governo” explica a assessora de Wise Investimentos, Thais Franceschini. “O mercado consegue projetar, de forma panorâmica, o que esperar de cada candidato”, diz. Rodrigo Gama, assessor autônomo vinculado ao Banco BTG Pactual, e criador de conteúdos de planejamento financeiro no Youtube, pontua que dentro do mercado, setores diferentes criaram expectativas distintas em relação à eleição dos dois candidatos à presidência.
Gama cita que após a vitória do candidato do PT as ações relacionadas ao setor educacional e as construtoras tiveram alta e que isso provavelmente não aconteceria no caso de uma reeleição do atual presidente. Em seus mandatos anteriores, o partido apostou em programas sociais - como o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior), destinado a financiar a graduação de estudantes matriculados em instituições pagas, e o Minha Casa, Minha Vida - e o mercado aposta que esses setores voltarão a crescer nos próximos anos.
Franceschini concorda e ainda acrescenta que o mercado supõe que “um governo de esquerda tende a trazer uma maior valorização no mercado da educação e varejo”, beneficiando redes de lojas.
As empresas estatais também responderam à definição do pleito eleitoral, entretanto os preços de suas ações caíram significativamente. Segundo Franceschini um dos motivos é que o mercado entende que o próximo governo tem “uma tendência maior para intervenção nesse tipo de empresa”. Para Gama, "isso também não aconteceria, provavelmente com Bolsonaro eleito”. A reeleição aumentaria as expectativas de que essas empresas sofressem um processo de privatização.
O mercado tem motivo para tantas incertezas?
A equipe de transição montada pelo governo petista é formada por profissionais benquistos pelo mercado, como o Pérsio Arida (um dos pais do Plano Real e notadamente ortodoxo) e André Lara Resende (também criador do Real que vem abandonado posições liberais), e outros com visão mais crítica à gestão econômica liberal - como Guilherme Mello e Nelson Barbosa.
“O mercado, seja lá o que isso for, é um ente composto por pessoas que têm claro na cabeça, o modelo liberal de funcionamento do mercado e das economias”, avalia André Doca.
Juliane Furno, doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp e colunista do Nós, corrobora Doca: “O mercado é a reunião de diversas entidades do setor financeiro, principalmente de corretor, fundos de investimentos, agentes do setor bancário e investidores institucionais”.
O que causa incômodo no mercado é que há economistas que “são críticos ao modelo que o mercado tem na cabeça”, segundo Doca. Furno coloca o dedo ainda mais na ferida e afirma que “tentam passar os interesses do mercado como semelhante aos interesses da coletividade, fazendo crer que o que é bom para o mercado é bom para todo mundo”.
Sobre a equipe econômica do presidente Lula, Doca analisa ser “uma equipe que não é tão liberal quanto o mercado esperava, mas que mesmo assim tem uma posição mais liberal de uma forma geral.”
Para Furno, o que deve ser essencial neste momento para a economia não é apenas atender as necessidades do mercado, mas garantir o desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento à fome, a extrema pobreza e o desemprego.
“O mercado não é um grande estudioso das teorias econômicas que vêm sendo produzidas nacional e internacionalmente. Não à toa, ele defende até hoje o teto de gastos e um monte de regra anacrônica para resolver os problemas que eles teoricamente tentam enfrentar”, diz André Doca.
A presença de mecanismos de ancoramento das expectativas já não é mais suficiente para acalmar os ânimos no mercado de capitais.
“O teto de gastos, simbolicamente, é uma âncora fiscal. Por mais que hoje em dia seja uma peneira de gastos, depois de tantos buracos, ele simbolizava o compromisso do governo perseguir determinadas metas e sua preocupação com a trajetória da dívida pública dentro, lógico, do pressuposto do modelinho de economia que o mercado financeiro tem na cabeça - que não é o mesmo modelo que o Congresso e a equipe do presidente recém eleito do Lula tem em mente”, explica Doca.
Responsabilidade fiscal ou responsabilidade social?
André Doca explica que não basta que o Brasil tenha uma só responsabilidade social sem ter responsabilidade fiscal, pois isso pode “descambar em uma gestão errada da política econômica”.
Para o economista, Lula “ não é adepto da austeridade de uma forma tão apaixonada como muitos grandes players do mercado, e não defende o liberalismo econômico tanto quanto o mercado gostaria, mas discursa que a responsabilidade fiscal sustenta a responsabilidade social”
“O objetivo [das reações do mercado] é fazer política, via mecanismos de terrorismo: caso o Estado gaste, a inflação, juros e desemprego serão desenfreados”, é o que diz Juliane Furno.
A doutora em desenvolvimento econômico conta que há um elemento “antidemocrático nessa ação, na medida em que ela interfere no jogo político, embora não seja através dos mecanismos legais, como partidos e associações de classes, mas posando de ‘neutralidade’ e escondendo-se através de algo pouco preciso chamado ‘mercado’”.
Ela finaliza dizendo que o ‘essencial’ nesse momento, é um “projeto de sociedade, que alie o crescimento econômico à correção das brutais desigualdades sociais e ao avanço acelerado da pobreza e extrema pobreza.” E que esse ‘essencial’ foi definido nas urnas, e cabe ao mercado “atuar para garantir as melhores condições de financiamento desse padrão, escolhido de forma democrática, de reconstrução nacional.”
O que podemos esperar daqui para frente?
O primeiro semestre de um novo mandato presidencial causa grande volatilidade na bolsa de valores. “O que estamos vendo é que o próximo governo está demonstrando prioridade na atenção do orçamento de 2023, e isso pode dizer muito de como será o teto de gastos”, diz Franceschini. “Agora começam as nomeações, mesmo que informais, dos possíveis ministros e o mercado também reage a isso", conclui.
As primeiras reações do mercado funcionam como um termômetro para o que ele espera para os próximos quatro anos em relação a diferentes setores e atividades. “A definição do Lula [como presidente] já teve o efeito que se esperava sobre o mercado", afirma Gama que explica que houve um desinvestimento inicial, resultado de investidores e fundos que retiraram capital do país. Mas este movimento não foi exclusivo e se repetiu em outros mercados emergentes. Inicialmente o movimento foi rápido e não se sustentou por falta de volume.
Franceschini aponta alguns desafios que o novo governo irá enfrentar e que preocupam o mercado mais do que o fim das eleições presidenciais. Entre eles está “a instabilidade da economia na China, a guerra na Ucrânia e a incerteza da recessão nos EUA, que refletem muito na nossa economia. No cenário macro, o presidente eleito é bem-visto pelas autoridades, o que pode beneficiar o país mesmo com estas crises externas.”
Além disso, ela explica que para uma boa governabilidade, o presidente deverá fazer alianças e esforços políticos mais próximos aos interesses do centro e da direita devido a força que essas correntes adquiriram recentemente.
Outro grande momento que o mercado financeiro aguarda ansiosamente é a definição da equipe econômica do terceiro mandato presidencial de Lula. Enquanto os membros da pasta não são decididos, uma equipe de transição foi formada para avaliar as condições em que o próximo governo federal vai iniciar o ano de 2023.