Por Malu Lisboa
Ao ouvir o barulho das chuteiras, e da bola correndo, em uma quadra no Centro de São Paulo, não há dúvidas, ali nasceu um sonho. Um esporte que no Brasil é regado de preconceitos, naquela quadra existe acolhimento. Ali o futebol é composto por pessoas diversas, o Fut GLS vive dos afetos e do respeito, um lugar que você pode ser quem você é e praticar uma atividade que ama sem medo.
Ainda era pandemia, após o primeiro ciclo de vacinação, a vida começava a se encaminhar para o normal, aos poucos as pessoas começavam a sair nas ruas, fazer suas atividades, trabalhar, socializar. A economista Letícia Siqueira sentia saudades de praticar atividades físicas coletivas. Durante o período de isolamento, ela só andava de bicicleta com a PFF2 e fazia yoga.
Para matar a saudade de jogar futebol ela se reuniu com um grupo para jogar, e lá teve um sentimento estranho, ao mesmo tempo que se sentia feliz ao retornar para uma atividade que ela tanto gostava, ela que sempre praticou esportes, não se sentiu acolhida, era um time de homens, e ali começou a brotar uma ideia de um time que fosse mais inclusivo.
Enquanto as pessoas procuravam um refúgio nas redes sociais para se manterem conectadas na pandemia, Letícia viu a oportunidade de tirar do papel uma ideia que já vinha na sua cabeça há algum tempo, por um tweet. Foi nele que ela notou que não era a única a se sentir estranha em um esporte que tanto gostava, pela falta de acolhimento. Foi também nesse ambiente digital que viu Fabrício Garcia defender a necessidade de se criar um espaço seguro, para aqueles que sofrem descriminação dentro do futebol, um esporte que aqui no Brasil e em outros países é historicamente machista e LGBTfóbico. Ao final da publicação Fabs, como ela o chama, dava a ideia de criar um grupo de Whatsapp para unir os interessados em participar.
No momento em que viviam de isolamento, a proposta do grupo era criar um ambiente seguro para quem quisesse praticar futebol, um lugar que não houvesse cobrança e fosse divertido para todos, um clima leve, necessário em tempos tão difíceis como haviam passado. Assim, Letícia, Fábio e outras duas pessoas, começaram a buscar quadras no centro da cidade de São Paulo, com o intuito de ser acessível.

Em setembro de 2021, o Fut GLS ganhou vida, assim chamado o grupo de futebol que reúne pessoas LGBTQIA+, e outras que buscam um espaço mais inclusivo no esporte, o nome surgiu através de uma brincadeira com a sigla que se referia aos indivíduos que não se encaixavam no padrão de heterocisnormatividade, antigamente.
Ainda no período de normalização das atividades devido à pandemia, o Fut GLS encontrou dificuldades com o surgimento de novas ondas de Covid-19, mas a importância de um grupo como o Fut GLS, onde as pessoas poderiam ser elas mesmas, criarem laços, se enxergarem umas nas outras e se acolherem em um espaço de oposição ao futebol “tradicional”, em que homens héteros cisgêneros impõem sua masculinidade e reproduzem preconceitos, fez com que o grupo continuasse, ali Letícia fez muitas amizades que levou para vida, o mais importante deste coletivo, as amizades que ela fez pelo caminho. Considera ser importante ter um ambiente como este, onde as pessoas possam jogar tranquilamente e se divertir. Com quatro anos do grupo, ela nota que certos participantes afloraram e se soltaram ao longo do tempo, em um espaço que foi pensado para ser de acolhimento.