As manifestações anti-China vão muito além de um vírus

A repulsa japonesa contra o povo chinês é resultado de uma xenofobia enraizada
por
Adriane Garotti
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04/05/2020

   Nos países asiáticos, como China e Japão, a convivência nem sempre foi de muita harmonia. Muitos historiadores, e até mesmo algumas pessoas que vivem nesses países, afirmam que o contexto histórico da Segunda Guerra Mundial contribuiu muito para relação atual. Em tempos de coronavírus, a xenofobia está crescendo ainda mais nesses países e, além disso, a repercussão dos atos xenofóbicos estão ganhando mais  visibilidade e revolta nas redes sociais.
    A Segunda Guerra Sino-Japonesa é conhecida por ter impacto social até hoje na vida dos chineses e japoneses. Esse conflito se iniciou em 1937 e terminou em 1945, quando os Estados Unidos lançou duas bombas atômicas - uma em Hiroshima e  outra em Nagasaki -, resultando assim na rendição do Japão em ambos conflitos. Foram cerca de 20 milhões de mortos durante esses oito anos de guerra, sendo 18 milhões chineses. 
    Tudo se iniciou através do avanço e da capacitação econômica e militar  japonesa. Através disso a China passou a ser alvo da expansão territorial do Japão, marcando assim o início dos conflitos. Houveram disputas também entre China e Japão para conseguir o domínio de territórios coreanos, um exemplo é a Península da Coreia. Como os chineses não estavam em uma situação vantajosa, acabaram se tornando um alvo fácil desse espírito imperialista japonês. 
    Como afirma o historiador Voltaire Schilling, colaborador no site Terra, muitos chineses falam, até os dias de hoje, sobre a falta de consideração dos japoneses em não terem pedido desculpas pelo ocorrido, e até mesmo por não ser ensinado nas escolas japonesas o que realmente aconteceu entre os países asiáticos durante a Segunda Guerra Mundial. 
    O conflito é conhecido por seu grande desrespeito em relação aos direitos humanos. Nenhuma guerra tem comprometimento com isso, porém a brutalidade que o Japão teve na invasão do território chinês, principalmente quando se fala do massacre de Nanquim, ainda causa muita revolta nos habitantes da China. 
    O reflexo disso na sociedade contemporânea resulta em atitudes xenófobas tanto na China quanto no Japão. A diferenciação racial que estes países fazem em ambientes públicos como, por exemplo, no metrô, em restaurantes, em parques, é nítida. Segundo o site da Secretaria da Educação do Paraná, já eram 656.403 chineses vivendo no Japão em 2017. Bairros conhecidos como Chinatown, são uma das formas que os chineses encontram para reforçar suas culturas em outros países. No japão, o mais famoso fica na cidade de Yokohama. 

Chinatown em Yokohama, Japão. (Foto: Adriane Garotti)
Chinatown em Yokohama, Japão. (Foto: Adriane Garotti)

    Com a repercussão do coronavírus, os chineses passaram a ser rotulados no mundo todo como transmissores da doença. No Japão, a xenofobia só cresceu, ainda mais embasada no contexto histórico que tem com a China.  O COVID-19 teve seu primeiro caso registrado na China no início de dezembro de 2019. Neste mesmo mês, no dia 31, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta mundial da transmissão da doença. Em fevereiro, o vírus chegou no Japão. Segundo o portal de notícias G1, até 17 de março  eram de 833 casos confirmados no país e 28 mortes. 
    A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz analisa como a questão da xenofobia se descentralizou desde o início do mês de janeiro, inclusive com a chegada do vírus no Brasil. “Nós estamos aqui vivendo um momento diferente da pandemia, naquele momento a pandemia era só vinculada aos chineses, agora a situação ficou muito mais complexa, pois a pandemia ganhou um perfil que é global.”
    A linha tênue que existe entre a prevenção da doença e a liberdade para alimentar a xenofobia, fez com que muitos atos preconceituosos fossem viralizados na internet. Muitos partiram até mesmo da mídia, como o jornal francês Le Courrier Picard, que trouxe escrito em sua manchete “Alerta Amarelo”. O ato foi reconhecido como xenofobia e o jornal se desculpou. Já na Austrália, o jornal Herald Sun, trouxe em sua primeira página a figura de uma máscara escrito “China Virus Panda-monium”. Isso resultou em uma petição com 46 mil pessoas, considerando que tenha sido um episódio de discriminação racial. 
    No Japão, a xenofobia atingiu níveis muito mais graves. O dono de uma confeitaria na cidade de Hakone, na província de Kanagawa, traduziu uma frase para o idioma Chinês no qual dizia: “Proibida a entrada de chineses. Não quero que espalhem o vírus”. Este acontecimento logo recebeu duras críticas na internet, porém o confeiteiro afirmou ao jornal Asahi, que só queria se proteger do vírus, sem ofender os chineses. 
    O sentimento anti-China também foi repudiado nas redes sociais quando o Japão divulgou a hashtag #ChineseDon'tComeToJapan, que na tradução para o português significa “Chineses não venham ao Japão”. Em tempos de redes sociais, a liberdade de expressão de todo ser humano, muitas vezes é confundida e transformada em discurso de ódio na internet, como foi o caso citado acima. 
    Em países ocidentais, muitas vezes, é comum não se importar com a falta de diferenciação que as pessoas fazem em relação aos chineses, japoneses e coreanos. Lilia Schwarcz diz ainda que “toda vez que nós transformamos países, nações e grupos diferentes em uma nação só, nós estamos praticando um ato de xenofobia.”
    Essa repulsa contra os chineses no território japonês e em todo o mundo vai muito além do episódio do coronavírus. Ela também pode ser atrelada ao desenvolvimento econômico na China, que está se tornando uma forte potência mundial. O crescimento acelerado vem causando um grande desconforto em muitos países, dentre eles, os Estados Unidos.
 

 

Imagem de capa: Reprodução Sportv/Globo

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