Por Fernando Muro Schwabe
Nos primeiros dias, a solitária caminhada se inicia logo cedo, às 6h00min da manhã. Com licença da Prefeitura de Guararema, cidade onde nasceu e trabalha, Bruno parte até Aparecida para agradecer. No caminho, outros fiéis, com diferentes razões para estarem ali, vão se aproximando e seguindo juntos com o homem de 53 anos pelo acostamento da Rodovia Presidente Dutra.
Bruno, bombeiro de 53 anos vai anualmente até Aparecida do Norte para agradecer à vida depois de ter sido baleado em um assalto. Ele é uma das milhares de pessoas que cumprem, religiosamente, uma caminhada romeira até a cidade de Aparecida do Norte. A caminhada de quase 120 km parece longa, mas para o profissional, é momento de agradecer pela "nova vida".
A longa recuperação, com quatro cirurgias em cerca de 15 meses, foi árdua, mas não parou Bruno de voltar a fazer o que ama. O bombeiro conta que começa sua jornada romeira anualmente no dia 1º de outubro, doze dias antes do feriado de Nossa Senhora Aparecida [12 de outubro]. Apesar de serem cidades na mesma região, no Vale do Paraíba, Guararema e Aparecida do Norte tem uma distância de cerca de 26 horas caminhadas e 117 km, desde sua casa até o santuário.
Na primeira de quase duas semanas, o apoio nas estradas ainda é escasso. Entretanto, com o passar dos dias e o dia de Nossa Senhora de Aparecida se aproximando, diversas pessoas se deslocam para a beira da rodovia para dar suporte, com comida, água, atendimento médico, barracas e colchonetes para descanso. Em sua maioria, esses pontos de auxílio tem suporte da Prefeitura de cidades como Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté e Quiririm.
Empresas fazem investimentos em pontos de apoio para os romeiros. Com mais de 30 mil fiéis caminhando no acostamento da rodovia em um período de 15 dias (em sua grande maioria nos últimos cinco), a ajuda da população, Prefeitura, Governo do Estado de São Paulo e marcas é essencial para que a caminhada pela fé seja concluída, mas moradores e voluntários não ligados a órgãos também estão presentes para suporte dos romeiros.
Dentre os diversos pontos de encontro, Bruno e tantos outros romeiros se juntam ao mesmo objetivo: concluir a caminhada romeira até a cidade de Aparecida do Norte. Nas barracas e vans, voluntários distribuem água, isotônico, frutas frescas, bolachas, atendimento médico e colchetes para descanso.
Mas Bruno não é o único a cometer, aos que não praticam a romaria ou acompanham a religião católica, "loucuras". José, de 66 anos, leva consigo uma cruz, de mais de dois metros de altura, feita de madeira. O servidor público, natural da cidade de Roseira–SP, a cerca de 12 km de Aparecida, sai dois dias antes do dia 12 de outubro, no Feriado de Nossa Senhora de Aparecida, e concluí o trajeto sem pressa. Apesar da idade, o romeiro conta que vai anualmente ao santuário para agradecer à saúde e a vida.
Mesmo que a distância seja curta comparada a percorrida por Bruno, José tem o desafio de levar consigo sua cruz, que construiu com as próprias mãos em 1990, quando tinha 34 anos. O fiel afirma que faz questão de levar seu objeto de fé anualmente, junto de um saco de dormir, carregador portátil para o celular e sua garrafa d'água. A caminhada solitária não deixa de ser motivo para agradecer pela oportunidade de acordar todas as manhãs e seguir trabalhando com saúde e sorriso no rosto.
Romaria
A romaria é uma atividade religiosa de peregrinação, uma manifestação popular ligada, em geral, à relação entre os devotos e o santo de sua devoção. Caracteriza-se por viagens individuais ou em grupos, a lugares sagrados, especialmente quando em visita a uma relíquia. Tem a finalidade de cumprir um voto, uma promessa, agradecer ou pedir uma graça.
Segundo Câmara Cascudo, os portugueses trouxeram a tradição das romarias para o Brasil, já que não consta que os povos originários tivessem pontos de convergência religiosa. Além disso, só os africanos convertidos ao islamismo conheceram a romaria, entretanto, não foram esses que chegaram à América como escravos entre os séculos XVI e XVIII.
Os primeiros registros da Romaria aconteceram ainda no século XVIII, entre 1740 e 1753. Entretanto, quase 150 anos depois, no início do século XX, foi onde a atividade teve sua primeira "grande onda", com apoio das igrejas católicas. O "movimento" também ganhou força com o surgimento da mídia no Brasil nas décadas seguintes, com meios de comunicação como rádio, televisão e jornais.
No Brasil, a Romaria é cada vez mais comum, com diversos "locais religiosos" onde a prática é feita. Cidades e locais como São Francisco de Canindé–CE, Bom Jesus de Pirapora–SP, Nossa Senhora de Nazaré–PA, e Aparecida-SP [a mais famosa do país] são alguns dos pontos onde os religiosos vão parar cumprir seus votos, promessas ou agradecer.
O feriado de Nossa Senhora de Aparecida é o maior movimento de Romeiros do Brasil. Em 2024, cerca de 37 mil romeiros chegaram à Aparecida do Norte, no Vale do Paraíba [interior do estado de São Paulo] para agradecer, pagar promessas ou cumprir um voto, informa a Polícia Rodoviária Federal do Estado de São Paulo.
Andando, bicicleta, cavalo, carro, ônibus. Alguns levam pertences, cruzes, e qualquer item que represente sua religião para esses locais sagrados. Seja como for, os romeiros todos caminham pelo mesmo motivo: fé.