Financeirização afeta a esperança como condição social

Os recordes nos mercados financeiros e uma inovação contínua mostram os perigos de uma economia conduzida pela especulação financeira
por
Pedro José de Oliveira zolési
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05/05/2025

Por Pedro José Zolési

 

Morador da zona leste de São Paulo, Matheus Teixeira Cardoso, de 72 anos, caminha todos os dias até a escola pública onde exerce a função de inspetor. Ele carrega um compromisso silencioso, além de supervisionar corredores ou organizar filas, assegurar que nenhuma criança repita os desafios que ele e sua família enfrentaram. Cardoso experimentou pessoalmente como a disparidade econômica pode prejudicar a esperança de um futuro mais promissor. Para ele, a escola sempre representou uma oportunidade, no entanto, os obstáculos cotidianos evidenciam que, em diversas comunidades, o sistema econômico não favorece os indivíduos.

Experimentada cotidianamente por milhões de brasileiros esta visão pode ser constatada na avaliação de José Roberto Oliveira, economista com foco em economia global. A financeirização da economia global está alterando significativamente a forma como a riqueza é produzida e para quem ela é direcionada. Oliveira explica que a sociedade está em um modelo que privilegia ganhos imediatos em mercados financeiros, frequentemente distantes da produção efetiva de bens e serviços, e, sobretudo, desligados das necessidades fundamentais da população.

A financeirização é um processo em que as finanças assumem o controle da economia, trocando a lógica da produção pelo controle de ativos financeiros tais como ações, derivativos e propriedades.  As corporações abandonam investimentos em inovação, criação de empregos e infraestrutura, direcionando seus fundos para atividades especulativas que maximizam o retorno para os acionistas. O valor deixa de ser estabelecido com base na produção e é estabelecido por números em bolsas de valores, frequentemente muito distantes da realidade do cidadão comum.

É nesse descompasso entre o mundo financeiro e a vida real que histórias como a de Matheus se tornam ainda mais significativas. Ele lembra com dor e orgulho do esforço coletivo que surgiu quando seu filho, excelente aluno, passou a frequentar as aulas sem o material escolar necessário. Não era falta de vontade, era falta de condição. Diante disso, professores, colegas e até ex-alunos se mobilizaram em uma campanha para arrecadar cadernos, livros e uniformes. Esse tipo de solidariedade, para Oliveira, revela  que a estrutura econômica dominante insiste em ignorar, a economia precisa ser feita para as pessoas. Ele defende um modelo que fortaleça o investimento público, impulsione micro e pequenas empresas, e que promova um sistema tributário mais justo. Não há necessidade de bilionários inatingíveis, mas de um país onde o sucesso de um não custe a dignidade de milhões.

A financeirização não é apenas um fenômeno técnico, é também uma escolha política e social, que se manifesta em medidas como a redução de impostos para os mais ricos, a desregulamentação de setores estratégicos e a concentração de poder em grandes fundos de investimento. Durante o atual governo de Donald Trump, por exemplo, nota-se o desmonte de políticas públicas redistributivas como um dos marcos dessa tendência. O resultado está sendo um crescimento econômico desigual e artificial, com bolhas de riqueza em contraste com o aumento da pobreza e da insegurança social.

No Brasil, embora o contexto seja diferente, os riscos são semelhantes, a dependência histórica de commodities, a má gestão de recursos públicos e a desigualdade crônica colocam o país em posição vulnerável. Oliveira acredita que ainda há tempo para mudar de rumo, desde que se invista em uma economia voltada ao bem-estar coletivo e não apenas à valorização de ativos financeiros. Enquanto isso, Matheus continua organizando pequenas campanhas de arrecadação dentro da escola. Ele sabe que, como seu filho, há muitas outras crianças cujos talentos e sonhos esbarram na escassez. Ele sabe que não pode mudar o mundo sozinho, mas pode pelo menos tentar.

A análise de Oliveira não é apenas uma crítica ao sistema, mas um chamado à ação coletiva. Ele afirma que o maior desafio das próximas décadas será reconstruir a economia como um instrumento de justiça, inclusão e eficiência — uma economia que reconheça que a verdadeira riqueza está na vida digna de todos, e não apenas nos números de uma planilha.

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Economia e Negócios

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