Por Mariana Castilho
Eles acordam entre 6h30min e 7h00min da manhã, tomam um café coado com bolinho de fubá, e partem para ginástica, localizada no pátio central, que fica entre a “casa dos quartos” e a “casa geral". Durante a prática da atividade física, cada um obedece seu próprio ritmo, com uma música de fundo e muita animação, a professora Dayane, fala o nome de cada exercício e descreve como executar, apesar de todos já conhecerem de cabo a rabo a sequência passada todas as segundas, quartas e sextas. São capazes de reconhecer o som de cada carro estacionado e esperar a visita no portão, de braços abertos. São moradores do Instituto para Cegos Santra Luzia, em Araçatuba, SP.
O Tunico e o Mathias sabem qual será, exatamente, sem errar nenhum ingrediente, o prato do dia, antes mesmo de ser servido. Acerta o nome da pessoa para quem dá a mão sem antes vê-la é algo que Ana e o seu Olavo, tiram de letra. Esses são os seis moradores do Instituto para Cegos Santa Luzia.
Foto: Mariana Castilho
Após a prática dentro dos muros, chega a hora de caminhar pelas ruas da cidade de Araçatuba e seguem rumo à Avenida Pompeu de Toledo. Ao longo do trajeto, as mãos esquerda vão apoiadas na parede e a direita na parede, guiados pela voz da instrutora e por seus conhecimentos da área, prestam atenção a cada som, e percebendo cada desnível da calçada, o silêncio só é interrompido pela falação eterna do Zé Carlos, sempre com alguma piada pronta ou comentário pensado.
Voltando para a habitação é chega o momento do almoço. A essa hora, todos já conseguiram sentir o cheiro do que foi preparado e sabem o menu, cada um pega seu prato de plástico para serem servidos pela Patrícia, cozinheira do Instituto. As mesas de madeira são compridas com espaço para todos sentarem juntos.
Um por um eles se levam e seguem para o quarto, saindo da “casa geral”, a qual abriga a cozinha, o refeitório, a sala de visitas e uma segunda sala para a parte administrativa, com computador e telefone, passam pelo pátio e vão a caminho da “casa dos quartos”, com oito quartos individuais. Para a organização do tráfego, a direita é ida e a esquerda é a volta, assim evitam acidentes de colisão na via de duas mão que é o longo e largo corredor no centro da morada.
O descanso sagrado tem fim quando a professora de braille aparece para a aula. Como rotina, toda terça e quinta-feira, acontecem as classes pela parte da tarde, algumas vezes, outros deficientes visuais vão ao a entidade aprender também. Os que fazem as leituras com maestria utilizam o tempo para ajudar os outros e conhecer novos livros e histórias.
Foto: Mariana Castilho
Terminando a lição, depois de um dia todo juntos, Seu Chizu conta do seu tempo como ajudante de seus pais na feira, como ia para chacará ajudar seu pai a colher o que seria vendido no dia seguinte e como não teve a escolaridade completa por não terem a assistência de que ele precisava quando criança, hoje em dia sua irmã insiste para o levar para morarem juntos em outra cidade, “com tudo do bom e do melhor” mas ele nega por já tem uma casa com tudo que precisa.
Zé Carlos relata seu acidente de moto que aconteceu depois de um dia de trabalho no escritório de contabilidade, e fala das várias cirurgias falhas para tentar recuperar sua visão, com 26 anos, preferiu ir viver no Instituto de Cegos, longe de sua família, para ter uma vida ajustada a suas necessidades “sem atrapalhar ninguém" . Seu Olavo ensina que a diabetes é uma das causas para a cegueira, e sobre como isso é comum, Ana, sua esposa, também passou pela mesma situação e hoje tem lar na fundação.
Foto: Mariana Castilho
Nesse momento o lanche da tarde fica pronto, e eles vão comer, provavelmente depois da comida tem mais tempo livre até o jantar e antes das 19h estão deitados para dormir e assim, no dia seguinte, a rotina continua como na semana anterior, e a próxima será como está, e assim, passei quase um dia todo observando com os olhos e sendo observada pela voz, pelo toque, pela força das passas, me encantei pela calma da vida levada com tempo para estar presente.
Foto: Mariana Castilho