Por Felipe Oliveira
Ano de Copa do Mundo é sinônimo de festa para amantes do futebol. Os bares ficam lotados; as ruas movimentadas são cobertas pelas cores verde, amarelo e azul; dentro das casas é formado um ambiente de confraternização entre família e amigos; bandeiras são postas nas janelas; o grito de “Vai Brasil!”, ecoa pelo país inteiro criando uma sinfonia inclusiva de pessoas vestidas com uma só camisa, representando uma nação. Mas há uma outra Copa de um outro Mundo, a Homeless World Cup.O único objetivo é incluir e mudar a vida de diversos atletas, além de trazer esse espírito festeiro e harmônico que essa competição sempre tem a oferecer. Muito além de um simples campeonato, essa competição - realizada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) - é como se fosse uma “segunda chance”, já que seu intuito é reunir equipes formadas por pessoas em situação de vulnerabilidade de todo o mundo.
O torneiro criado em 2001 por Mel Young e Harald Schmied, ajudou a mudar a vida de mais de cem mil pessoas em situações de rua, oferecendo não apenas um ambiente de competição, mas também de empoderamento pessoal, integração social e oportunidades. Cada país tem sua própria seleção formada por pessoas em situação de vulnerabilidade, que tem a oportunidade de participar uma única vez do campeonato. Aqueles que são invisibilizados pela sociedade, receberam a oportunidade de serem vistos nas TVs. Muitos que chamavam estruturas feitas por papelão de lar agora recebem seu direito a uma moradia digna. Outros que se arriscavam todos os dias em meio a balas perdidas, conseguiram escapar antes que elas os encontrassem e aqueles que perderam a fé em suas vidas, receberam uma segunda chance. Sendo todos tratados como atletas profissionais de futebol, sem distinção de gênero ou idade.
São tantas vidas, com tantas histórias carregadas e profundas neste País, que mesmo presenciando-as diariamente, continuam sendo únicas. E foi na Coreia do Sul, na Homeless World Cup, que jovens brasileiros foram atrás do sonho de se tornarem jogadores de futebol, levando um pouco a cultura do Brasil juntamente com a magia dos seus pés, como foi o caso de Anna Carolina.
Jogadora da Seleção Brasileira de 2024 ela começou sua jornada no futebol quando criança. A garota, moradora do Rio de Janeiro, filha de mãe solo, sempre teve sua paixão pelo maior esporte do mundo. Aos 6 anos, mesmo não sendo aceita por ser uma menina, em um jogo que “era apenas para meninos”, ela não desistiu. Dois anos depois, conseguiu entrar para uma escolinha de futebol, sendo a única menina no time dos meninos. Esse marco foi só início de uma linda história de superação e empoderamento feminino no futebol de rua. E dos 8 aos 18 anos, trilhando este caminho, hoje Anna pode dizer que é uma jogadora profissional de futebol.
E o desafio deste ano foi na Coreia do Sul (19 ª edição), longe de sua cultura, família e com uma diferença linguística, Anna e todos os outros atletas da seleção brasileira que estavam no mesmo contexto, conheceram outras histórias que se uniram com as deles, criando um grande laço intercultural. Os atletas da HWC criaram um espaço de confraternização entre eles tão significativo, que mesmo sem entenderem a língua uns dos outros, conversavam e resenhavam como se fossem amigos de infância, utilizando o tradutor do celular como auxílio.
O esporte também marcou a vida de Andrew Vitor, de 20 anos, que saiu de Manaus para se aventurar nas quadras de Seul (KOR). O jovem rapaz que busca, através do futebol, inspirar tantos outros que partilham do mesmo sonho de serem atletas profissionais, hoje pode dizer que conquistou um grande feito em sua vida como jogador. Um garoto, reflexo de muitos outros, teve que sofrer, lutar e vencer para se tornar o que sempre quis ser, um jogador de futebol. Outro atleta destaque da seleção brasileira foi o goleiro Guilherme Lopes, de 18 anos, morador do RJ. Além de desempenhar um alto nível debaixo das traves, Guilherme conquistou o público por sua humildade e personalidade forte. Para o atleta, seu maior desafio nem foi relacionado ao futebol, mas sim na adaptação com a culinária sul-coreana, sendo um dos seus grandes adversários.
Adentrando no espaço competitivo da HWC, os atletas brasileiros precisaram se adaptar a um estilo diferente do futebol tradicional. A competição que incorpora as regras do street soccer, com dois tempos de sete minutos, jogados por três atletas na linha e um defendendo o gol, mostrou uma nova maneira de jogar futebol. Cada seleção contendo oito jogadores em seu elenco, formando um time inteiramente masculino, feminino ou mesmo misto, deixou evidente seu compromisso com a diversidade. Também traz regras curiosas, diferentes do futebol tradicional, como o cartão azul, que serve para expulsar um determinado jogador por dois minutos, e após o tempo suspensivo acabar, outro jogador pode entrar em seu lugar. Além disso, atletas de linha não podem adentrar a área do goleiro durante a partida (gerando uma falta ou até mesmo um pênalti para o adversário).
Dentro de quadra, os guerreiros lutaram bravamente, pegando adversários difíceis - como a Polônia nas quartas-de-finais - até se tornarem campeões na disputa da repescagem, com um gol de Andrew na final. A seleção brasileira pôde levantar uma das taças da competição e sair vitoriosa, ainda que em nono lugar na classificação geral. A Seleção Brasileira é tricampeã (2010, 2013 e 2017). Promovida pela rede Futebol Social a Copa conecta jovens e comunidades de todo o Brasil, motivando-os e fortalecendo-os. Compõem a rede projetos sociais e movimentos comunitários ativos em favelas, periferias, comunidades quilombolas e ribeirinhas, entre outros conjuntos e regiões socialmente excluídos. Participam jovens de 16 a 20 anos, que vivem em situação precária de moradia (ou sem moradia), sob risco social e sem condições plenas de desenvolvimento.
Com o lema “Futebol Social: ganhar é virar o jogo!”, a rede realiza atividades, eventos e torneios locais em diversas cidades brasileiras, em conjunto com outras ações comunitárias e de cidadania, tendo como principal resultado a convocação dos atletas destaque para participarem da Homeless World Cup. A organização acredita no esporte não apenas como entretenimento e lazer para os jovens, mas também como uma poderosa ferramenta na luta contra a pobreza e a violência do cotidiano em que estão inseridos.