A jornada até o tratamento psicológico é difícil, mas possível

Juliana encontrou ajuda psicológica no CAPS em 2024, depois de anos sentindo como se algo estivesse errado com si mesma.
por
Isabelli Albuquerque
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21/05/2025

Por Isabelli Silva

 

Atualmente, Juliana dá risadas falando sobre como agia na infância, seus hábitos pouco convencionais e brincadeiras diferentes, mas na época sofreu muito ao ser diferente dos demais. Ela amava colecionar coisas estranhas e até chegou a adotar um rato que encontrou na rua - isso durou apenas 4 dias, quando seu pai encontrou o bicho escondido em seu quarto e o matou. Por mais que fizesse coisas realmente esquisitas, o que mais a isolava dos outros era o fato de ser extremamente tímida.

Durante toda sua vida se sentiu diferente dos outros, era muito tímida durante a infância e enfrentava diversos problemas na escola. Desde o Ensino Fundamental teve decaídas nas suas notas, chegando até a repetir a quinta série. Sempre que os professores chamavam seus pais à escola, diziam que era preciso se esforçar mais e em certo momento sua professora de Língua Portuguesa confessou que ela era “uma garota muito boazinha, mas muito calada e meio esquisita”.

As constantes reclamações da escola e sermões de seus pais fizeram com que Juliana se sentisse insuficiente desde muito cedo. O problema era que ela se esforçava, em ambas as áreas - social e acadêmica -, mas, em relação aos estudos, parecia que o conteúdo não fixava em sua mente por mais forte que ela tentasse e, em relação a fazer amigos, toda vez que tentava sair de seu casulo era recebida com risadinhas e piadas cruéis sobre seu jeito de ser e cabelo cacheado.

Quando ela entrou na escola, passou semanas sem abrir a boca, nem mesmo para pedir para ir ao banheiro. A garota se segurava até chegar em casa e poder se aliviar. Esse fato era um dos maiores motivos de sofrer bullying na infância. Ela se lembra vividamente do dia em que não conseguiu aguentar e acabou fazendo xixi nas calças sem querer durante a aula de Educação Física, seus colegas imediatamente notaram e começaram a apontar e rir dela. Ela, naturalmente, começou a chorar e correu para fora da quadra, sendo socorrida por sua professora. Desde dia em diante, o bullying que sofria ficou mais intenso.

Toda pessoa tímida consegue se lembrar de pelo menos um momento em que alguém perguntou se ela conseguia falar, mas para Juliana isso passou de piadas ocasionais e perguntas de mal gosto. A pequena ouvia comentários maldosos sobre seu jeito e aparência constantemente, chegando até a sofrer ataques físicos de um colega em específico, que a tinha como alvo.

Diversas vezes, quando tentava se enturmar com seus colegas, era excluída das brincadeiras e conversas. Logo, ela ficou conhecida como a esquisita da escola que não falava com ninguém. Essa exclusão gerou diversos bloqueios mentais em Juliana, que criou um medo irracional de ir à escola, chegando a faltar um mês seguido na quarta série. Finalmente, ela conseguiu se formar e sua família mudou de casa, saindo da Zona Leste de São Paulo para o Centro. Essa mudança de ares gerou esperança em Juliana, que tinha acabado de completar 12 anos. A jovem nutria um sonho de que na nova escola encontraria amigos e construiria uma comunidade, saindo de seu casulo e tendo uma vida “normal”.

Certo! Uma nova escola, novas pessoas para conhecer, tudo estava indo no caminho certo para ela. As aulas começaram e já na primeira semana ela conseguiu interagir mais com seus colegas do que conseguiu durante todos os anos em que passou na antiga escola. A garota se sentia mais focada nos estudos, conseguindo compreender melhor as matérias e pedindo ajuda aos professores quando necessário.

Tudo ocorria bem, ela ainda era um pouco insegura por conta dos traumas que sofreu, especialmente em relação à sua aparência, mas se sentia mais confiante sobre seu futuro. Claro, ainda ouvia ofensas em certos momentos, seus interesses em K-POP e jogos eram motivo de piada para alguns de seus colegas, mas ela erguia sua cabeça e continuava com seu dia, pensando que pelo menos ninguém a empurrava propositalmente no chão como antes.

Até que o dia 14 de Março de 2020 chegou, o fatídico momento em que a quarentena foi declarada contra o COVID-19. Na época, todos pensavam que esse decreto duraria apenas algumas semanas, meses no máximo, então Juliana não se preocupou muito. Na verdade, a garota até se sentiu aliviada, "finalmente um pouco de descanso da escola", ela pensou. Aquele lugar que sempre a aterrorizou.

Os dias passaram, então os meses passaram e enfim um ano inteiro passou e Juliana, que se sentiu tão aliviada com uma pausa das atividades escolares, começou a desenvolver sintomas de depressão e ansiedade. O estado de sua vida familiar também não era bom.

Sua família sempre enfrentou problemas com questões financeiras. Durante algum tempo sua mãe trabalhou em dois lugares diferentes enquanto o pai passava dias fora de casa por conta de sua função como caminhoneiro. Sua irmã mais velha fez muitas vezes o papel de mãe, criando ela e seu irmão mais novo enquanto a mãe trabalhava. Quando se mudaram para o centro, no final de 2019, o pai largou o emprego para ficar mais próximo da família e começou a trabalhar como motorista de ônibus. Mas por pouco tempo.

Em outubro de 2020, ele foi despedido do novo emprego, criando mais problemas para a família. Meses se passaram até que ele encontrasse um novo trabalho, e no meio tempo a família de Juliana precisou cortar muitos gastos para conseguir sobreviver.

Esses fatores, além de outros como sua tia mais próxima ter morrido por conta do Covid, sua irmã ter saído de casa e, óbvio, a ansiedade gerada pela pandemia, fizeram com que Juliana enfrentasse dificuldades na escola novamente. Todos esses problemas fizeram com que a garota se distraísse dos deveres escolares, tendo dificuldade em estudar pelo modelo EAD e diminuindo seu desempenho.

Com o passar do tempo, Juliana foi perdendo contato com os poucos amigos que fizera durante os dias que foi presencialmente para a escola e seus sintomas foram se agravando. Ela acordava todos os dias com uma dor no peito e ia dormir cada vez mais tarde, com medo de alguma coisa, mas sem saber dizer o que. Seus dias foram ficando cada vez mais parecidos e sua saúde mental ia se agravando. De repente, a garota perdeu o sentido na vida e seus pensamentos se tornaram mais tristes e sombrios.

Então, aos 13 anos, tentou cometer suicídio. A tentativa não teve sucesso e ela foi encontrada por seu irmão mais novo. A mãe, que sempre foi muito religiosa, tentou ajudar a menina por meio da oração, mas Juliana sabia que precisava de mais além da espiritualidade. Foram mais três anos sem ajuda psicológica, e ela tentava esconder sua tristeza da família para não preocupá-los, mas isso apenas piorava seu estado. Se sentia culpada por ter causado tanto sofrimento nos entes queridos, sua mãe, em tentativas falhas de tentar ajudá-la, acabava a culpando sem intenção. Dizendo que não sabia o que iria fazer sem ela, que seu irmão tinha ficado muito espantado ao vê-la naquele estado. Suas palavras partiam o coração da garota, que começou a se sentir um estorvo para a família.

Depois da tentativa, ela era sempre vigiada por seus familiares. Seu pai preparava seu prato de comida, com medo dela ter uma faca em mãos, sua mãe entrava em seu quarto de 30 em 30 minutos para checar se tudo estava bem, até mesmo no meio da noite. Todos procurando alguma maneira de lidar com o trauma.

A mãe começou a frequentar a igreja mais vezes na semana, tentando arrastar a menina consigo. Hoje, Juliana entende melhor os motivos da mãe, mas ainda se sente um pouco desrespeitada por ter tido sua intimidade exposta ao pastor e outros membros da igreja. Em 2024, a jovem ouviu falar do CAPS ( Centro de Ajuda Psicossocial) pela primeira vez. Vindo de uma família de baixa renda, Juliana sempre soube que não conseguiria, ou melhor, não teria a coragem de pedir aos seus pais que pagassem sessões de terapia para ela. Então, ao pesquisar a fundo, descobriu que o SUS oferecia ajuda psicológica gratuita aos cidadãos necessitados.

No início foi muito difícil, sentia-se envergonhada de compartilhar seus problemas com um completo desconhecido, mas, dia após dia, foi encontrando a força que precisava para melhorar. Quando contou aos pais e irmãos que começaria sessões de terapia, eles reagiram de uma forma desconfiada, mas respiraram aliviados.

Foi graças ao CAPS que conseguiu o diagnóstico de TDAH e depressão, obtendo acesso aos meios necessários para tratar seus problemas psicológicos. As sessões privadas e atividades em grupo foram pouco a pouco ajudando a garota a se curar, descobrindo ali, uma comunidade segura e confiável. Acabou fazendo amizade com outros adolescentes que também buscavam ajuda no instituto, se sentindo compreendida pela primeira vez na vida.

Só depois de 16 anos Juliana pode se sentir "normal", ou pelo menos sem medo de ser ela mesma. A história da garota é apenas uma de várias. Sua jornada até o atendimento psicológico apropriado foi longa, com muitos desafios no meio, mas atualmente ela pode seguir com sua jornada sem preocupações.

 

 

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