Israel X Palestina: a guerra das narrativas

A questão da Palestina foi revivida no dia 7 de outubro deste ano. Confira as diferentes opiniões e experiências de judeus e palestinos diretamente afetados pelo conflito.
por
Francisco Barreto Dalla Vecchia
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16/11/2023

Por Francisco Barreto Dalla Vecchia

 

Eloá é uma jovem judia de 19 anos que viveu sua vida em Arraial d’Ajuda, Bahia, até 2019, quando se mudou para Israel para morar com seu pai, na cidade de Ramat Gan, próximo de Tel Aviv.  

“Quando ocorreu o ataque do Hamas, no dia 7 de outubro, eu tinha saído no dia anterior com os amigos para ir para um bar. Normalmente é assim, eu estou no exército agora, né? Então, todo final de semana é assim: “ah, vamos sair para o bar, vamos ir para uma festa”, porque no dia a dia, quando não é final de semana, a gente está na base (do exército), e é tipo, muito chato, a gente fica louco para sair no final de semana.

Aconteceu numa sexta-feira à noite, se não me engano, eu tinha ido para um bar com os meus amigos, e nesse dia, eu não sei porque, eu não estava me sentindo muito bem. Eu não fiquei até tarde, normalmente eu fico até três ou quatro da manhã fora e nesse dia eu voltei tipo meia-noite. Eu estava cansada, a semana tinha sido cansativa na base e decidi ir dormir.

 

 Foi quando eu acordei às seis da manhã, com a sirene tocando super alto e fiquei pensando: “O que está acontecendo?” Mas, “o que está acontecendo”, entre aspas, né, porque como eu moro aqui há três anos, não é uma novidade, vira e mexe, sei lá, a cada três ou seis meses, tem uma sirene, que indica que está tendo um ataque de mísseis. Aí a gente corre, temos cerca de um minuto, e vamos para um abrigo, que pode ser um bunker ou um quarto antibomba. Aí, eu acordei assim, né: “meu Deus do céu!”. É uma sirene muito, muito alta, não tem como confundir com outra coisa, você sabe o que é isso. 

Eu moro com meu pai, com minha madrasta e com a minha irmãzinha. Eu acordei com eles abrindo a porta do meu quarto e gritando: “vem, vem!” e a gente foi para um bunker que tem aqui embaixo da minha casa. (...)”

“(...) eu já ouvi algumas outras vezes a sirene, só que dessa vez foi diferente, porque das outras vezes atacaram as cidades lá no sul (de Israel), e aí acabava caindo poucas bombas aqui em Tel Aviv. Eu moro no centro, né, se eles (palestinos) atacam o centro ou Jerusalém, é tipo, uma ofensa muito, muito grande. É tipo, você querer realmente brigar. A primeira vez que ouvi foi, sei lá, um ano, dois anos atrás, mas dessa vez foi diferente. Porque quando eu vi no aplicativo no celular que a gente usa, que mostra em que cidade caiu bomba, estava marcando Israel inteiro, com um pontinho vermelho de indicações de onde estavam ocorrendo os bombardeios. (...)”

Aplicativo Israelense que notifica bombardeamentos.
App israelense alerta instantaneamente sobre possíveis bombardeamentos. Fonte: arquivo pessoal da entrevistada.

“Foi um susto que todo mundo tomou. As notícias começaram a chegar, pessoas morreram, desapareceram ou foram sequestradas. Isso foi uma falha do nosso exército. Só começaram a agir contra o ataque terrorista depois de oito horas. Então, os terroristas que entraram tiveram oito horas para matar gente, arrastaram pessoas, nesse meio tempo, muita coisa aconteceu. Eles (Hamas) têm 230 reféns lá dentro. Eles mataram pessoas, estupraram mulheres e mataram bebês.

A gente começou a receber mensagens, eu estava falando com meus amigos da base, aí uma pessoa mandou para fulano, que mandou para fulaninho e acabou chegando em mim fotos e vídeos horríveis do ataque. Pessoas mortas no chão, com um monte de sangue, atiradas, assim, um horror. (...) Eu tinha amigos que foram na festa do Universo Paralelo (Rave atacada pelo Hamas) até me convidaram para ir nessa festa também, só que eu não fui.

Estava super cansada, Graças a Deus que eu não fui. Só que tinha pessoas, não são amigos próximos, mas são pessoas que eram conhecidas que foram. Pessoas que eu já tinha visto em festas ou que até já tinha conversado. Uma menina que estudava com uma das minhas melhores amigas daqui, eu sempre via ela, estavam nessa festa. Um dos meninos que ficou desaparecido por alguns dias, seu nome era Hanane, deixou todo mundo preocupado. Depois descobriram que ele foi assassinado. Foi um choque muito grande, eu estava com um ingresso comprado para ir numa festa que ele e seus amigos estavam organizando, o menino estava sentado ao meu lado, há uns dias, conversando comigo, e aí, do nada…”

Renata Gieseke Gonçalves é uma brasileira de 42 anos que vive em Millau, na França. Mesmo não sendo judia e nem israelense, ela estava presente em Tel Aviv no dia 7 de outubro e relatou para o Contraponto sua experiência, confira: 

Voluntários mobilizam esforços na preparação de marmitas para o exército, dias após o ataque do Hamas
Voluntários mobilizam esforços na preparação de marmitas para o exército, dias após o ataque do Hamas. Fonte: arquivo pessoal da entrevistada.
 

 

Limpeza étnica 

A Casa Vermelha foi construída em 1920, sendo uma das primeiras edificações da cidade de Tel Aviv, uma das principais cidades de Israel. Localizada na Rua Yarkon, no norte da cidade, o local foi originalmente o escritório central do conselho local dos trabalhadores, sendo posteriormente convertida, no ano de 1947, em quartel-general da Haganá, a mais importante milícia clandestina sionista da Palestina.  

Neste local, em 10 de março de 1948, um grupo de jovens oficiais militares judeus e dirigentes sionistas elaboraram um plano de limpeza étnica dos territórios palestinos. Na mesma noite a ordem foi encaminhada para diversos regimentos espalhados pelo território: tinha chegado a hora da expulsão sistemática das populações palestinas do território do futuro Estado de Israel. 

O modus operandis utilizado pela Haganá para expulsar os indesejados foi pautado na intimidação em larga escala: vilarejos foram sitiados e bombardeados, bens e casas foram incendiadas e demolidas e minas terrestres foram colocadas entre as ruínas para evitar o retorno dos antigos residentes. A operação de expulsão ficou conhecida como plano Dalet, representando um impulso claro a favor da criação de um estado sionista e etnicamente judeu.

Os confrontos com milícias palestinas endossaram a visão ideológica de uma Palestina etnicamente pura. Os ataques palestinos de fevereiro de 1947, ocorridos em resposta ao plano Dalet, legitimaram a continuidade da limpeza étnica em larga escala, que ocorreria em março do ano de 1948.

A missão foi comprida em seis meses. O saldo da operação foi 800 mil pessoas, metade da população Palestina, deslocada. Onze bairros urbanos foram esvaziados e quinhentos e trinta e um vilarejos ficaram destruídos.

A limpeza étnica é considerada um grave crime contra a humanidade pela Corte Penal Internacional (ICC). A Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (UNCHR) define limpeza étnica como a vontade de um estado ou regime de impor um domínio étnico sobre uma área mista (etnicamente), se utilizando da expulsão e de métodos violentos como a separação de homens e mulheres, detenção de homens, explosão de casas e por fim a subsequente ocupação dos territórios remanescentes por outra população étnica. 

A definição da enciclopédia Hutchinson é mais direta: a limpeza étnica é a expulsão à força visando homogeneizar uma população de etnia mista em um determinado território ou região.  

Essa definição é aceita pelo Departamento de Estado dos EUA, que acrescenta que parte da essência do crime é a erradicação da história de um povo de uma região. O método mais utilizado para a legitimação do despovoamento é o artifício do ódio vingativo. 

Por conta disso, os israelitas nomeiam os massacres de 1948 de Guerra de Independência, enquanto as fontes palestinas o chamam de Nakba, que significa “catástrofe” em árabe.

Para Drazen Petrovic, a limpeza étnica está associada com o nacionalismo e a formação de novos Estados-nações, sinalizando também as ligações entre os políticos e o exército na perpetuação da limpeza. O autor vai além, defendendo que os massacres podem ocorrer em decorrência das operações, mas que as matanças apenas acontecem para acelerar o processo de expulsão. O principal fruto destas ações é o surgimento de grandes populações de refugiados. Mais tarde os expulsos são esquecidos pela história popular e oficial e apagados da memória coletiva daquele país.

Diferentemente dos crimes cometidos pelo Terceiro Reich na Alemanha, ou pela Interahamwe em Ruanda, que os perpetuadores foram julgados e condenados, os perpetuadores da limpeza étnica da Palestina jamais foram julgados e agora a maioria já está morta. No caso israelita os responsáveis são bastante conhecidos, porque por um lado cometeram tais crimes e por outro foram heróis nacionais. Podemos começar com o fundador do movimento sionista, David Ben-Gurion, que curiosamente possui uma rua com seu nome no bairro paulista da Vila Sônia, em São Paulo. 

Na residência de Ben-Gurion o plano de despovoamento forçado foi planejado e sua execução foi cautelosamente supervisionada. Ele teve a ajuda de um selecionado grupo conhecido como “Havedah Hamyeazet”. O grupo formado foi bem-sucedido em seus objetivos, conseguiram de fato expulsar metade da população nativa Palestina. Nomes como Yigael Yadin e Moshe Dayan, que formariam no futuro alto oficialato das forças armadas israelenses, foram integrantes do Havedah Hamyeazet. 

Estes personagens são compreensivelmente considerados heróis em Israel porque foram responsáveis pela criação do Estado Judeu. Em contrapartida, somente o tempo dirá que atos pesarão mais na balança, quando do outro lado foram colocados os crimes contra o povo árabe da Palestina. O ex-general Yitzhak Pundak, em 2004, relatou ao Haaretz (jornal israelita) alguns dos seus atos cometidos: “Havia duas centenas de vilarejos (no front) e estes sumiram. Tínhamos de destruí-los, senão teríamos árabes aqui (em referência a área meridional da Palestina), como temos na Galileia. Teríamos outro Milhão de palestinos. (...)”    

 Em minha conversa com Eloá ela relata:

“Eu e meu pai somos judeus. Só que eu não cresci numa comunidade judia, eu cresci no Arraial d’Ajuda, minha mãe é cristã. Minha família não é nada religiosa, e eu não cresci com amigos judeus, família judia, só com meu pai mesmo. Quando ele vinha, a gente comemorava as datas celebrativas. Eu nunca me senti tão parte da comunidade judaica como eu estou me sentindo agora. Isso é muito assustador, porque, ao mesmo tempo, eu me sinto odiada pelo mundo inteiro. Eu sinto medo agora de viajar. (...)”

Todos os israelenses, homens ou mulheres, são convocados para o treinamento militar no Exército de Israel após completarem 18 anos. Os homens precisam servir durante três anos, e as mulheres por dois.

“(...) Quem vai para o front, para o combate mesmo são os combatentes, que são homens. Até existem algumas mulheres combatentes, mas elas ficam mais de vigia e fazendo outras tarefas. Eu não sou combatente também, eu sou instrutora de armas num simulador de tiro. Muitos desses combatentes que estão indo para a guerra foram ou ainda são meus alunos. Eu sou instrutora de tiro no simulador, parece tudo real, só que não é. É um local todo escuro cheio de telas. Lá podemos simular a invasão de uma casa onde tem terroristas, aprendemos a matar terroristas, como fazer a entrada, como jogar a bomba, é muito massa. (...)”

“(...) Eu vou falar para você que eu não era a favor dele (Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel). Eu sou mais inclinada para a esquerda, mas como eu estou no exército tecnicamente eu não posso participar de manifestações e coisas do gênero. Aqui em Israel todo mundo estava se manifestando contra ele (antes do ataque), todo mundo não, mas grande parte estava se manifestando contra a reforma que ele queria fazer no judiciário.

Mas uma coisa muito bonita que está acontecendo aqui com as pessoas que me deixa emocionada é o senso de união entre nós. Não importa qual é seu partido político, não importa no que você acredita, nem se você é religioso ou não, está todo mundo muito unido. Normalmente eu não concordo com todas as decisões dele (Netanyahu) mas eu acho que nesse momento ele está fazendo o que tem que fazer. Porque pensa que tem mais de 200 reféns sequestrados e, querendo ou não, Israel é o único lugar seguro para os judeus.

As pessoas judias se sentem mais seguras em uma terra que está em guerra do que em outros países. Nossa população é pequena no mundo inteiro, se compararmos, por exemplo, com a população muçulmana. Os judeus são muito, muito menores e cara, a gente é muito foda, desculpa, a gente é muito forte e muito unido, só que, ao mesmo tempo, a nossa população muito pequena. Se a gente ficar parado levantando a bandeira branca, a gente não vai existir. Veja todas essas manifestações de pessoas antissemitas no mundo inteiro contra os judeus.

As pessoas ficam falando: “coitadas dos palestinos em Gaza”, realmente, coitado dos inocentes. Mas ficar calado com o que acontece com israelenses e só se importar quando são palestinos é selecionar por quem você sente dor. Porém, não tem mais o que fazer agora, eu acho que o que está acontecendo é o que precisa ser feito e se a gente não fazer nada e simplesmente parar, se tiver um cessar-fogo, que estão pedindo, vai ser o fim de Israel. A gente não pode ser fraco, além de que todos os países vizinhos possuem grupos terroristas e alguns desses Estados também são nossos inimigos. Se Israel se mostrar fraco, vai dar fôlego para outros grupos terroristas entrarem na guerra, criando assim uma situação pior. Sempre nos falam no exército que estamos caçando o Hamas. Estamos tentando destruir especificamente o grupo terrorista, não matar inocentes. Não estamos tentando matar crianças de propósito, não estamos atirando em hospitais de propósito. Não queremos nada disso, só queremos defender nosso povo e recuperar nossos reféns.

As pessoas estão muito focadas nessa guerra de territórios. Obviamente tem uma história por trás da origem desta vingança (vingança dos palestinos), mas isso não justifica os atos terroristas.” 

Em determinado ponto de nossa conversa relembrei algumas falas do tenente-general Mordechai Gur, chefe do Estado Maior de Israel no contexto da operação Litani, que se deu em 1978. Essa operação foi a primeira ofensiva de grande escala efetuada pelas forças israelitas durante a Guerra civil Libanesa. Seu objetivo era liquidar as bases da Organização de Libertação da Palestina no país vizinho. A guerrilha palestina costumava atacar o norte de Israel como retaliação a ocupação ilegal israelense da Cisjordânia e de Gaza, territórios esses destinados pela ONU para Estado da Palestina. Em entrevista o repórter faz a seguinte pergunta:

 

— É verdade que durante a invasão israelense de março de 1978  vocês bombardearam aglomerações [de pessoas] indiscriminadamente?

General Gur - Não sou dessas pessoas que têm memória seletiva. Você acha que vou fingir não saber o que fizemos todos esses anos? O que fizemos ao longo de todo o Canal de Suez? Um milhão e meio de refugiados! Francamente, em que mundo você vive? [...] Nós bombardeamos Ismailia, Suez, Porto Said e Porto Fuad. Um milhão e meio de refugiados... Desde quando a população do sul do Líbano se tornou tão sagrada? Eles sabiam muito bem o que os terroristas estavam fazendo. Depois do massacre em Avivim, ordenei o bombardeio de quatro vilas ao sul do Líbano, sem autorização.

— Sem fazer distinção entre civis e militares?

— Que distinção? O que os habitantes de Irbid [cidade grande ao norte da Jordânia, com população majoritariamente Palestina] fizeram para merecer ser bombardeados por nós? Mas os comunicados militares sempre falaram de rebater o fogo e contra-atacar objetivos terroristas. Por favor, fala sério. Você não sabia que todo o vale da Jordânia foi evacuado de seus habitantes por causa da Guerra de Desgaste?

— Então o senhor sustenta que a população deve ser punida?

— É claro, nunca duvidei disso. Quando autorizei Yanouch a usar aviões, artilharia e tanques [na invasão], eu sabia exatamente o que estava fazendo. Faz trinta anos, desde a época da nossa Guerra da Independência, que combatemos a população civil [árabe] que mora em vilas e cidades e, cada vez que fazemos isso, surge sempre a mesma pergunta: devemos ou não atacar civis?

Após a leitura deste trecho da entrevista, indaguei-a se isso não seria um ato de terrorismo similar ao ataque do dia 7 de outubro, no que ela respondeu:

“Eu acho que é muito diferente. Tudo bem, é um pedaço de uma interpretação de uma frase que foi falada. Israel não invadiu e matou vários bebês e estuprou mulheres. Vale falar também que esse texto é de 1978, e o que aconteceu no passado não pode ser usado como desculpa. Nossa, é muito difícil explicar isso…

Eu só acho que o que está acontecendo agora em 2023, no que as pessoas estão falando agora no mundo inteiro, não sei se você viu algumas charges bastante antissemitas… se a gente for olhar fatos do passado e comparar com o presente está ocorrendo o mesmo que aconteceu no holocausto. Mas sim, um erro do passado não justifica um erro do presente.”

Questionei-a sobre a utilização do fósforo branco como arma química por Israel. O fósforo branco é uma arma química com um poderoso efeito incendiário que além de gerar queimaduras graves na pele, causa danos nos pulmões e a falência dos órgãos. O uso da substância em uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, Gaza, traz um grande risco para os civis, que se encontram praticamente sitiados. Por constituir uma violação da Convenção de Genebra de 1997, seu uso é considerado um crime de guerra. Sobre isso, Eloá respondeu: 

“Olha, eu não sabia há tanto tempo que uma guerra tem regras. É, mas eu sei, eu tenho noção de que Israel também não é perfeito, O exército também quebrou algumas regras na guerra e eu não concordo, eu acho que se tem regras elas precisam ser cumpridas. Acho que não deveria nem ter a guerra, eu nunca vou ser a favor de torturar pessoas, de matar inocentes, mas para mim os terroristas não são inocentes. Eu acredito veementemente que Israel tem que fazer o que for preciso para vencer e para recuperar as pessoas que estão sendo feitas de refém. O Hamas tem trinta crianças feitas de refém, com a mais nova com apenas 9 meses.”

A última grande questão não resolvida do século XX

No ano de 1994 o regime do Apertheid acabou na África do Sul, em 1993 a Eritreia se tornou o último país africano a alcançar a independência. A questão palestina vem sendo deliberadamente ignorada pela comunidade internacional desde o século passado e dificilmente ela será solucionada em um futuro próximo. Feita a reflexão, pergunto a Eloá se ela enxerga similaridades entre a realidade em Israel e o Apertheid na África do Sul:

“Olha, não é toda a população que pensa o mesmo. Mas rola sim, principalmente nas pessoas mais extremistas e mais religiosas, de ter sim preconceito. Mas no dia a dia eu, pelo menos não, vejo tanto influência assim. Na política sim. Ok, rola sim um preconceitozinho e realmente eu não concordo com isso. Mas de novo: nada justifica o terrorismo.”

Quando questionada sobre a ocupação de territórios palestinos por Israel, Eloá reitera: 

“Se Israel quisesse ter pegado aquelas terras, eles já teriam conseguido há muito tempo. Desde muitos anos que eles estão tentando negociar terras e muitas vezes teve negociações mais justas para os dois lados e os palestinos não aceitaram, porque eles não queriam e disseram que não era o suficiente. Somos o único país que ajuda os palestinos dando energia e água. Eles dizem: “Israel cortou o fornecimento de energia e água”. Vários países ficam dizendo: “free palestine”, mas o que eles estão fazendo de fato?”

Na minha última pergunta, questionei se os palestinos merecem o direito a um Estado soberano. No que ela respondeu: 

“Eu vou dar um ponto de vista meu depois, mas no ponto de vista comum daqui de Israel, as pessoas pensam que no mundo inteiro existem muitos países que são oficialmente islâmicos. Só existe um país judeu, então na cabeça das pessoas daqui os palestinos poderiam ir para outros lugares. O único local que os judeus têm seguro é aqui. Essa é a mentalidade da maioria das pessoas. Se eu pudesse, eu daria um país para todo mundo, é o que eu penso. Mas obviamente eu fico do lado de Israel e eu acho que os judeus merecem ter esse espaço. Talvez as coisas teriam sido menos complicadas se eles não tivessem feito questão de escolher justamente essa terra sagrada. Isso teria poupado muitas brigas futuras. Mas, ao mesmo tempo, a gente vê que essa briga não é totalmente por terras, porque os judeus já eram perseguidos muito antes de existir Israel e até muito antes do holocausto.”

O sionismo

O sionismo surgiu na Europa Central e oriental em meados da década de 1880 como um movimento de renascimento nacional, estimulado pela perseguição religiosa e pela pressão constante sobre os judeus destas regiões para que eles se assimilassem nas sociedades europeias. Desde os primeiros anos do século XX, uma parte considerável dos líderes sionistas já entendiam que o ressurgimento nacional estava intrinsecamente relacionado com a colonização da Palestina.

Tradicionalmente a Palestina foi chamada de Eretz Israel pelo judaísmo e durante séculos o local foi um destino de peregrinação religiosa. Antes do sionismo, Eretz Israel nunca tinha sido idealizada como um futuro Estado secular. 

Na tradição judaica é dito que os judeus deveriam esperar a vinda do messias prometido, no dia do juízo final, para só então retornarem para a Palestina e estabelecerem um estado teocrático no local, por conta disso diversos círculos judaicos ultraortodoxos são Anti-sionistas. O movimento sionista secularizou e nacionalizou o judaísmo. 

Segundo evidências históricas, em meados da década de 1910, diversos líderes palestinos enxergavam o sionismo como um ímpeto colonialista e missionário europeu. Colonialista devido ao fato de os expulsores serem recém-chegados, assim como os portugueses que desembarcaram no Brasil. A correlação pode parecer abstrata, visto que a colonização das Américas teve como objetivo a exploração daquele território e não só a expulsão sistemática dos nativos. Todavia, intelectuais como Gershon Shafir e Baruch Kimmerling, ambos israelitas, apontam que a similaridade entre colonialismo e sionismo se dá pela criação de uma economia judaica exclusiva, que exclui a participação de camponeses e trabalhadores árabes de suas próprias terras.   

Visitei o restaurante árabe-palestino de nome Al Janiah, localizado no Bexiga, em são Paulo. Além de restaurante, o local é um centro cultural palestino e um espaço de acolhimento aos refugiados. Lá o contraponto teve a chance de conversar com Rafat Alnajjar, que aceitou gravar uma entrevista para relatar uma fração dos acontecimentos que ocorrem diariamente na cidade de Gaza. Ouça: 

 

A declaração de Balfour, citada por Rafat,  foi um documento escrito em 1917 por Arthur James Balfour, o então secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros. O objetivo da carta era promover a criação de um estado nacional para o povo judeu, que seria localizado na Palestina. Após a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial, este território foi transferido para os Ingleses e para os franceses.  

Até o ano de 1928 aquela terra foi tratada como um estado dentro da esfera de influência britânica, não como uma colônia. Foi tentando adotar um sistema político que contasse com a representação igual de ambos os povos tanto no parlamento como no governo. Na prática, a oferta foi injusta: nos anos de 1920, entre 80% e 90% da população total da região era Palestina, o equilíbrio dentro da recém criada Câmara Legislativa estava claramente a favor da comunidade judaica, que era aliada da administração inglesa. 

Percebendo a numerosa onda de judeus que estavam chegando na região e a expansão dos assentamentos judaicos, as autoridades palestinas voltarem atrás e aceitaram a proposta de paridade feita pelos ingleses. A liderança sionista tratou de recusar. 

No ano seguinte se deu um levante palestino feito em resposta da recusa por paridade, que fez com que o governo trabalhista de Londres repensasse as demandas palestinas. Os sionistas, por sua vez, iniciaram um forte lobby que redirecionou a opinião britânica novamente para seus próprios interesses. Em 1936 ocorreu uma rebelião palestina ainda maior, o que forçou o envio de um grande número de tropas inglesas para a região. Três anos depois, a revolta foi controlada, a direção palestina foi exilada e as unidades militares palestinas foram dissolvidas: o que facilitou consideravelmente o exército de Israel nas incursões rumo ao interior, em 1947. 

Orde Charles Wingate, um oficial inglês nascido na Índia, que tinha passado sua carreira em operações no Sudão, foi realocado para a Palestina. Wingate foi responsável por mostrar para os sionistas que a criação de uma nação judaica duradouro só seria possível via um Estado Militarista. Primeiro para proteger os enclaves e colônias judaicas dentro da Palestina e principalmente para inibir a resistência do povo nativo. 

Wingate influenciou a conversão da Haganá em braço armado da Agência Judaica, o órgão responsável pela implementação dos planos de limpeza étnica. 

restaurante árabe-palestino de nome Al Janiah, localizado no Bexiga, em são Paulo.
restaurante árabe-palestino de nome Al Janiah, localizado no Bexiga, em são Paulo. Fonte: Midia Ninja
O professor palestino Rafat Alnajjar
Rafat Alnajjar é um professor palestino, que atualmente vive no Brasil como refugiado.
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