Por Matheus Marcolino
A partida entre UFABC Green Reapers e Zona Sul Brokenstones havia começado, mas a equipe do ABC já tinha perdido um de seus bons jogadores defensivos por uma lesão. Os Reapers não conquistaram nenhuma vitória na temporada de 2022, mas estavam numa crescente. Um treinador exclusivo havia assumido o time e comandava agora os treinamentos, que aconteciam sempre num parque abandonado na região de São Bernardo do Campo ou Santo André. O time apresentava sinais de melhora, e já conseguia, agora, competir de igual para igual com seus adversários da liga universitária.
Mesmo com a evolução, porém, a partida contra os Brokenstones estava extremamente difícil. O jogo era de mando da equipe do ABC, mas foi disputado em Interlagos, zona sul de São Paulo, num campo utilizado por muitos times diferentes - incluindo o adversário. Antes mesmo do intervalo, os Reapers estavam sem duas das suas principais peças da defesa.
Quando os atletas de ataque se alinharam para mais uma jogada, perceberam que precisavam corresponder. Não havia margem de erro. Para o recebedor Eduardo Carlos, que havia entrado no time de flag football recentemente, esse foi um momento decisivo. A bola entrou em jogo, o ataque ganhou espaço, e um defensor da equipe de Interlagos se chocou com o ombro do atacante para encerrar a corrida. Nesse ato, esse defensor deslocou uma parte de seu olho. Sangue começou a escorrer.
Apesar da tensão, não era nem a primeira nem a última vez que uma lesão desse tipo acontecia numa partida. Eduardo chamou essa partida de “jogo sangrento” - um nome que faz muito sentido para um um esporte que tem o rótulo de violento.
O ESPORTE NO BRASIL
De acordo com um estudo do IBOPE Repucom, 35% da população brasileira afirma se interessar por futebol americano. É um aumento de mais de 300% em relação a 2014, dez anos atrás, e faz do Brasil o terceiro maior mercado da NFL (National Football League, a liga estadunidense de futebol americano) no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do México.
Os últimos dez anos foram decisivos para o interesse dos brasileiros pelo esporte, e Eduardo é um bom exemplo. Ele ama esportes em geral desde criança, mas o interesse pelo futebol americano não surgiu assistindo partidas na TV ou comentando com os amigos, e sim em seu videogame. Desde que jogou o mais famoso título de futebol americano para os consoles modernos, o “Madden”, não conseguiu mais conter essa paixão. Isso fez com que ele buscasse mais formas de contato com o esporte, até que surgiu a chance de jogar no UFABC Green Reapers, equipe de flag football da Universidade Federal do ABC, da qual ele é aluno de Engenharia.
O primeiro treino de Eduardo na equipe é um bom retrato da precariedade do futebol americano nacional. Era um dia nublado, com ameaça de chuva, quando ele chegou ao parque em que a equipe combinou de mandar o treino. A situação estava longe de ser boa: cacos de vidro, galhos e todo tipo de obstáculo físico no chão. Era difícil correr com ou sem a bola. Apesar disso, porém, as condições melhoraram com o tempo, o UFABC Green Reapers estruturou uma equipe técnica, e começou a mandar jogos da liga universitária na região do ABC paulista.
A LUFA (Liga Universitária de Futebol Americano) é uma organização que vem crescendo ano a ano, junto com o esporte, mas que ainda é bastante amadora. Tudo no campeonato - desde a locação de campos e pagamento de arbitragem, até o transporte dos atletas entre as cidades - é responsabilidade dos próprios jogadores, que se organizam como dá. Para facilitar a logística, as rodadas acontecem sempre aos domingos, pela manhã, em sedes alternadas, com confrontos entre times que não juntam muitos atletas em seus elencos. Os campeonatos de flag são os mais populares, e contam com a maior quantidade de jogadores inscritos.
O “flag football” é a variação mais popular do futebol americano no mundo. É uma versão que pode ser jogada em campos bem menores, com menos jogadores (cinco contra cinco ou oito contra oito, ao contrário dos tradicionais onze contra onze) e sem equipamentos pesados (como capacetes, ombreiras e tudo mais). Por esses equipamentos de proteção não serem necessários, já que não são permitidos contatos mais físicos, jogar futebol americano fica mais barato num país de baixa renda como o Brasil.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Acostumada a eventos esportivos de futebol, a Neo Química Arena, casa do Corinthians, em Itaquera, recebeu uma partida diferente no início de setembro de 2024. Tratava-se do primeiro jogo da NFL (principal liga de futebol americano dos Estados Unidos) disputado no hemisfério sul.
A meia-entrada mais barata girava em torno dos 400 reais. Alguns ingressos melhores, como os dos setores leste e oeste inferiores, mais próximos ao gramado, podiam custar mais de 2 mil reais. Ainda assim, mesmo com uma carga de ingressos que muitas vezes ultrapassou o valor do salário mínimo nacional, o evento esgotou em questão de minutos. Na semana do jogo entre Philadelphia Eagles e Green Bay Packers, era possível encontrar ingressos sendo revendidos por até cinco vezes mais do que o valor original.
A situação manteve-se a mesma dentro do estádio. Comida e bebida também estavam mais caras do que o normal, e as camisas originais vendidas nas lojas da NFL custavam quase mil reais. A avaliação de quem organizou a partida é de que foi um sucesso. O comissário da liga norte-americana já afirmou que pretende trazer mais jogos para o Brasil no futuro, e a SPTuris, empresa de turismo da capital paulista, garante que uma nova partida será disputada na Neo Química Arena em 2025.
Os valores que a NFL faz circular são muito diferentes da realidade do futebol americano em todo o restante do mundo, incluindo o Brasil. 21 equipes disputam a Liga BFA, maior liga de “FABR”. As condições são precárias. Menos de três semanas depois da partida da NFL no Brasil, o ônibus do Coritiba Crocodiles, equipe paranaense, tombou na Via Dutra durante uma viagem ao Rio de Janeiro para uma partida contra o Flamengo Imperadores. Três jogadores morreram, incluindo Lucas de Castro Rodrigues Barros, de 20 anos, promessa da seleção brasileira de futebol americano - e que estava presente na arena do Corinthians no dia 6 de setembro. É comum que as equipes viagem em ônibus antigos, mais baratos, e façam longos caminhos na estrada para participar das partidas.
Jogar a versão “completa” do futebol americano custa mais dinheiro e “não dá futuro” para os atletas no Brasil. Por isso, o flag ganhou mais força e dá mais oportunidades aos atletas para sonharem mais alto. A modalidade fará parte do quadro olímpico dos Jogos de Los Angeles, em 2028, a pedido dos Estados Unidos, organizadores do evento.
Para Eduardo e seus colegas de time, este ciclo olímpico é a esperança de que o esporte se torne mais conhecido e que surja investimento para ter uma estrutura melhor no país. Com uma emenda parlamentar do ex-deputado Alexandre Frota, ex-atleta de futebol americano do Corinthians Streamrollers, a Prefeitura de Guarulhos está construindo um complexo esportivo para futebol americano e flag football, com direito a estádio e centro de treinamento. A promessa é que o local seja a sede da seleção e do time do Guarulhos Rhynos. Anunciada ainda em 2022, a construção recebeu cerca de R$9 milhões em verbas e tem entrega prevista para o fim de 2024.