Por Yasmin Solon
Todo mês, perto do dia 20, dona Vilma, uma idosa de 80 anos ia ao banco com o seu filho Antonio para sacar sua aposentadoria. Naquele mês de junho não foi diferente. Vestiu seu casaco de lã que levava para todos os cantos e encontrou o filho em uma segunda-feira à tarde para sacar o dinheiro a que tinha direito. No entanto, ela percebeu que o caminho desta vez era diferente. Seu filho, que sempre chamava dona Vilma de ‘matka’ (mãe em polonês), dessa vez a estava levando para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos.
Ao chegar na Casa Residencial ela não compreendeu de imediato o que estava acontecendo. Depois aceitou. Antonio não tinha condições mais de lidar com a demência senil de sua matka e precisou buscar por algum apoio nos cuidados. Na verdade, segundo as enfermeiras da Instituição, Vilma sabia da mudança há meses, mas não se recordava. Antonio, com as demandas do trabalho e sem poder considerar um apoio de seus outros dois irmãos, precisou tomar uma atitude que não se orgulhava. Nas visitas semanais, sentia um misto de amor, saudades, alegria e dor.
Dona Vilma tem uma rotina agitada no residencial. Bingos, jantares dançantes, festas, carteados e muitas outras distrações fazem com que ela viva com mais companhia. Esse alto astral às vezes contribui para que a idosa de descendência polonesa se lembre mais do passado. Com muita nostalgia, Vilma se recorda do tempo em que era ativa e muito ocupada quando mais jovem. Tinha que lidar com os afazeres de casa, cuidar dos filhos e dar aulas de natação. Toda rotina é lembrada com um sorriso no rosto. Vilma lembra de seus ‘dzieci’ (filhos em polonês) com muito amor. Apesar de ter um contato mais próximo com Antonio ela não se sente rancorosa com os demais.
Às seis da manhã as enfermeiras já acordam todo o andar com um sino. Logo em seguida é feita a organização de quarto em quarto, e na sequência, os idosos são levados ao banho. Às sete, o café da manhã é servido no refeitório, onde todos aqueles que podem ir até lá, são guiados. Em seguida, as sessões de fisioterapia são iniciadas. Depois, em dias rotineiros sem novidades, os idosos ficam no quarto assistindo TV, até o horário da próxima refeição. A Casa possui um jardim interno muito bonito, um dos poucos lugares em que não se sente o cheiro forte de urina e que é possível tomar um sol durante o dia. Lá, Vilma conheceu Miriam. Uma senhora um pouco mais nova que, apesar de ter a Casa como o mesmo destino, teve uma história diferente.
Miriam lidava com um filho abusivo e agressivo. Ele não permitia a visita de outras pessoas e cuidava de sua mãe por mera necessidade financeira. Como ele conseguia um tipo de salário, não permitia que sua mãe fosse cuidada por outras pessoas da família ou fora. Sua agressividade assustava qualquer um que pudesse tentar contato com a sua mãe e por isso, com ajuda de outros familiares, Miriam buscou uma Instituição.
Elas sempre passam o fim da tarde juntas. Após o lanche da tarde, pegam o restinho do sol e colocam o papo (ou a memória) em dia. Em seguida, assistem a novela juntas para depois jantarem e por fim, irem dormir. Sempre que Dona Vilma recebe a visita de Antonio, faz questão de incluir Miriam nas conversas e, quando possível, nos passeios. Vilma confessou que às vezes, prefere dizer ao filho que não se sente bem para sair para seguir na companhia de Miriam. Mesmo sendo diabética, Vilma traz docinhos para Miriam. Ela defende que é uma das formas de sua amiga tão especial se sentir amada.
As duas criaram um laço de amizade forte capaz de superar qualquer tédio e melancolia que possa existir na casa que tem tantos quartos. Poucos quartos da instituição estão desocupados. Isso significa que, apesar do estigma social, existem muitos idosos cheios de vida e amor para dar e receber. O refeitório cheio traz na memória de Vilma o quentinho no coração de “casa cheia”, como era de costume nos domingos passados. De repente, como no caso de Vilma e Miriam a lembrançca de uma família reunida.