Com o surgimento desta nova forma de comunicação, as redes sociais se tornaram um elemento imprescindível para permitir a comunicação em nível global. Com a consolidação do espaço virtual potencializado por dispositivos móveis, a facilidade do acesso ao debate se torna onipresente, tornando-se parte do comportamento social; característica inerente à sociedade da informação. A proliferação de informações, mediante a utilização das mídias digitais, vem fomentando estudos comportamentais dedicados para compreender o alcance do fenômeno e quais serão os seus efeitos colaterais.
O efeito é visível, a liberdade de expressão tem provocado mudanças no desenvolvimento das relações humanas em todos os campos, em especial o campo do Direito. Por ser uma área interligada ao comportamento social, vem sofrendo as constantes transformações da modernidade que impõem novos desafios aos juristas e legisladores. A questão principal são as possibilidades que há e qual forma seria correta a ser implementada, havendo uma avaliação de quais seriam coerentes para nossa democracia. Por ser um tema subjetivo, inerente a realidade de cada grupo, alcançar o equilíbrio necessário para formular novas leis que sejam coerentes à rede torna-se um desafio. Paulo Lara, coordenador da área de direitos digitais da “Artigo 19”, organização não-governamental dedicada aos direitos humanos, diz que:
“Não é possível resolver a questão de liberdade de expressão, questões de debate público e de políticas do discurso somente com leis. Elas são mecanismos e ferramentas importantes para estabelecerem parâmetros onde as empresas e pessoas poderão se balizar, mas você precisa de uma série de outras ações: ação de apropriação midiática, de descentralização de recursos, de muita educação, de alfabetização digital.”
Há dificuldade em identificar a distinção entre ilegítima censura e a regulação do conteúdo ofertado, já que é preciso compreender a sua origem e qual contexto foi aplicado. Com o constante surgimento de ferramentas de interação social, os usuários têm diante de si ferramentas na qual podem emitir sua opinião acerca de qualquer assunto, não levando em conta os aspectos pertinentes à esfera individual do outro. Plataformas como o Instagram, Facebook, Twitter, Rumble, por exemplo, dão voz aos que se encontram limitados no mundo real de expressar suas opiniões. O crescimento do acesso à rede sobe proporcionalmente aos casos de discursos de ódio e de notícias falsas, sendo necessário leis que fundamentem o campo virtual, assim como há na esfera pública tradicional. O Projeto de Lei nº 2.630/2020 (lei da Fake News), que visa instituir diretrizes relativas à transparência nas plataformas de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, seria uma alternativa de barrar conteúdos falsos ou que estimulem discursos de ódio. Para Lara, é necessário que o projeto siga adiante:
“Esse projeto de lei reflete um debate público com uma série de atores e a tentativa de chegar a um consenso ou a um resumo do que esses atores gostariam que fosse uma lei de responsabilidade, transparência das plataformas. Então, não é tanto controlar o conteúdo, mas é dar um caminho seguro para a sociedade brasileira de como a gente vai tratar.”
Como fator agravante, já presenciado na eleição americana de 2016, a empresa Cambridge Analytica usou intensivamente as plataformas digitais como o Google, Snapchat, Twitter, Facebook e YouTube para a campanha presidencial de Donald Trump. A partir dos dados dos usuários das redes sociais, a empresa tentou influenciar os eleitores americanos e seus anúncios foram vistos milhares de milhões de vezes. A atuação da Cambridge Analytica não foi ilegal, mas trouxe luz para o debate sobre a segurança das redes sociais, como seus dados estão protegidos (ou não) e como eles podem ser utilizados para moldar sua opinião - ou voto. A campanha mostrava anúncios diferentes conforme o perfil do eleitor traçado a partir da informação geográfica do usuário. Em áreas onde era mais provável votarem em Trump, foi mostrada uma imagem triunfante do candidato, já onde tinha concentração de indecisos ou não apoiadores de Trump viam os apoiadores famosos do candidato. As consequências do fenômeno não ficaram restrita aos Estados Unidos, como explica Lara:
“O Twitter, assim como outras plataformas de redes sociais, tem alcance mundial e consequência no mundo inteiro, é natural que a gente deva compreender também o gerenciamento e a conduta dessas plataformas de uma maneira mais cosmopolitana, mais global, que englobe não só diferentes setores, mas também diferentes linhas desse debate”
No dia 6 de janeiro de 2021, o então presidente Trump usou falsas alegações sobre fraude nas votação para convocar seus apoiadores a protestarem contra o resultado da eleição presidencial em Washington, DC - no dia em que as duas casas legislativas americanas deveriam ratificar a vitória de seu oponente. O resultado foi a invasão do Capitólio dos Estados Unidos que deixou cinco mortos, centenas de presos e investigados e o segundo pedido de impeachment de Trump - único a ter dois processos do tipo. O episódio foi o ápice das tentativas fracassadas de reverter a derrota eleitoral de Trump e o acontecimento foi qualificado como tentativa de autogolpe de estado. Para Lara:
“O Estado é responsável por balizar as atividades de empresas e as atividades privadas para que o bem comum não seja solapado pelo interesse individual. No caso das redes sociais, a gente tem aí uma magnitude muito grande, de uma potência muito grande de interferência no debate público. Então, é necessário que se criem mecanismos para uma participação mais direta dos vários setores interessados, para que os termos de uso, os conteúdos, os debates sobre moderação, e as políticas para evitar a desinformação e discurso de ódio, possam ser muito transparentes e aplicadas no sentido do bem comum e de fomentar um debate harmônico e saudável, muito mais do que proliferar campanhas de desinformação, principalmente aquelas que têm por trás interesses econômicos e políticos de um grupo específico.”
No dia 2 de outubro de 2022, acontece o primeiro turno das eleições gerais no Brasil, e o segundo turno, se houver, no dia 30 de outubro. Nessas eleições, serão eleitos o presidente, o vice-presidente e o Congresso Nacional; apesar de pequenas variações ficarem dentro da margem de erro, as pesquisas indicam que a diferença entre os candidatos pouco muda - resultado direto da cristalização da oposição entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL). Lara ressalta que:
“Você tem que tratar a liberdade de expressão, sabendo que existe uma elite econômica, política que sempre dominou o discurso no Brasil, e isso faz com que a gente pense na necessidade de direcionar a liberdade de expressão pra que ela não possa servir como justificativas não só de ofensas que são crimes no marco legal brasileiro, mas também que ameaçam a própria base da democracia e a própria base do estado democrático de direito que é onde a gente vive e que é o que constitui a formação democrática que possibilita a liberdade de expressão.”
O cenário polarizado entre os dois candidatos, e o uso das redes, tornam o cenário mais instável ainda, e a chance de uma invasão do Capitólio a lá brasileira, parece real. E as redes sociais, como ferramentas fomentadoras de ideologias, podem ser usadas para estimular grupos a se organizarem e se manifestarem contra o candidato eleito - como aconteceu nos Estados Unidos. O efeito da reatividade das redes pode acarretar em um ataque auto estimulando o ódio desmedido sem fundamentos.