Mercado da cannabis mostra a força feminina

De diferentes maneiras essas empreendedoras estão impulsionando a cena canábica do Brasil
por
FABIANA CAMINHA
|
06/06/2024

Por Fabiana Caminha

 

Embora o Brasil ainda não tenha legalizado o uso recreativo da cannabis, o medicinal foi autorizado em 2014. Essa decisão abriu espaço para um mercado em rápido crescimento, ainda que sem uma legislação específica e bem estruturada. As mulheres têm desempenhado papéis importantes nesse cenário em diferentes frentes, desde a produção até a pesquisa e o desenvolvimento de produtos à base de cannabis, liderando empresas e cooperativas de cultivo da planta. Essa movimentação feminina em torno da cannabis impulsiona discussões sobre justiça social e equidade de gênero dentro da indústria.

Para entender as diferentes possibilidades de empreendimentos com cannabis, é necessário saber mais sobre a planta em si. A Cannabis Sativa é uma espécie que pode ser cultivada de diferentes formas, gerando variedades distintas. As mais conhecidas são a Maconha e o Cânhamo. O tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo que causa os efeitos psicoativos, está presente nas duas variações, mas em quantidades diferentes. O cânhamo contém no máximo 0,3% de THC em sua composição, o que faz com que o seu uso seja voltado para extração de canabinóides. As sementes são usadas na produção de alimentos, suplementos, medicamentos e cosméticos. O caule e suas fibras são utilizadas na produção de papel, tecidos, cordas e materiais de construção. A maconha por sua vez, apresenta níveis maiores de THC e é considerada uma droga psicotrópica, comercializada para uso medicinal ou recreativo. 

Por ser tão versátil, a cannabis está presente na cultura de diversas maneiras. A chef brasileira Marcela Ikeda descobriu através dos seus avós japoneses que a planta sempre esteve presente em sua vida. Segundo ela, o cânhamo é muito usado na culinária japonesa, apesar de muita gente não saber. Além disso, a fibra da planta era usada para fazer tecido. Os samurais usavam roupas de cânhamo nas batalhas porque são mais resistentes. Marcela viveu mais de 20 anos no Japão e hoje mora no Uruguai, onde começou com o projeto Larica. Como chef seu objetivo é poder desenvolver alta gastronomia com cannabis. A página do Larica no Instagram conta com mais de 13 mil seguidores que acompanham os vídeos das receitas idealizadas por Marcela, que sempre levam uma pitada da erva. 

Para a empresária carioca Caroline Heinz, a inspiração veio dos Estados Unidos. Em 2012, ela foi ao país para estudar inglês e encontrou uma oportunidade de trabalho em uma empresa de canabinóides para fins terapêuticos, a HempMeds. Hoje, 12 anos depois, ela comanda a própria startup da mesma área, a Sphera Joy. Uma particularidade dessa startup é que Caroline trabalha exclusivamente com mulheres, em sua maioria mães de crianças atípicas. O seu propósito é universalizar o acesso ao tratamento com cannabis medicinal. A empresa é sediada na Califórnia, onde a legislação é mais flexível. Porém, é possível comprar os produtos online do Brasil. Para isso é necessário obter uma receita médica e uma autorização da Anvisa para a importação dos produtos.  

Esses empreendimentos não apenas abrem novas oportunidades de negócios e empregos, mas também contribuem para mudar a imagem marginalizada do uso da cannabis. Ainda assim,  o Brasil é um País cuja legislação não tem boa relação com a erva, por isso, uma das principais dificuldades enfrentadas é o ambiente regulatório extremamente restritivo. A obtenção de licenças, receitas e autorizações é um processo difícil e demorado. O que prejudica não só produtores e consumidores, mas a própria economia do Estado. Segundo a revista Época, se o Brasil tivesse a mesma regulação de outros países que já permitem o uso medicinal, teríamos um mercado que possivelmente movimentaria mais de R$45 bilhões por ano. 

Da esquerda para direita, Caroline Heinz, Anita Krepp e Marcela Ikeda.
Da esquerda para direita, Caroline Heinz, Anita Krepp e Marcela Ikeda.

A falta de familiaridade e confiança dos investidores no setor da cannabis, combinada com as incertezas regulatórias, torna a captação de recursos uma tarefa complicada. Como resultado, muitas empreendedoras dependem de financiamento próprio, o que muitas vezes atrasa o crescimento e desenvolvimento do projeto. Segundo a jornalista Anita Krepp, a falta de investimento pode estar relacionado com o fato de que a maioria das empresas são comandadas por mulheres. Mas isso não é uma movimentação exclusiva da indústria da cannabis, é muito mais fácil um homem captar dinheiro do que uma mulher. De acordo com a Crunchbase,  plataforma que reúne informações sobre negócios e empresas, as startups com fundadoras mulheres receberam uma porcentagem de capital de risco estável nos últimos dez anos, ficando entre 2% a 3% do total de recursos no mercado.

Anita Krepp é uma jornalista reconhecida por sua especialização em temas relacionados à cannabis. Sua jornada nesse campo começou de maneira pessoal, quando enfrentou uma crise de pânico e foi orientada por seu médico a experimentar o CBD como tratamento. Surpreendida pelos resultados positivos, decidiu mergulhar no assunto, compartilhando sua experiência com o mundo e buscando expandir o entendimento sobre os benefícios da cannabis. Atualmente, ela é uma das principais vozes nesse cenário, contribuindo regularmente com diversos veículos da grande mídia brasileira, como Uol, Folha, Piauí, Forbes, Estadão e Poder 360. Mas seu trabalho vai além do jornalismo escrito, Anita também é host do podcast "Cannabis Hoje", onde aborda temas de empreendedorismo e negócios na indústria da cannabis, que já está em sua segunda temporada. Além disso, recentemente ela começou a colaborar com a revista Breeza, pioneira no Brasil por abordar principalmente assuntos relacionados à cannabis. 

No "Cannabis Hoje", ela assume o papel de entrevistadora, conversando com as principais protagonistas da cena canábica brasileira. Sua motivação para iniciar o projeto foi clara desde o início: dar voz a essas figuras, compreender suas trajetórias e desvendar os bastidores desse mercado em ascensão. Seu objetivo principal é não apenas informar, mas também incentivar os ouvintes a contribuírem com a cena canábica, especialmente por ser um mercado ainda em desenvolvimento e repleto de oportunidades. Anita reconhece a sede por conhecimento que permeia a sociedade, destacando a alta demanda por informações sobre a cannabis.

Anita ressalta que as mulheres que embarcam no empreendedorismo com cannabis muitas vezes trazem consigo uma abordagem distinta, onde os ideais e valores pessoais desempenham um papel significativo no projeto, em contraponto à simples busca pelo lucro financeiro. Para ela, há algo mais intrínseco nas mulheres nesse contexto, uma conexão profunda com suas convicções e propósitos que se refletem em seus empreendimentos. Além disso, existe uma dinâmica colaborativa particular entre as mulheres desse meio. Essa abordagem coletiva contribui não apenas para o crescimento individual, mas também para o fortalecimento da comunidade de empreendedoras. Anita diz que se alegra ao ver as mulheres da cena se ajudando e apoiando, e garante que as conversas nem sempre são sobre empreendedorismo mas sim uma troca sobre maternidade e feminilidade.

 

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