Judocas brasileiras enfrentam batalhas além do tatame

A rotina das atletas que lutam por mais reconhecimento
por
Fabiana Caminha
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30/09/2024

Por Fabiana Caminha

 

Poderia ser uma aula de Hot Yoga. Nos primeiros 15 minutos do treino, 26 pessoas deitadas no chão realizavam os mais diversos tipos de alongamento sob o comando do Sensei em um galpão que, apesar de bem conservado, fervia sob o sol das 14h00min em São Paulo. O Pinheiros, maior clube poliesportivo da América Latina e um dos maiores campeões em diversas modalidades olímpicas, tem no judô um de seus expoentes mais fortes. Na tarde daquela quinta-feira, os judocas se preparam para o campeonato paulista que aconteceria dentro de 2 dias. É o começo de mais um ciclo repetido incansavelmente, com pouca ou nenhuma promessa de recompensa financeira à altura. A vida de uma judoca no Brasil é, antes de tudo, uma batalha travada fora dos tatames.

No ginásio, o Sensei Marcelo Contini observa atentamente cada movimento, ajustando e corrigindo as posturas quando necessário. Esse momento inicial é crucial, não apenas para evitar lesões, mas para preparar a mentalidade para o que está por vir. Segundo ele, é nessa hora que o corpo se adapta ao esforço. Se a mente não acompanha, o treino não flui. No judô, a precisão é tudo, e a preparação mental é tão importante quanto a física. Concentrar-se nos movimentos, esquecer as pressões externas, o cansaço e a falta de recursos são parte da preparação diária.

Ali, o esforço não precisa ser verbalizado, ele é sentido nos corpos rígidos e membros enfaixados. Karol Gimenez, judoca de 27 anos já consagrada com a medalha de ouro em grandes competições internacionais como o Grand Prix de Zagreb, realizava os movimentos mesmo com a mão imobilizada, tomando alguns cuidados para não aumentar a gravidade da lesão. Ela ri da situação e garante que ali dentro ninguém está inteiro. 

 

Atletas de judô do Clube Pinheiros
Atletas de judô do Clube Pinheiros durante o treinamento. 

 

Com o corpo aquecido, o treinamento técnico começa. Sem distinção de gênero, os judocas formam duplas, e o som das quedas começa a ecoar pela quadra coberta. A cada lançamento, há um baque seco, uma mistura de força e técnica milimetricamente ajustada. São movimentos repetitivos, exaustivos, que consomem a energia aos poucos. No Brasil, é comum que homens e mulheres treinem juntos, uma realidade que reflete a falta de atletas suficientes no feminino. 

Isso não acontece apenas no Clube Pinheiros, mas em academias de todo o País. O número reduzido de mulheres no judô, muitas vezes por falta de incentivo e visibilidade, faz com que elas precisem dividir o tatame com colegas do sexo oposto para garantir o nível de treinamento. Isso exige delas não apenas uma adaptação física, já que a força de um adversário masculino costuma ser diferente, mas também uma superação psicológica, uma vez que o ambiente esportivo, historicamente dominado por homens, pode ser intimidador. Para Nauana Silva, judoca de 21 anos, esse cenário é benéfico e pode significar uma vantagem sobre outras competidoras que estão acostumadas a lutar apenas com outras mulheres.

 

Atletas de judô do Clube Pinheiros
Homens e mulheres enfrentam-se no treino de judô do Clube Pinheiros.

O treino dura cerca de três horas. As duplas são formadas de acordo com as categorias de peso, seguindo as divisões oficiais do judô, e os atletas se enfrentam por quatro minutos cronometrados com precisão pelo Sensei. Durante esse tempo, as manobras são executadas com foco absoluto, cada movimento estudado e repetido inúmeras vezes, em uma coreografia que exige a combinação de força e técnica. O objetivo não é apenas a vitória em cada confronto, mas o aprimoramento de cada detalhe, desde a postura até o timing. O som das quedas reverbera pelo ginásio, enquanto o suor escorre. A cada término de luta, 3 minutos de pausa. O suficiente para as atletas se prepararem para o próximo combate com outro colega. 

De segunda a sábado, a rotina se repete. As atletas acordam cedo e seguem diretamente para o clube, onde realizam todas as refeições e passam o restante do dia divididas entre treinos intensos, fisioterapia e musculação. Engana-se quem pensa que Domingo é dia de passar horas na cama, para Karol Gimenez, o jeito certo de aproveitar a folga é fazendo o "Descanso Ativo", isto é, praticar outros esportes que não sejam o judô. No caso dela, andar de bicicleta pela cidade, mas para Nauana, o yoga é a atividade escolhida nos momentos de lazer. 

Para as judocas, cada dia de treino é uma batalha tanto física quanto psicológica. Embora a maioria sonhe com o sucesso nas grandes competições, a realidade no Brasil nem sempre oferece o suporte necessário para atletas de alto rendimento. No Clube Pinheiros, as atletas contam com bolsas e moradia em repúblicas próximas ao centro de treinamento, mas essa é a realidade do maior clube poliesportivo do Brasil, e não reflete a situação de outros centros de treinamento espalhados pelo País, onde a infraestrutura é insuficiente e o apoio financeiro escasso.

Em meio a esse cenário, muitos atletas recorrem a alternativas para se manterem no esporte. Uma dessas opções é o Programa Atletas de Alto Rendimento, oferecido pelo Exército Brasileiro, que proporciona uma série de benefícios aos atletas militares. Nauana e Karol, ambas atletas beneficiárias da bolsa do Pinheiros, também fazem parte do programa do exército para complementar a renda e ajudar os familiares. Além do salário, o programa garante assistência médica, odontológica e fisioterápica, alimentação, alojamento e acesso completo às instalações esportivas das Forças Armadas. Para muitos atletas de diferentes modalidades, essa é a única maneira de sustentar a carreira esportiva. 

Além disso, os patrocinadores são raros. As empresas preferem investir em esportes que dão mais visibilidade ou que já estão estabelecidos no imaginário popular. O judô, apesar das medalhas olímpicas que o Brasil conquistou ao longo dos anos, ainda luta para ganhar espaço. O país do futebol, ainda engatinha no incentivo a esportes como o judô. As atletas do Pinheiros sabem disso. Para elas, cada dia é uma batalha pela própria sobrevivência. E essa é uma luta que o País, infelizmente, ainda não reconheceu como digna de apoio.

 

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