Maioria dos candidatos ao governo de São Paulo é a favor do uso de câmeras em fardas policiais

Política implementada pelo governo João Doria auxiliou na redução da letalidade policial
por
Gabriel Alves e Laura Mello
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01/10/2022

   Dentre os candidatos ao governo de São Paulo, apenas o candidato Tarcísio Gomes (Republicanos) foi publicamente contra o uso de câmeras em fardas e viaturas policiais. Outros candidatos apoiam sem hesitação a política implementada em 2021 e outros, ainda, creem que o programa precisa de aperfeiçoamento.

    O chamado Programa Olho Vivo, que teve início durante o governo de João Dória, instaura câmeras corporais nas fardas dos policiais militares, no intuito de reduzir a letalidade nas abordagens.

    Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), a letalidade policial diminuiu cerca de 72% em todo o estado de São Paulo após a instalação das câmeras corporais nos uniformes, em agosto de 2020.

    Para se ter uma noção dessa queda, no primeiro trimestre de 2020, quando a tecnologia ainda não era utilizada, foram registradas no estado 435 mortes cometidas por policiais militares em serviço. Já no mesmo período em 2022, esse número caiu para 123 mortes. São Paulo foi o primeiro estado do país a adotar as câmeras corporais em fardas.

    Se por um lado há candidatos que simpatizam com essa tecnologia, acreditando que se trata de uma ferramenta que pode contribuir para a diminuição da violência policial, por outro há políticos que argumentam que esses dispositivos podem tirar a privacidade dos policiais e causar uma limitação na atuação destes profissionais.

 

Posicionamento dos candidatos 

 

    Fernando Haddad, candidato do PT e líder das pesquisas eleitorais para o governo de São Paulo, defende a utilização das câmeras. “Vamos ampliar a colocação de câmeras nos uniformes (fardas), que contribui para diminuir a letalidade policial, preservar a vida, em especial, da juventude negra, e proteger os policiais, que passam a ter uma prova de sua ação dentro da lei”, disse Haddad em seu plano de governo. O ex-ministro da educação ainda afirma, em sabatina ao Jornal O Globo: “não vejo nenhum constrangimento ao policial, inclusive está salvando a vidas de policiais. Então é uma coisa que tem que ser mantida e aperfeiçoada”.

    Rodrigo Garcia, atual governador e candidato à reeleição pelo PSDB, afirmou que pretende aumentar a quantidade de câmeras em batalhões da PM. “Sou a favor das câmeras no uniforme da polícia. A razão é simples: os homicídios despencaram. Ela filma o bandido e protege o policial”, comentou o candidato em suas redes sociais. Em seu plano de governo, o candidato exalta o trabalho já feito durante seu mandato, com a implementação de 8.151 câmeras em fardas policiais.

    Com alguma hesitação, o candidato Elvis Cezar, do PDT, afirma que o programa tem bom rendimento, reduzindo a letalidade, mas que é desumano deixar a força policial ser filmada 12 horas incessantemente. O candidato ainda afirma, em suas propostas para o governo, que pretende “investir em tecnologia no auxílio ao trabalho de policiamento e investigação”, mas não deixa explícito que seguirá com o Programa Olho Vivo.

    Gabriel Colombo, candidato pelo PCB, afirma em seu plano de governo que pretende “emergencialmente, expandir as câmeras corporais para 100% do efetivo da PM paulista, como medida de controle da atuação policial e de segurança, inclusive para os próprios policiais”.

    O candidato Vinicius Poit (Novo), afirma em sabatina feita pela UOL que manteria a utilização das câmeras em fardas policiais. “A gente não pode achar que nada é absoluto. Esse sistema das câmeras pode continuar se aprimorando. Eu acredito que é isso que a polícia está fazendo”.

    Ambos candidatos, Edson Dorta (PCO), Carol Vigliar (UP) e Altino de Melo Prazeres (PSTU) não comentam, em seus planos de governo, sobre a manutenção ou não dessa política. No entanto, eles defendem a desmilitarização policial.

    O único candidato ao governo de São Paulo que não apresenta proposta em seu plano de governo que mencione o programa Olho Vivo, ou a polícia militar, é Antonio Jorge (DC).

    Na contramão destes candidatos, Tarcísio Gomes (Republicanos) não se mostra favorável à utilização do equipamento. Para ele, a utilização das câmeras limita a atuação dos policiais, como argumentou no debate do último dia 17: “pergunta se o cidadão está tranquilo com tanto roubo de celular, com tanto roubo de moto [...], o cidadão de São Paulo não está tranquilo”.

 

Estratégias eleitorais e privacidade policial

 

    Para o mestre em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Gabriel de Moura, esse posicionamento de Tarcísio é uma estratégia para ganhar o apoio dos policiais durante as eleições. “Acho que o candidato Tarcísio está recorrendo a essa questão para acenar para a corporação policial, que é uma categoria mobilizada e fortemente apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, que ele quer agregar ao seu eleitorado”, disse Moura.

    Apesar disso, o cientista acredita que há a possibilidade das câmeras limitarem a atuação dos policiais. “Temo que o uso de câmeras possa intimidar os policiais no seu trabalho e que eles fiquem contendo o uso das ações necessárias com medo depois de sanções”, concluiu.

    O pesquisador Daniel Edler, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), afirma que, além dos empecilhos citados pelo cientista político e pelo candidato Tarcísio Gomes, o alto custo do programa e a perda de privacidade dos policiais e das pessoas que seriam abordadas são, também, problemas a serem solucionados.

    Para se ter um efeito comprovado da eficácia destas câmeras, elas teriam que estar filmando e captando áudio o tempo inteiro, sem o controle do policial, o que gera um problema de vigilância do trabalho desses profissionais. Além disso, vítimas em situação de extrema vulnerabilidade como, por exemplo, vítimas de estupro, podem ser filmadas. “É uma imagem extremamente sensível", afirma o pesquisador, “quem vai ter acesso à essa imagem, o que pode ser feito com ela?”

    O decreto que legaliza o programa no estado de São Paulo responde a essas perguntas, permitindo que o policial desligue a câmera em situações pessoais ou abordagens delicadas. O único procedimento para o desligamento é avisar o motivo por meio do áudio do equipamento, que será armazenado junto com o restante das filmagens do dia.

 

Queda na letalidade policial 

    

    Ainda que haja efeitos negativos com a utilização das câmeras, grande parte da população de São Paulo se diz favorável à implementação do equipamento. De acordo com um levantamento realizado pelo Datafolha, 91% da população do estado é favorável ao uso da tecnologia e apenas 7% é contra a iniciativa.

    Estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais possuem números parecidos, com 92% da população de cada região apoiando o uso das câmeras nas fardas dos policiais e, somando os três estados pesquisados, a reprovação geral é inferior a 7%. A margem de erro desta pesquisa é de três pontos percentuais para mais ou para menos, e possui confiança de 95%.

    O pesquisador Rafael Rocha, do Instituto Sou da Paz, afirma que o uso de câmeras é tão benéfico ao policial quanto à população. Com a gravação contínua, e podendo ser desligada em casos de necessidade, as filmagens trazem respaldo legal à ação do policial. Assim, o agente público garante que sua atuação e abordagem foi correta perante as leis e protocolos da corporação.

    Apesar da grande aprovação e dos números indicando baixas na letalidade policial, Daniel Edler afirma que não é possível “cravar” que essa redução tenha sido causada pela política do uso de câmeras, visto que há muitas variáveis influenciando a subida ou diminuição da violência. “Pode ter uma variável oculta que a gente não está sabendo identificar”.

    Já para Rafael Rocha, os dados estão sim conectados e possuem correlação. No entanto, apesar de ter um grande peso, a medida não é a única responsável pela queda da letalidade policial como um todo.

    “O Instituto Sou da Paz mapeou uma série de ações tomadas pela polícia militar de São Paulo, tais como a compra, disponibilização e treinamento de novos equipamentos, passando pelo monitoramento dos procedimentos operacionais e criação de uma rede de apoio psicológico ao policial. Esse conjunto de medidas mostra que quando um governo e uma força policial querem, é possível profissionalizar e melhorar a gestão sobre o uso da força”, explicou o pesquisador.

 

Capa: arquivo ponte jornalismo

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