Jovens do interior se adaptam à vida acadêmica em São Paulo

Realidade desafiadora de estudantes bolsistas em busca de formação e oportunidades na capital.
por
Sophia Pietá Milhorim
|
05/11/2024

Por Sophia Pietá

 

A vida de Isabelle nunca foi fácil na cidade do agronegócio. Sua família não possuía fazendas, gados ou hectares. Sua mãe sempre a criou sozinha, com muito trabalho informal e dedicando sua vida ao estudo e bem estar dela. Sempre costumava dizer para não fazer igual a mãe, para estudar e voar para longe, abrir suas asas e não aceitar a vida pacata na cidade mineira.

Sempre interessada nos livros de história e a curiosidade em aprender sobre o mundo, Isabelle decidiu aos 16 anos que queria cursar Relações Internacionais. Para ela, o curso era uma abertura de novas oportunidades e realização de uma idealização profissional. Mas tinha um problema em seu sonho de graduação, Uberaba não possuía o curso em suas poucas universidades e o mercado de trabalho para essa área é praticamente inexistente.

A cidade de Uberaba está localizada no Triângulo Mineiro e possui mais de 350 mil habitantes. É um dos principais centros de agropecuária nacional, a maior atividade econômica local que baseia a maioria da vida de seus conterrâneos, seja nas fazendas, pastos, indústrias ou na vida acadêmica. São Paulo é a maior cidade da América Latina com mais de 12 milhões de habitantes, uma metrópole global que abriga grandes corporações, instituições financeiras, centros universitários, além de sua efervescente cena cultural e artística. 482 quilômetros separam Uberaba de São Paulo. São 482 quilômetros entre a infância de Isabelle e a sua nova realidade enquanto universitária.
 

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Crédito: Divulgação

Foi então que combinou com sua mãe que, se ela passasse em uma faculdade pública ou conseguisse uma bolsa de estudos, elas dariam um jeito dela realizar seu sonho. Juntas, acenderam velas, economizaram cada centavo e estudaram noites adentro. E assim, o esforço teve recompensas, Isabelle recebeu um email confirmando sua aprovação em Relações Internacionais na PUC-SP com uma bolsa de 100% por meio de sua nota do ENEM com o ProUNI .

No início de 2022, Isabelle percorreu os 482 quilômetros e se mudou para a grande capital. E ela não foi a única. O censo do Inep realizou, em 2018, uma análise sobre a migração de estudantes e apontou que 11% dos alunos estudantes em cursos de graduação estavam matriculados em um estado diferente daquela em que moravam. Estudantes de todo o país se mudam para longe de suas casas, famílias e conforto com o ideal de um futuro melhor por meio da universidade.

Mas a realidade para se manter em uma cidade como São Paulo não é fácil. A vida na maior cidade da América Latina é cara, perigosa e um novo universo para os estudantes de programas como o ProUNI ou Sisu. Com o bolso vazio mas a coragem cheia, o sonho do diploma reflete o esforço desses estudantes que lutam desde o estudo para o vestibular até o último dia da graduação.

Ao chegar na capital, Isabelle foi morar em uma república de meninas, pagando um valor baixo para um quarto compartilhado, onde mora ainda hoje. Ela conta que a adaptação ao ritmo de São Paulo foi uma de suas maiores dificuldades, a agitação da cidade e o trânsito caótico que tornavam seus deslocamentos diários exaustivos. Teve que aprender a lidar com a saudade da família e das amizades deixadas para trás, aprendendo a viver sozinha e amadurecer sob pressão.

Ainda que muitos enfrentam a distância e os desafios da adaptação na capital, a manutenção desses estudantes nos cursos nem sempre é garantida. Em meio às dificuldades financeiras e ao alto custo de vida, o mesmo censo aponta que, dos alunos matriculados no primeiro ano, 14,5% se afastaram das aulas, sendo que 10,4% desistiram do curso e 4,1% trancaram a matrícula.

O esforço acadêmico também é grande. A PUC-SP, considerada a melhor faculdade privada do Brasil pelo ranking universitário da Folha de São Paulo em 2024, exige um desempenho elevado e estudo constantes. Além disso, conciliar a graduação com o estágio também não é fácil. Atualmente no seu sexto período, Isabelle estagia em uma agência de marketing internacional durante toda a tarde e começo da noite, o que pesa sua rotina de transporte público e foco nos estudos.

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Crédito: Divulgação PUC-SP

A falta de recursos financeiros limitou sua vivência na faculdade e sua capacidade de socializar. O dinheiro apertado não permite Isabelle a acompanhar festas, saídas para baladas e bares que sua turma se diverte semanalmente, ela sente que perdeu um pouco de sua vivência universitária por não se encaixar no padrão da faculdade e se sentir deslocada dessa realidade. Sua maior lição nesses três anos morando em São Paulo foi aprender a lidar com as dificuldades à sua maneira, que permitiu um maior amadurecimento e independência. Por mais que a falta de dinheiro e oportunidades desiguais persistam nesses anos de faculdade, a busca por um futuro melhor a motiva a continuar e não desistir.

Na edição de 2024, o Ensino Nacional do Ensino Médio (ENEM) recebeu mais de 3 milhões de estudantes para a realização do primeiro dia de prova. Esses podem concorrer a uma chance, assim como Isabelle, de participar de programas do governo que fomentam o acesso democrático às universidades e possibilitam a matrícula em cursos e faculdades renomadas de forma gratuita. Como muitos de seus colegas, Isabelle vê no ENEM uma oportunidade de transformar sua realidade e alcançar o sonho de cursar uma faculdade. Foram necessários 482 quilômetros para que seu sonho de estar numa universidade se tornasse realidade.

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