Medalhista paralímpico conta sua história de superação

Emerson conquistou o mundo do goalball e se firmou como um dos maiores nomes das paralimpíadas.
por
Khadijah Calil
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29/10/2024

Por Khadijah Calil 

Nascido e criado na Paraíba, Emerson era um garoto de sonhos intensos e um senso de determinação que lhe vinha da convivência com desafios diários. Seu diagnóstico incluía miopia, nistagmo e degeneração da retina. Ele sabia que as coisas para ele seriam diferentes, mas isso nunca foi um peso, pelo contrário, foi motivação. Ao acompanhar o irmão mais velho em um treino no Instituto dos Cegos, a vida, antes marcada por limitações, tomou uma direção nova, cheia de promessas e aventuras. Quando a bola rolou pela quadra, Emerson percebeu que aquele som tinha algo de mágico — uma ponte entre ele e o mundo ao seu redor.

Era uma manhã morna e cheia de sons na periferia de Campina Grande. O ruído das vozes, das ruas e do comércio parecia encher o ar de possibilidades. Ainda garoto, sempre fora fascinado pelos ruídos ao seu redor. Talvez porque sua visão fosse limitada — um mundo borrado e distante, que ele tentava decifrar com a ajuda de sons, de cheiros, de sentidos que ele mesmo mal sabia nomear. Mas naquele dia específico, foi o som de uma bola, com seu guizo tilintando a cada movimento, que capturou seu mundo.

Ele não sabia, mas esse som mudaria sua vida. Era uma bola de goalball, uma modalidade esportiva que ele ainda não conhecia, mas que em breve se tornaria o coração de sua jornada. O goalball, criado especialmente para pessoas com deficiência visual, é um esporte singular: não há espaço para o olhar, apenas para a escuta atenta, a sensibilidade ao som e ao espaço. Para muitos, o esporte parecia algo distante, até impossível, mas para Emerson, era como uma dança guiada pelo ritmo do próprio coração.

Dali em diante, ele mergulhou no esporte com uma entrega absoluta. A atividade exigia uma precisão auditiva que desafiava até os sentidos mais apurados. Emerson passou a treinar de forma incansável, cada dia buscando a precisão na escuta e o domínio dos espaços. Para ele, não se tratava apenas de seguir uma bola, mas de desbravar um território invisível, onde cada passo e cada movimento precisavam ser milimetricamente calculados, baseados apenas no som. Ali, ele aprendeu a dominar o espaço ao seu redor, a se posicionar com segurança e a fazer de sua deficiência um ponto de partida.

A rotina era árdua. O treino envolvia não apenas horas de condicionamento físico, mas a construção de uma memória espacial complexa. A quadra tinha que estar gravada em sua mente: onde começava e terminava, onde estavam os limites, os espaços de defesa, a localização exata do gol adversário. E mais: tinha que confiar na sua intuição e no som que o guiava. Os sons externos, os gritos da torcida, tudo isso poderiam interferir em momentos decisivos, algo que ele precisaria aprender a ignorar.

A perseverança e a habilidade de Emerson logo chamaram a atenção de treinadores e outros atletas. Em 2016, com apenas 18 anos, ele foi convocado para a Seleção Brasileira. Estava ali o primeiro sinal de que sua dedicação estava, de fato, sendo reconhecida. No Mundial de Jovens da Hungria, em 2017, conquistou a prata, mas a vitória pessoal ia muito além de medalhas: significava que ele, o garoto de Campina Grande, estava entre os melhores do mundo. Aquilo era só o começo de uma longa estrada.

Em 2019, no Parapan de Lima, o Brasil levou o ouro. Emerson sabia que aquela vitória era o resultado de anos de sacrifício e treino. Lima foi um momento mágico, mas também uma lição de humildade e trabalho em equipe. Nas quadras, ele tinha o apoio e a sincronia dos colegas, uma espécie de cumplicidade pelas dificuldades que partilhavam com a deficiência visual, mas profunda, que os unia e os fazia fortes diante de cada adversidade.

No entanto, seu maior desafio viria em 2020, durante os Jogos Paralímpicos de Tóquio. A pandemia havia mudado o mundo, adiando competições e introduzindo incertezas em cada etapa da preparação. Mesmo assim, ele e a equipe treinaram sem pausa, determinados a superar qualquer obstáculo. E lá estavam eles, em Tóquio, na arena, representando o Brasil. Naquela competição, o time conquistou o bronze, uma vitória que simbolizava não apenas a habilidade, mas também a resiliência de cada um dos atletas. 

E as vitórias não pararam. Em 2022, no Campeonato Mundial em Portugal e no Campeonato das Américas, ele ajudou o Brasil a levar mais duas medalhas de ouro. Cada conquista era uma renovação de sua jornada, uma afirmação de sua dedicação e do esforço coletivo da equipe. Quando, nos Jogos Parapan-Americanos de Santiago, em 2023, ele ergueu mais uma medalha de ouro, Emerson já não era apenas um atleta; ele era um ícone do esporte paralímpico, uma referência de força e inspiração.

Aos 25 anos, Emerson Silva trazia consigo uma história que ultrapassava o esporte. Era a jornada de um menino que havia encontrado no goalball uma nova forma de viver e entender o mundo, uma forma de transformar suas limitações em conquistas. Para ele nunca foi apenas um jogo. Era seu meio de expressão, seu palco de superação, o espaço onde ele fazia do silêncio um aliado e da escuridão, uma possibilidade.

Hoje, Emerson é mais que um atleta bem-sucedido. É um símbolo de perseverança e de esperança. Ele continua a inspirar outros jovens, mostrando que, com determinação e paixão, qualquer limite pode ser superado. Ele ainda entra na quadra com a mesma emoção do primeiro dia, sabendo que, ali, o som do guizo e o toque na bola ainda guardam um universo de possibilidades. E assim ele segue, guiado pelo som e pelo coração, enxergando o mundo de uma maneira única — aquela que só os verdadeiros campeões conseguem ver.

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