Por Milena Camargo
Inaugurada em dezembro de 2021 e localizada em um dos polos da linha amarela do metrô de São Paulo, a até então estação ‘Vila Sônia’, foi renomeada recentemente. ‘
A afobação de São Paulo atrelada a necessidade de se localizar através do mapa metropolitano, pode fazer com que os olhos apressados desdenhem a mudança do nome de mais uma estação, de mais um bairro, em uma das cidades mais populares do País. Provavelmente, o sentido desse nome passe batido para alguns leitores – que por vezes enxergarão aquele conjunto de letras, como uma espécie de código, completamente desprovido de sentido para além de situá-los espacialmente.
Porém, para os que compreendem a motivação da mudança do nome, a ação do governo foi tida como um ato estimável; ao homenagear uma guerreira através de uma identificação visual pública. ‘Estação Vila Sônia Professora Elizabeth Tenreiro’ este se tornou o nome oficial em 14 de abril de 2023. A pedido de um abaixo assinado entregue pelo representante do Grêmio Estudantil, da Escola Estadual Thomazia Montoro, a Tarcísio de Freitas.
Sabemos que professora, mas quem é de fato Elizabeth Tenreiro? A mulher responsável por fazer com que o governador de São Paulo, não só desse existência, mas acatasse o pedido de estudantes bem-intencionados.
““A Beth gosta”, “a Beth faz”, ela sempre usava o verbo em terceira pessoa. Ela tinha vindo para contribuir bastante para nossa escola. Era uma pessoa tranquila e muito brincalhona. Os alunos respeitavam bastante, a chamavam de Betinha porque ela era bem pequeninha.”” ‘Estação Vila Sônia Professora Ana Célia da Rosa”, talvez a renomeação fosse diferente. Mas aí então a mulher de semblante acolhedor, cabelos encaracolados e sorriso leve não teria feito essa amável descrição de Beth olhando ternamente em meus olhos.
A professora de história Ana Célia da Rosa, topou conversar. A escola estava decorada para a festa de São João, com bandeirinhas por todos os cantos, pipoca, refrigerante, modões ‘a la festa junina’, sorrisos e não tão raros olhos cheios de lágrimas. A alegria transbordava o espaço, bem como a esperança de se viver um dia pós o outro. Uma linda homenagem foi feita para a minha entrevistada que se emociona ao falar: “Colocaram a música que eu mais gosto que é ‘Tocando em Frente’ do Almir Sater. Sou apaixonada por essa música”, confessou.
Ana Célia compartilhou a experiência aterrorizante com Tenreiro. Perpassou pelo som de gritos de socorro, seguido do impacto de ver a colega no chão sangrando, até que não demorasse muito, e vivenciasse a dor em seu próprio corpo. A professora de história, levou no total dezessete facadas distribuídas por cabeça, dedos, braço e pernas. Quando viu a colega ensanguentada no chão, o primeiro impulso foi o de pedir exaustivamente por ajuda. Gritou socorro até mesmo para o assassino, que até então, era um aluno como todos os outros. “Eu pedi ajuda para ele. Aí ele levantou a faca.”, afirmou.
Um aluno de treze anos é o responsável por todas as peles rasgadas à faca. Ele entrou na escola em que estava matriculado, e agrediu, à sangue frio, um total de cinco pessoas, entre elas Ana e Tenreiro – que chegou a ser atendida no Hospital das Clínicas, mas não resistiu e acabou falecendo. Mediante tamanha atrocidade, indagações como ‘onde está o sentido disso?’ e ‘até onde vai a sanidade mental desse individuo?’, rodeiam discussões a respeito do assunto.
O instituto Sou da Paz, realizou uma pesquisa que engloba um Raio-X de vinte anos (2002-2023) sobre violência nas escolas do Brasil. Segundo o estudo, em 88% dos casos os ataques são feitos por apenas um indivíduo. Na maioria das vezes esse agressor tem algum vínculo com o alvo: 92% dos agressores são alunos ou ex-alunos. Outro ponto relevante é o gênero, o grupo de agressores é composto exclusivamente por pessoas no sexo masculino. A pesquisa cita um trecho interessante do relatório “O Extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”: “Os alvos de cooptação pelo discurso de extrema-direita são majoritariamente adolescentes brancos e heterossexuais, e a misoginia exerce um papel crucial no processo. Frustração sexual e raiva do mundo, dentre outros processos típicos da adolescência, são mobilizados em espaços de discussão online onde muitos desses jovens se reúnem para desabafar ditas frustrações e confraternizar. Não à toa, mulheres são alvos frequentes de atiradores em massa.” (Cara et al, 2022, p.17).
A violência parte do sentimento de desamparo frente a humilhação e acolhimento pela sede de vingança. A pesquisa aponta duas características principais semelhantes entre muitos agressores: o sofrimento na escola, como ciúmes, ter sido castigado, ser alvo de bullying e o uso da subcultura extremista na internet. “O delegado falou que quando foi mexer nas redes sociais dele, viu que o menino já vinha pensando nisso desde 2021”, diz Ana Célia. O violentador do Thomazia, já vinha demonstrando seu desejo pelas redes sociais há mais de anos.
A responsabilidade do estado frente a esse cenário é indispensável, já que os dados mostram uma tendência, e não um caso isolado. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) divulgou uma pesquisa no início deste ano, que ouviu a comunidade escolar. Esses dados confirmam que quase 1/5 dos professores e ¼ dos estudantes se sentem inseguros dentro de sua escola. E mais de 96% dos estudantes, professores e famílias dos estudantes concordam que “O governo estadual deveria dar mais condições às escolas”.
Em abril desse ano, o governo Tarcísio de Freitas anunciou algumas novas medidas que pretende tomar frente a esse cenário para evitar novos ataques: contratação de 550 psicólogos e mil seguranças privados – que andarão desarmados.
O anseio desses adolescentes, no pedido a Tarcísio de Freitas, exprime não só a indignação frente a uma tragédia, mas principalmente o anseio pulsante por mudanças. Que o nome de Elizabeth Tenreiro seja de fato lembrado e memorado cada vez que seja lido. E que seja uma atitude governamental não só em tom de homenagem, mas de real compromisso frente às falhas públicas para com os alunos bem-intencionados – onde o abandono estatal os transforma em mal-intencionados. “Aos poucos a gente vai juntando os caquinhos”, afirma Ana Célia. E como diz Almir Sater:
“Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente”.