Leitura é emancipada nas terras digitais

Com crescente monopolização do mercado literário, a leitura alternativa é mais necessária do que nunca.
por
Murari Vitorino
|
28/09/2023
 Centro de distribuição da Amazon em Nevada, nos Estados Unidos - David Becker/AFP
Centro de distribuição da Amazon em Nevada, nos Estados Unidos - David Becker/AFP

O mercado literário tem sido precarizado a tempos, a presença da Amazon praticando diversos atos monopolistas vem engessando cada vez mais e comendo uma fatia mais ampla pelos dias que se passam.

A loja virtual tem como base de seu molde de negócios a venda de livros por uma margem de preço inviável para haver sequer um mínimo de competição, com descontos abusivos inviáveis até para as editoras. O nome dessa prática é denominada dumping, que consiste em se usufruir de seu tamanho e poder capital para vender o produto dando prejuízo, apenas para que seja impossível haver uma concorrência. 

Se o consumidor se acostuma a comprar obras com 50% ou 55% de desconto em referência ao preço de capa, o mesmo acaba parecendo um preço absurdo quando não há o desconto. A longo prazo, essa ação força toda a cadeia produtiva a baixar o preço, precarizando em todos os setores mais frágeis, e a Amazon tem fôlego para se manter no prejuízo por muitos anos sem ser afetada.

A relação entre o editor e livreiro originalmente se dá no modelo de consignação, ou seja, a editora oferece os livros para a livraria com o preço combinado de antemão, e a livraria devolve os livros não vendidos e recebe uma porcentagem do lucro da venda em troca.

Com a chegada da Amazon, isso muda drasticamente, pois ela aborda o editor oferecendo na verdade comprar a vista ao invés da consignação.
 
Gabriel Landi, editor e tradutor do LavraPalavra explica “Teoricamente, a Amazon acaba comprando por um preço de capa menor do que o normal, mas oferece pagar a vista e em uma tiragem de quatro dígitos … Botando na ponta do lápis, acaba parecendo vantajoso, até você ver seu livro com um preço abaixo do preço de custo sendo vendido.”

"É uma incógnita como funciona o algoritmo da Amazon, como eles calculam os descontos oferecidos", diz Tadeu Breda, dono da editora Elefante para BBC "Às vezes ela vende a preços que eu mesmo que produzi os livros não conseguiria vender. Não é sustentável."

Ademais, além de ser um mercado nocivo para o próprio editor, o livreiro costuma ser tão prejudicado se não mais, como bem aponta o Beirigo da Livraria simples em entrevista para a mesma reportagem da BBC. "É uma concorrência extremamente desleal, já que a Amazon é uma gigante, com vários centros de distribuição espalhados pelo país, versus livrarias pequenas, que têm estruturas de operação e logística minúsculas."

Gráfico levantado pela Nielson BookData sobre a porcentagem de ocupação do mercado

De acordo com dados levantados pela Nielsen BookData para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) em 2019, é apontada a participação de vendas dos tipos de vendas literárias no Brasil.
Por mais que Nielsen não aponte a participação individual de cada empresa, é no segmento de livrarias exclusivamente virtuais que se encontram lojas como Amazon ou Submarino.


O Ativismo no mercado Monopolizado.


Apesar do monopólio digital evidente, o controle editorial de obras já vem de décadas, o viés das obras estabelecidas são impostas desde as escolas quando se é estabelecido quais obras deverão ser canonizadas no aprendizado das crianças e quais devem ser estudadas nas faculdades.

Existe uma defasagem sobre a literatura contra hegemônica com raízes profundas, apenas aprofundadas devido ao novo monopólio digital regente. Para cada Foucault lido nas faculdades, existe uma infinidade de Fanon que deixam de ser lidos, e é especialmente complexo tentar se educar de forma contra hegemônica sobre assuntos como capitalismo e imperialismo.

“Durante a Guerra Fria, existia um incentivo pesado da União Soviética da tradução de livros em várias línguas. Eles mesmos incentivaram esse trabalho justamente para divulgar esses textos para fora do país sem ser desvirtuado, mas como nós no Brasil éramos o ‘primo pobre’, sempre tivemos muito pouco acesso a um mundo de livros.” afirma Gabriel.

Portanto, com um mercado com pouca concorrência, costumava ser uma competição entre poucas famílias donas das maiores livrarias do país, como exemplo a família Saraiva que possui raízes profundas no Brasil.

E por mais que o advento da internet impactou diretamente a ordem estabelecida por uma, provavelmente, mais nociva ainda, ela também abriu espaço para algumas pequenas exceções que conseguiram se aproveitar das ferramentas capitalistas em seu benefício próprio.

Como exemplo, LavraPalavra, um projeto que se originou como um blog de militância política visando a tradução de obras socialistas para o portugês, alguns dos casos sendo a primeira tradução.

Uma ação que viabilizou a evolução do blog para uma editora propriamente dita foi a pré-venda de livros, algo que costumava ser impossível sem uma escala produtiva vantajosa na era pré internet. Com a pré -venda é possível fazer o processo de impressão com muito mais tranquilidade e possibilita também o trabalho digno de tradução profissional.

E além do mais, outra postura que ironicamente acaba sendo uma postura vantajosa é justamente não se postar como a Amazon se faz, voltando ao modelo que já era estruturado em suas origens, da consignação. Os abusos se fazem tão presentes e são sentidos tão profundamente, que às vezes uma proposta simples acaba sendo a mais atrativa.

Obviamente que não é possível crescer nos modelos capitalistas sem um incentivo massivo que jamais chegará, especialmente com propostas anticapitalistas, e o fator monopolista acentuado pelo mercado virtual agrava o cenário, mas não é impossível sobreviver e cumprir seus objetivos, especialmente se o objetivo é educação emancipadora. “[...] às vezes eu vejo algumas entregas nossas e penso ‘um cara do interior do Acre está querendo ler sobre Lenin, quais eram as chances disso acontecer poucos anos atrás?’”


Proteções anti-monopólios necessárias


Como forma de proteção, o setor tem feito a demanda de padronizar os preços de capa e estabelecer um limite de desconto oferecido pelos vendedores, justamente para ter uma resposta a tamanho sobre a situação atual. 


A proposta da Lei do Preço Fixo teria em vista limitar a 10% os descontos sobre livros no primeiro ano a partir do lançamento.
Dante José Alexandre Cid, presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros), entidade que representa as grandes editoras, têm defendido a proposta, argumentando que ela pode deixar o livro mais barato no país.


"Quando você sabe que o seu produto será vendido com descontos de até 40%, 50%, é natural aumentar o preço final para compensar os custos da cadeia produtiva. Se não houver mais descontos de 50%, ninguém vai precificar acima da capacidade de pagamento das pessoas", disse Cid, em entrevista ao jornal O Globo.
"Todo mundo já entendeu que é melhor que o livro seja acessível a todos do que cobrar caro e vender pouco. Com a Lei do Preço Fixo, o livro pode ficar mais barato, não mais caro. Ninguém quer que ele seja um produto elitizado."

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