Por Nicolly Golz
Nascida em Pernambuco, Ana é a mais nova de 13 irmãos. Ela foi a escolhida para vir a São Paulo com a sua mãe aos seus 12 anos, que buscava trabalho e uma melhor qualidade de vida. Desde pequena trabalhou, ajudou em casa e batalhou para conseguir um bom emprego, foi assim que entrou no banco e por lá ficou até casar. Aos seus 25 anos Ana se casou com um colega que conheceu no banco, um homem da cidade, da Barra Funda, de família rica e conhecida, parecia um sonho. O casamento, a lua de mel, a gravidez, o primeiro filho, mas de pouco em pouco, mesmo que nas pequenas atitudes, ela foi percebendo um abuso velado, um abuso disfarçado de preocupação, de cuidado, por isso era difícil de ser identificado e principiante confrontado.
Mesmo assim, pelo casamento, pelo filho, ela ficou. Ana permaneceu, mas se o casamento abusivo não era o suficiente para uma revolução, evolução, ou como ela mesma disse “lapidação”, a vida fez acontecer por conta própria. Após 27 anos de casamento ela descobriu um câncer de mama e iniciou os tratamentos. O seu marido, companheiro, pai do seu filho, achou que o início do tratamento de Ana seria um bom momento para também realizar uma cirurgia estética para emagrecer, por este motivo Ana foi desacompanhada em sua primeira quimio. Mas ela não encarou a doença como o fim, como uma desgraça e sim como uma chance de ressignificar sua vida. A partir desse momento ela prometeu que iria oferecer para si mesma tudo que tinha de melhor.
Ela se divorciou, venceu o câncer e foi aí que a vida a transformou em chef. No começo de 2020 Ana fez uma fornada de pastel de nata para se apresentar para os vizinhos do prédio, pouco tempo depois, com o início do confinamento, os vizinhos começaram a fazer encomendas do doce português. E assim, em meio a pandemia, Ana vendia quase 100 unidades de pasteis de nata por dia. Com o sucesso dos pastéis ela se viu na necessidade de abrir um ponto de vendas, expandir seu cardápio de doces e se aventurar nos salgados, foi aí que despretensiosamente surgiu a lasanha de bacalhau. 7 meses mais tarde o prato autoral de Ana foi premiado e ficou entre os 100 mais citados de 14.000 outros. Foi aí que Ana entrou de cabeça no mundo da gastronomia e do empreendedorismo abrindo as portas do Ateliê da Nata. Agora a busca pelo desenvolvimento pessoal tinha se expandido para o profissional e novos desafios apareceram pelo caminho, aprender a comandar uma cozinha e um restaurante não foi fácil.
Os obstáculos foram muitos, Ana, que sua vinda inteira permaneceu em uma posição de submissão, agora comandava seu próprio restaurante e chefiava sua própria cozinha e sabia que o caminho da gastronomia e do empreendedorismo não seria fácil. Cada novo passo era uma nova barreira a ser superada. Ao abrir o Ateliê da Nata, ela não apenas se tornava proprietária de um restaurante, mas assumia também o peso de ser uma mulher em um universo ainda predominantemente masculino, onde a liderança feminina muitas vezes é vista com resistência, e as mulheres enfrentam desafios que vão muito além da cozinha. No início, ela sentiu o olhar de desconfiança em cada detalhe, como se precisasse provar algo que nem sequer deveria ser questionado.
Na cozinha, Ana enfrentou o preconceito de alguns colegas que não acreditavam em sua capacidade de comandar. Muitos ainda viam a mulher no comando como uma exceção, uma intrusa em um espaço onde dominavam os homens. O desafio de se afirmar como líder, sem abrir mão de sua sensibilidade e compaixão, foi constante. Ela teve que aprender a tomar decisões difíceis, a lidar com conflitos, a impor limites, mas também a ser justa e acolhedora com sua equipe. Foi necessário quebrar paradigmas e mostrar que liderança não é uma questão de gênero, mas de competência e respeito.
Além disso, Ana enfrentou o assédio, não apenas dentro da cozinha, mas também entre os clientes. Alguns olhares mais ousados, comentários inconvenientes, e até propostas inapropriadas tornaram-se parte do seu dia a dia. A resistência de lidar com isso foi grande, mas ela se manteve firme, com a consciência de que deveria se impor para proteger não só a si mesma, mas também todas as mulheres que passavam por situações semelhantes. A luta contra o assédio no ambiente de trabalho, especialmente em um setor como o da gastronomia, não é fácil, e ela precisou aprender a estabelecer limites com firmeza e a buscar apoio quando necessário.
Em meio a todas essas dificuldades, havia a constante pressão para não falir. O Ateliê da Nata era um projeto que nasceu em meio à crise econômica da pandemia, e Ana sabia que o mercado estava volátil, os concorrentes eram muitos, e o risco de fracassar era imenso. Manter o restaurante funcionando, expandir o cardápio e conquistar novos clientes foi um processo de tentativa e erro, onde a paciência e a resiliência se tornaram suas maiores aliadas. Durante os primeiros meses, ela precisou se reinventar constantemente, ajustando-se às nova a clientela, sem perder a essência que a fazia única.
A preocupação em não falir nunca desapareceu por completo. Ela se viu em diversas situações onde as contas não fechavam, o fluxo de clientes era instável e o risco de ter que fechar as portas era real. Mas Ana não desistiu. Com coragem, persistência e apoio de amigos e familiares, ela conseguiu driblar cada obstáculo. Cada novo contrato fechado, cada cliente satisfeito, cada crítica construtiva a fez crescer e entender que o caminho do empreendedorismo não é linears exigências do mercado, inovando, e encontrando formas de continuar atraindo, mas feito de altos e baixos que exigem superação a cada dia.
O mais impressionante é que, com o tempo, Ana percebeu que a sua jornada não era apenas sobre salvar seu negócio ou ser bem-sucedida na gastronomia. Era sobre reafirmar sua identidade, se reconectar com sua essência e provar para si mesma que a verdadeira liberdade vem da coragem de se reinventar e transformar as dificuldades em aprendizado.
Durante uma das crises financeiras do Ateliê da Nata, Ana buscou apoio em uma antiga amiga. Pilar vinha de uma realidade completamente diferente, mas ambas carregavam as mesmas dores e enfrentavam desafios parecidos. Foi nesse contexto que Pilar trabalhou no ateliê por cinco meses, somando esforços em um momento decisivo.
Pilar nasceu em Mogi das Cruzes, uma cidade do interior de São Paulo, e, desde muito jovem, sentiu a necessidade de sair de casa e buscar algo maior. Aos 16 anos, ela deixou a família e se mudou para São Paulo em busca de independência e oportunidades. O primeiro caminho que escolheu foi o jornalismo, acreditando que poderia fazer a diferença por meio da comunicação. Com muito esforço e dedicação, se formou e logo ingressou na MTV, onde teve um começo promissor. No entanto, ao longo dos anos, Pilar percebeu que a paixão que sentia pelo jornalismo não era o suficiente para sustentar seu interesse. Foi então que a gastronomia entrou em cena, de maneira quase inesperada, e ela decidiu se entregar totalmente a essa nova paixão.
Pilar se inscreveu em um curso de gastronomia no Senac e começou a estagiar em restaurantes. No início, foi desafiador, mas a vontade de aprender e se superar foi maior do que as dificuldades. Ela passou por diversos estabelecimentos até assumir a chefia de um restaurante judeu, onde começou a enfrentar um novo tipo de batalha. Trabalhar em uma cozinha quase que exclusivamente composta por homens, onde a figura feminina era vista como exceção, não foi fácil. Pilar se viu sendo constantemente questionada, desacreditada e até desrespeitada por seus colegas. Em um ambiente onde a hierarquia é rígida e o machismo é comum, ela precisou provar todos os dias que sabia o que estava fazendo e que tinha autoridade para comandar.
A pressão era constante. Pilar tinha que lidar com a tensão do ambiente da cozinha, onde as horas são longas, o estresse. Mas o maior desafio não era a pressão do trabalho, e sim o fato de ser uma mulher em um ambiente onde os homens dominam. Ela sabia que, para ser respeitada, precisava se impor, e fez isso com firmeza, sem espaço para fraqueza. Era necessário ser implacável para garantir que sua liderança fosse aceita e que sua competência fosse reconhecida. Não havia margem para erros, e ela não se permitia ser vista como uma exceção, mas sim como uma profissional competente e capaz.
Mas apesar de todos os desafios, para Pilar esse era o tesão da gastronomia, a pressão, a correria e fazer acontecer, a adrenalina que a cozinha proporciona era o seu combustível diário, ela era imparável, “workaholic”, até que algo a parou. Ela foi diagnosticada com esclerose múltipla, uma doença degenerativa que afeta o sistema nervoso central. O diagnóstico a forçou a repensar sua vida e sua carreira, especialmente diante do ritmo intenso e da constante pressão que a cozinha exigia. As longas jornadas de trabalho e a tensão constante não eram mais viáveis. Pilar sabia que precisava de uma mudança.
Foi nesse momento de reavaliação que ela e sua namorada decidiram abrir um negócio próprio: um buffet de gastronomia francesa, o Ma Cherie. A ideia parecia promissora, mas não seria fácil. Pilar já sabia das dificuldades que viriam pela frente. O ambiente da gastronomia não é fácil para mulheres, principalmente quando elas decidem abrir o próprio negócio. Pilar teve que lidar com uma série de dificuldades: a resistência de alguns fornecedores, a desconfiança de certos clientes e, como sempre, a falta de reconhecimento pelo simples fato de ser mulher. Ela se viu novamente em uma posição onde precisava provar que seu negócio tinha valor e que ela era capaz de gerir uma empresa com a mesma competência que demonstrou nas cozinhas que comandou.
Além das dificuldades financeiras e operacionais, Pilar também enfrentava o desafio de equilibrar sua saúde com o trabalho. A esclerose múltipla trouxe limitações físicas e exigiu que ela repensasse sua rotina. A adrenalina das cozinhas e a tensão constante já não eram mais compatíveis com seu corpo. No entanto, ela não teve outra escolha senão continuar a luta. Quando você abre um negócio, especialmente no ramo da gastronomia, o risco de fracassar é iminente, e Pilar estava ciente disso todos os dias.
A paixão pela cozinha e o apoio de sua companheira fizeram o Ma Cherie possível, Pilar consegue conciliar a esclerose e a sua profissão com maestria e sempre deixando claro que o lugar dela, assim como o de toda mulher, é onde ela quiser estar.