Por Davi Garcia
Marina perdeu sua avó, a pessoa que a ensinou sobre o Candomblé e toda sua evolução espiritual. O luto a deixou uma situação que mudaria sua percepção da morte para sempre. As músicas e danças realizadas no terreiro localizado no interior de São Paulo traziam uma beleza para a morte de sua ente-querida, afinal, tinha frequentado apenas alguns enterros de parentes e conhecidos, todos de religião cristã. Marina se incomodava com a energia desses momentos, sobretudo quando sua mãe chamava para dar adeus a outros parentes ou pessoas conhecidas. Agora, as despedidas para ela eram um momento de celebração de tudo que a pessoa passou e viveu na vida. Sua avó não havia deixado de existir, mas sim mudado de plano, encerrando o ciclo vital.
A experiência de luto de Marina é parecida com a de Mariah, jovem também do interior de São Paulo que era adepta ao budismo. Embora vivesse em um ambiente com poucos adeptos ao budismo, ela tinha uma forte conexão pessoal com a religião, influenciada por seu avô, também falecido. Sem templos, monges ou qualquer comunidade budista por perto, ela foi no enterro de seu avô feito da “maneira cristã”, e acabou se perdendo dos conceitos do budismo, pois ele era o único companheiro de Mariah. No entanto, o luto serviu para rever algumas coisas que gostava de fazer na companhia dele, estando ou não ligadas à religião. Além disso, as práticas do budismo deixadas por ele fizeram a dor da perda, que é inevitável, se tornar aprendizado e evolução espiritual para Mariah, que carrega frases de seu avô tatuadas em seu corpo.
Apesar da “maneira cristã” ser considerada algo pra baixo e que muitos acabam passando pela vida, Joás diz que a religião evangélica foi importante para processar a perda de sua avó. Morando numa pequena cidade em São Paulo, o rapaz sabia que iria ao velório, realizado numa paróquia dentro do cemitério, e ao enterro. No entanto, no culto realizado antes do sepultamento, Joás também processou a situação como aprendizado.
Apesar de mais de 80% da população ser cristã, de acordo com censo do IBGE de 2010, cada experiência é individual. No caso de Joás, seguiu os ensinamentos e paixões de sua avó, e trouxe para sua família a certeza de seu legado ser passado adiante. Alex também entendeu o luto como um período transformador. O pai do rapaz, com pronblemas de saúde e psicológicos abalava a estrutura familiar de Alex. Ao ver o caixão sendo enterrado, Alex utilizou aquele momento como um novo início. Sua fé fez do luto como motivação para que sua família não passasse o mesmo, e que rituais como a “missa do sétimo dia” fossem apenas para celebrar as boas lembranças de que seu pai tinha deixado.
No entanto, há pessoas que optam por seguirem diferentes estilos de vida, fugindo de práticas cristãs, como é o caso de Lola, adepta da religião espírita que reside no interior de São Paulo. A mulher conviveu em um centro espírita localizado em um bairro residencial de sua cidade desde sua adolescência, e pautava sua personalidade no amor e evolução pregadas pela religião. No entanto, após a morte de uma amiga próxima, Lola se viu numa situação inédita: enquanto praticante do espiritismo, nunca havia perdido alguém tão querido. Porém, sua fé foi sua maior aliada nesse momento, ao crer que a amiga estava com ela nesses momentos, mesmo não estando presa ao corpo. A fé de Lola vibrava à alma de sua companheira, emanando positividade no momento de luto, além de entender que sua ente estava, enfim, livre.
No outro lado da moeda, Felipe, jovem judeu de São Paulo, viveu o luto de maneira reclusa, porém, próxima de quem mais ama. Com o falecimento de seu tio, a religião fala sobre respeitar o momento, aproximar de parentes e evitar celebrações. Com isso, Felipe aproveitou do momento para reatar sentimentos que tinham sido deixados de lado na adolescência e, consequentemente, afastando-o do judaísmo. Seu tio, que apesar de não-praticante da religião foi sepultado seguindo os procedimentos judaicos, o que motivou o jovem a dar uma segunda chance à sua fé. O “Shiva”, como se chama o processo, deu a Felipe uma ressurgida espiritual que, mesmo com uma dolorida semana de reclusão, saiu um melhor filho, neto e sobrinho.
O luto, em sua essência, é uma experiência profundamente pessoal, que se desenrola no silêncio do coração e na vastidão da alma, não obedecendo a regras universais ou a um único caminho. Cada indivíduo, ao enfrentar a perda de um ente querido, vive esse processo à sua maneira, conforme o peso de suas lembranças, os laços afetivos que os uniam e as estratégias emocionais que desenvolveu ao longo da vida. Para uns, o luto é um buraco sem fundo, onde a dor parece consumir toda a luz. Para outros, ele se apresenta como uma sombra persistente, que aos poucos vai se tornando mais tênue, mas nunca desaparecendo completamente. Em muitos casos, a religião desempenha um papel importante na construção de uma nova relação com a realidade. A fé, seja ela cristã, espírita, budista ou de outra tradição, oferece um ponto de apoio, uma maneira de dar sentido ao inexplicável. No entanto, mesmo para aqueles que não compartilham de uma crença formal, a ideia de uma continuidade ou de um propósito maior – como o de que a morte é apenas uma passagem ou uma mudança de estado – pode servir como um alicerce, um meio de encontrar algum consolo. A espiritualidade, com sua diversidade de manifestações, se torna uma forma de atravessar o sofrimento, uma forma de encontrar resiliência quando as palavras falham e as emoções se tornam um emaranhado difícil de entender. A fé pode não eliminar a dor, mas muitas vezes oferece uma maneira de perceber essa dor como parte de um processo maior, como uma oportunidade para o aprendizado e a reflexão sobre a impermanência da vida. O luto, assim, passa a ser não só um sofrimento, mas também uma possibilidade de renovação interior.