Itaim Bibi e Itaim Paulista vivem realidade oposta no combate às enchentes

Ambos os bairros ocupam várzeas de rios, mas as diferenças sociais e de urbanização expõem suas realidades distintas.
por
Beatriz Gabriele e Guilherme Deptula
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03/07/2023

Mesmo xarás, Itaim Paulista e Itaim Bibi são extremamente diferentes. Na zona oeste, o “Bibi” faz parte do centro financeiro de São Paulo. Segundo a revista de economia Forbes Brasil, o bairro ostenta o metro quadrado mais caro da cidade. Já na zona leste, o “Paulista” é um dos distritos mais extremos da capital, localizado a 30 km do centro. Lá, seus moradores ocupam habitações irregulares e com pouquíssimo planejamento urbano.

 Ambos os bairros abrangem áreas inundáveis de rios de São Paulo, o Paulista na várzea do Rio Tietê, o Bibi na do Pinheiros. Embora as similaridades, o descaso do poder público divide a realidade dos dois bairros no combate às enchentes. 

“Foram 34 dias com esgoto a céu aberto na porta da minha casa", conta Darli da Silva, residente da Vila Aimoré, subdistrito do Itaim Paulista. Na década de 1950, quando o bairro foi fundado, os alagamentos já eram presentes. Mas segundo Anderson Migri, Líder Comunitário do Itaim Paulista: “Agora, as enchentes têm esgoto e têm sido mais frequentes”. 

 Na tentativa de não se contaminarem, moradores saíram de suas casas e se abrigaram na de vizinhos em situação melhor. Segundo Anderson, depois da crescente nos alagamentos, moradores relatam mais casos de diarréias e febres. “Houve gente que precisou até ser internada”, afirma o líder comunitário.

Em meio a enchente, morador do Itaim Paulista usa caiaque para se locomover.

 

A última enchente registrada no Itaim Paulista foi em 23 de fevereiro deste ano e as ruas permaneceram alagadas por mais de um mês. “Acontece de abaixar um pouco a água, compra isso, compra aquilo e limpa. Mas no outro dia, a gente acorda dentro da água de novo. Do que adiantou a limpeza?”, indaga Nelsina dos Santos, moradora da Vila Aimoré.

Essas habitações irregulares variam tanto de casas mal-assentadas à beira-rio, quanto de barracos. Segundo o Mapa da Desigualdade de 2022, o Itaim Paulista é a quarta região com mais habitações em risco geológico – áreas mais vulneráveis a fenômenos da natureza – de São Paulo.

No bairro, parte da rede de esgoto é despejada no próprio rio, a metros das habitações. Somado a isso, alguns moradores utilizam o  local para descartar lixo. Roupas, sacos plásticos rompidos e até o corpo em decomposição de um cachorro foram encontrados lá.

Enquanto isso, a 40 km do Paulista, Carlos Florentino, gerente executivo da Sociedade Amigos Itaim Bibi (SAIB), afirma que as enchentes nunca provocaram acidentes ou consequências graves aos moradores. “Só carros danificados”, afirma ele.

Carlos é funcionário do SAIB há quase uma década. Durante se tempo lá, as ruas nunca demoraram muito para desalagar depois de um temporal. “Se alagar de tarde, por exemplo, no dia seguinte já está sem água. É rápido, não é como na periferia.”, aponta Carlos.

“Nunca ouvi falar de perdas importantes aqui [Itaim Bibi]. Nada comparado com o que se vê nas periferias, por exemplo”, afirmou a psicóloga Patrícia Gimenez, que trabalha há mais de 30 anos no Itaim Bibi. Em sua perspectiva, o maior transtorno com os alagamentos é na locomoção: “Para mim, a dificuldade é o trânsito. Os pacientes demoram para chegar e eu para ir sair”. 

Apesar de reconhecer os problemas e criticar a ausência do poder público em várias áreas da capital, Patricia confirma a presença da prefeitura na sua região: “Aqui, não se pode reclamar da limpeza e da atuação. É um bairro rico, né?”. 

Vista do escritório do SAIB

O Bibi é administrado pela subprefeitura de Pinheiros. A SAIB é responsável por, entre outras funções, alertar o órgão público em caso de enchentes. De acordo com eles, quando se alaga uma via do bairro, a entidade recebe diversas ligações e e-mails dos moradores. Pressionados, eles repassam a informação para a subprefeitura, que não demora em resolver a questão.

Esse comportamento é similar nos dois Itains. Só que no Bibi, a prefeitura atende as reclamações, já no Paulista não. Por quê? 

Para o urbanista e professor da USP, Nabil Bonduki, a influência dos moradores é uma das respostas: “Em áreas de classes nobres, a prefeitura é muito pressionada por pessoas influentes na sociedade. Facilitando a solução de problemas no bairro”. 

Segundo o professor, o Itaim Bibi pertence ao chamado Vetor Sudoeste Paulista, região de grande interesse do campo privado e público. Assim, Nabil destaca o investimento destinado ao bairro: “Além do setor privado, o público passa a também desenvolver a área com sistemas de drenagens e de escoamento”. 

Acrescentando a perspectiva de Nabil, a doutora em arquitetura e urbanismo, Luciana Royer, esclarece a questão da infraestrutura: “As obras feitas ao longo de décadas na parte consolidada da cidade, permitem que as chuvas escoem rapidamente”. E conclui: “Agora, em áreas com pouca infraestrutura, a drenagem não é efetiva e o escoamento demora a ocorrer”. 

Questionada sobre a infraestrutura no Itaim Paulista, a Prefeitura de São Paulo afirmou estar executando obras de recuperação das margens e do pontilhão do córrego Lajeado.  Além disso, a gestão ressalta que está planejando obras de microdrenagem, pavimentação e macrodrenagem no bairro. 

Mas isso não é o que os moradores afirmam. Um representante da região buscou a prefeitura para alertá-los de uma enchente e a resposta recebida foi: “temos outras prioridades no momento”. 

Semelhante ao Itaim Paulista, em toda sua história, o Bibi sofreu com as inundações. Até que, na década de 1970, com a necessidade de possuir um novo centro financeiro para São Paulo, a elite da cidade se transferiu para a área onde, hoje, é composta pelo Itaim Bibi. Assim, com o Rio Pinheiros já canalizado, passa-se a investir no desenvolvimento dessa região.

Durante o período, o bairro viveu mudanças estruturais. “Favelas e habitações irregulares foram retiradas do Itaim [Bibi] e os córregos foram canalizados. Em cima deles se construíram avenidas", afirma Nabil Bonduki. Dessa forma, o bairro passa a se verticalizar, atraindo ainda mais a elite.

Assim, segundo o professor da USP, o Bibi tem menos problemas com as inundações: "Hoje, o Itaim Bibi está preparado para enfrentar as chuvas, enquanto o Paulista não”. 

 

Trecho poluído do Rio Tietê que margeia a Vila Aimoré, no Itaim Paulista.

 

Segundo Luciana Royer, a área em que vivem os entrevistados do Itaim Paulista, poderia ser menos afetada se houvesse melhor investimento público. Para a urbanista, a solução  seria: “Um ‘Plano de Saneamento Ambiental’ e de ‘Redução de Riscos’ com metas. Hierarquizadas por ordem de risco e pela renda da população”. 

 Já na visão do professor Nabil, a região deveria ser desocupada: “Eles teriam que ser deslocados para uma local mais seguro”. Segundo ele, como as moradias estão à beira-rio, a solução mais viável seria "urbanizar a região por completo”. Mas ele entende que essa proposta é utópica. 

 Parte dos habitantes do Itaim Paulista demonstram interesse em se mudar, mas as condições não os permitem. Questionados sobre o que modificariam na região, as soluções vão desde limpeza de bueiros, recolhimento do lixo, até “levantar a rua”, como sugeriu uma moradora. Mas, ao final, o desejo coletivo é apenas um: “Poderiam dar mais atenção para gente”. 

 

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