Inteligência Artificial avança na área médica, mas ainda sem regulamentação

Apesar do avanço rápido, legislação não acompanha o mesmo passo
por
Larissa Soler e Victória Toral
|
05/07/2023

Biodesign Lab - Dasa/PUC Rio
Biodesing Lab - Dasa/PUC Rio

A medicina está integrando inteligência artificial em seus processos e já auxilia os médicos nos centros cirúrgicos, sem interferir diretamente nos procedimentos. Porém, a legislação não tem acompanhado essa rápida transição. O que, para especialistas, é preocupante nas dimensões éticas e legais, não só para os médicos, mas para toda a população.

A IA já tem sido utilizada nas salas de cirurgia, identificando os pontos de incisão em uma cirurgia de catarata, auxiliando na escolha do tamanho e tipo de próteses ortopédicas e identificando áreas cerebrais que devem ser operadas e por onde acessá-la, por exemplo. 

Segundo o último dado do “Artificial intelligence index report 2022”, da Universidade Stanford, em 2021, houve um aumento de 40% no investimento em pesquisas de inteligência artificial voltadas para a saúde, quando comparado com 2020. O valor acumulado no ano equivale a 11,3 bilhões de dólares, o que posiciona o segmento como um dos maiores receptores de investimento privado na área.   

O doutor Heron Werner, especialista em medicina fetal e coordenador do Biodesign Lab, parceria da PUC-RJ com a Dasa, vem utilizando o metaverso para dar suporte nos procedimentos médicos. O laboratório também ajuda médicos a realizarem simulações cirúrgicas nos casos que estão tratando. Como por exemplo, a parceria em uma cirurgia de transplante de fígado com o Hospital São Lucas Copacabana, no Rio de Janeiro.

A estrutura em 3D permite uma análise mais certeira. Heron pontua sobre o avanço da IA: “É possível que integrar um ambiente de realidade aumentada ou mista, em forma de holografia. Ou serem encaminhadas para o metaverso, onde os especialistas podem se reunir e visualizar o exame ao mesmo tempo para discutirem estratégias”.

O especialista em medicina fetal, também, conta o caso de gêmeos que acompanhou. Eles ainda estavam no útero da mãe, e sofriam de craniópagos, quando os bebês nascem unidos pelo crânio. 

O procedimento teve nove etapas e contou com a ajuda da Inteligência Artificial:“As informações foram sendo geradas e somadas durante a gestação. Como era uma situação complexa, oferecemos para a equipe que estava acompanhando o caso tanto as imagens impressas em 3D quanto as de realidade virtual.” 

Legislação não tem acompanhado a evolução 

Apesar do grande avanço da tecnologia na área medicinal, é necessário ainda adequar as leis já existentes ao novo cenário médico. Para criar um ambiente ainda mais seguro para os pacientes e também para os profissionais.  

Em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o primeiro e mais recente relatório com diretrizes sobre a Inteligência artificial sendo usado na saúde. A ideia é fornecer um guia valioso para os países sobre como maximizar os benefícios da IA, minimizando seus riscos e evitando suas armadilhas. 

O relatório também aponta seis princípios que a tecnologia deve seguir. São eles: proteger a autonomia humana, promover o bem-estar; a segurança humana e o interesse público; garantindo transparência, explicabilidade e inteligibilidade; promovendo responsabilidade e prestação de contas; garantir inclusão e equidade; promover inteligência artificial que seja responsiva e sustentável.

A advogada Luciana Linares, especialista em direito da saúde, explica que essa adequação, assim como em muitas áreas, está no começo: “A regulação da IA na medicina é essencial e de especial urgência, tanto é que leis específicas estão sendo elaboradas pelo mundo.”

Ela também explica que o Brasil já deu um pequeno passo para essa regulamentação com a criação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: “Nela é reconhecido o direito à explicação e à revisão de decisões automatizadas, como um reflexo do direito à informação, que é previsto no Código de Defesa do Consumidor e é importante para salutar o relacionamento médico-paciente”.

Na última versão do Código de Ética Médica, segundo a professora de Bioética da PUC-SP, Cibele Saad Rodrigues, não há nenhum capítulo voltado para a Inteligência Artificial. Ela também aponta uma questão importante: “Antes de considerarmos em si a inovação, é preciso primeiro entender três questões: Para quem será destinado? Para quando? E para quê?”

Isso evitará que o avanço da IA transforme as pessoas em objeto dessa estrutura. Impedindo assim, que apenas seja aceito por ser considerado algo inevitável. Com isso, a tecnologia estará a serviço da pessoa e não o contrário: “Esses sistemas devem ser transparentes e responsáveis em suas decisões e os profissionais que usam essas tecnologias devem se responsabilizar de forma intransferível, por suas decisões finais”, explica a professora. 

“Um ponto crucial é que as pessoas saibam que estão interagindo com uma inteligência artificial, seja ao utilizá-la ou sendo analisado por ela.”, é o que analisa o coordenador da Lawgorithm e Gestor Institucional do Legal Grounds Institute, Bernardo Fico, sobre a importância de haver limite na atuação dessa tecnologia.

Mas antes mesmo de adentrar no uso cotidiano, o coordenador orienta, a necessidade de se garantir, durante o desenvolvimento, uma taxa adequada de acertos, que segundo ele, varia caso a caso.  

Sendo, antes de tudo, importante que médicos e até mesmo os pacientes entendam que a precisão da atuação da IA em um diagnóstico difere do apoio durante uma cirurgia: “A responsabilidade é um campo amplo, e há questões que precisam ser respondidas caso a caso. Essa ferramenta tem que ser desenvolvida de maneira adequada para ser confiável, mas não deve substituir a prática de um médico ", completa Bernardo.

No final de 2022, uma comissão de juristas nomeados pelo senado, entregou ao presidente da casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma proposta de projeto de lei substitutivo à Lei 21/10, do deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE), aprovado na Câmara em 2021. 

O novo texto, de 900 páginas, contém justamente essas obrigações que devem ser seguidas por fornecedores e operadores de inteligência artificial em cada área, mas ainda está parada e sem data para ser votada. “Do ponto de vista legal, atualmente não há leis claras que determinem a responsabilização, caso exista litígio”, diz Cibele. 

Para Bernardo, o projeto substitutivo visa garantir um desenvolvimento tecnológico responsável: “a IA deve atingir objetivos socialmente relevantes, sem colocar em risco direitos fundamentais da população”

A professora Cibele completa destacando a urgência do avanço do projeto de lei: “O Congresso Nacional precisa acelerar esse processo, aprovando o marco regulatório e os conselhos das diferentes categorias devem criar normativas específicas sobre IA.”

As mudanças causadas pelo avanço da Inteligência artificial na medicina, também devem chegar ao campo educacional. Para Luís Maatz, cirurgião geral, a tecnologia trará um grande avanço para a área: “Ajudará os estudantes através da realidade aumentada, para o estudo de casos clínicos, contribuirá para a melhora da qualidade da educação médica e para preparar os futuros médicos para o uso da tecnologia”. 

Porém, o médico faz um adendo, nenhum dos métodos da inteligência artificial pode substituir a relação entre médico e paciente, que começa já na faculdade: “Ela pode favorecer algumas dessas etapas, mas nada substitui a essência do ato médico: olhar seu paciente com carinho e servi-lo com presteza e dedicação”. 

A advogada Luciana concorda com Maatz e complementa: “Matérias relacionadas à clínica médica certamente vão incorporar o aprendizado dessas tecnologias, sempre com o zelo acadêmico e no sentido de valorizar a humanização da medicina”.

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