Indústria da moda impõe modelo que sufoca. Mas há saídas.

A luta de uma mulher plus size em um mundo de manequins extra pequenos
por
Bruna Quirino Alves
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30/09/2024

Por Bruna Alves

Lara sorria em todas as suas fotos de criança. Incontáveis retratos enchiam a caixa de recordações da família Magalhães. As fotos em que Lara aparecia foram diminuindo com seu crescimento, sua adolescência praticamente não tinha registros, os poucos aniversários em que ela aparecia era no canto da foto e seu sorriso não estava mais lá. Enquanto me mostrava os álbuns de infância, vi de relance seus olhos marejarem com as memórias de feridas que ainda não cicatrizaram. Ela me disse que passava um filme em sua cabeça e reviver os momentos era mais doloroso do que a primeira vez, sua dor era palpável. 

Suas piores memórias envolviam roupas. Tudo o que Lara usava vinha de suas primas e ela agradecia por isso porque significava que não precisaria passar pela tortura que era tentar achar roupas do seu tamanho sob o olhar de julgamento das vendedoras - ou até de outras crianças presentes na loja que cochichavam e riam dela para suas mães. Ela conta que sempre foi gorda e que em sua família só havia mulheres gordas. Percebeu que isso era um problema à medida que ia crescendo.

Crescer sendo plus size moldou a percepção que ela tinha do que era se vestir. Seu senso estético só se desenvolveu na vida adulta, quando ela entendeu que havia espaço no mundo da moda para tamanhos maiores. Encontrar peças bem modeladas para si, de acordo com o seu gosto, era tão difícil que por anos se tornou um fator desmotivador. O cenário do mercado plus size no Brasil continua o mesmo nesse quesito, muitos consumidores, como Lara, passam por dificuldades para encontrar roupas tamanhos grandes no mercado. 

A Associação Brasileira Plus Size comprova esse panorama através de pesquisas indicando que 63% dos consumidores relatam dificuldades em encontrar seu tamanho de roupas com variedade de estilo e 77% relatam dificuldade para encontrar peças bem modeladas, que vistam bem. Recém-formada em moda, Lara explica que escolheu o curso como uma forma de entender a indústria de confecção brasileira e porquê ela enfrenta tantos desafios com o público plus size, que é quase a maioria. Ela me diz que seu projeto atual é fazer mais pesquisas de campo para entender os desejos das consumidoras que não foram atendidos nos últimos anos.

Lara explica que a sensação que muitas consumidoras sentem das roupas plus size serem “cafonas” tem embasamento pois durante muitos anos as roupas confeccionadas para os tamanhos maiores eram em sua maioria de modelos largos, escuros e lisos. Isto é, eram modelos básicos, sempre um pouco à margem da moda da estação, o que gerou uma padronização nas seções plus size das lojas. A quantidade limitada de peças maiores nas araras está diretamente relacionada com o padrão de confecção das marcas brasileiras. A maioria delas que têm seções para tamanhos maiores, na realidade praticam a numeração entre 44 e 50, que corresponderia ao midsize. Acontece que a numeração plus size nas tabelas praticadas no mercado, começa no tamanho 50 e termina no tamanho 64, em alguns casos, no tamanho 68. Sendo assim, o plus size, de fato, quase não é vendido em grandes redes de lojas varejistas, e sim em lojas específicas que pecam na pluralidade de estilos e recortes. 

Com tamanhos que não passam de 50 e modelos justos, Lara conta que o seu maior problema é comprar calças jeans. Ela adora as famosas calças “baggy” e “parachute” que são largas na cintura, tem o corte reto e normalmente são cintura baixa. Porém, achar calças nesse formato em lojas físicas beira o impossível, segundo ela, sempre ficam justas na cintura ou até não tem variedade nas lavagens e tecidos, com no máximo duas opções de jeans, com apenas o tom de diferença. Sua salvação foram as plataformas chinesas de fast fashion que foram popularizadas durante a pandemia.

O guarda-roupa de Lara agora é cheio de cores, recortes, tecidos e brilha com os glitters e paetês. Ela me mostra suas peças e quase todas que não foram feitas por ela, foram compradas na mesma loja, que de acordo com ela, foi o único lugar no qual ela conseguiu achar algo que agradasse seu senso estético e fosse do seu tamanho ou até maior. Hoje ela entende o seu estilo e tem uma relação saudável e até prazerosa com a moda. Lara tem uma visão otimista para o setor brasileiro e acredita que há espaço para a expansão do mercado, porém assume que ainda há obstáculos a serem ultrapassados: a ditadura da magreza e essa febre de remédios para emagrecimento são alguns desses empecilhos.


 

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