Famílias encontram esperança em ocupações urbanas

Terrenos abandonados oferecem não apenas moradia, mas também a chance de construir uma comunidade
por
Vitória Nascimento
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12/06/2025

Por Vitória Nascimento

 

Maria Santos já havia passado por outras ocupações antes, mas foi na Jardim da União, localizada no Grajaú, zona sul de São Paulo, que ela realmente pôde crescer. Essa ocupação foi formada em 12 de outubro de 2013, quando trabalhadores despejados de outras áreas da região tomaram posse de um terreno abandonado pertencente à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU). Na época, ela tinha apenas nove anos, e sua família estava entre os que participaram dessa ocupação.

As lembranças de Maria sobre os outros assentamentos onde viveu são vagas e se confundem, mas ela sabe que foram mais de um. Sua memória se torna mais clara a partir de 2014, quando seus pais, que já haviam erguido uma pequena casa provisória na Jardim da União, finalmente puderam levar seus filhos para morar com eles. Até então, a jovem e seus três irmãos viviam com os avós, enquanto os pais trabalhavam na construção do novo lar.

No início, as condições eram difíceis. Como em outras ocupações, o medo de despejo era constante. Quando era mais nova, ela não entendia muito bem o que isso significava, mas, com o tempo, passou a perceber o peso das consequências caso fossem forçados a deixar o terreno. Para sua família, o assentamento representava a única chance de ter uma casa digna para seis pessoas, um espaço onde não precisariam mais se apertar em moradias com apenas dois cômodos.

Ela lembra que esses períodos eram marcados pelas expressões tristes dos pais, que ficavam ansiosos, se perguntando para onde iriam e quais seriam os próximos passos. Maria sempre foi poupada da violência que ocorre nas desocupações, pois, quando os pais percebiam o clima tenso, mandavam ela e os irmãos dormirem na casa dos avós que não moravam muito longe dali. Para ela, uma das partes mais difíceis não foi o que aconteceu antes ou durante a desocupação, mas sim ver, semanas depois, o terreno onde antes havia tantas casas, inclusive a dela, completamente vazio, como se nunca tivessem passado ali.

Apesar das dificuldades, a infância da menina no Jardim da União foi marcada por amizades e brincadeiras com outras crianças da ocupação. Enquanto os adultos construíam as casas, as crianças se divertiam, criando laços que persistem até hoje. Para Maria, a ocupação não significou apenas um teto, mas também uma comunidade onde pôde se sentir verdadeiramente em casa.

Como comunidade, os moradores sempre foram muito unidos e precisavam ser para manter tudo funcionando, já que não contavam com o apoio da Prefeitura. No início, e por muitos anos, ficaram sem serviços básicos, como coleta de lixo. Para manter as ruas e vielas limpas, criaram regras próprias, definindo dias e locais para a coleta. Também instalaram, por conta própria, pontos de luz nas vias, garantindo iluminação à noite. Aos poucos, foram transformando o terreno abandonado em um lugar habitável.

Criaram ainda uma horta comunitária, da qual a mãe de Maria faz parte. Todos os moradores podem ajudar a cuidar das plantações e colher o que precisarem. Essas interações fizeram com que os pais da menina não tivessem apenas vizinhos, mas também amigos. Ela conta que sempre tem alguma amiga da mãe em casa e quando não tem, é porque sua mãe está na casa de alguma delas ali no assentamento.

Com o tempo, as casas da ocupação começaram a mudar. A dela, por exemplo, que era uma pequena construção inicial, foi se expandindo. Hoje, onde antes havia casas de madeira, existem moradias de tijolos e concreto; as ruas de terra e grama deram lugar ao asfalto. Sua casa, que começou com apenas quatro cômodos, cresceu até ter seis, permitindo que ela dividisse o quarto apenas com a irmã, algo impensável nas antigas moradias, onde precisava dividir o dormitório com todos os seus irmãos ou até mesmo com seus pais.

Em fevereiro de 2022, após anos de incerteza, a CDHU e a prefeitura finalmente desistiram de retomar o terreno e o cederam oficialmente aos moradores do Jardim da União. Para Maria Santos, essa decisão foi uma vitória, o reconhecimento formal de que, após tantos anos de luta, aquele lugar era verdadeiramente o seu lar já que mesmo após tanto tempo morando ali, o medo de despejo nunca desapareceu completamente, emborra diminuísse com o passar do tempo, ele sempre esteve ali presente. Essa conquista trouxe uma nova sensação de segurança para ela e para toda a comunidade em sua volta.

Apesar do final feliz, o caminho vivido por ela e seus vizinhos, está longe de ser um caso isolado ou algo do passado. Dados da Fundação João Pinheiro, divulgados em 2024, mostram que, em 2022, o déficit habitacional no Brasil ultrapassava 6 milhões de domicílios, o que equivale a 8,3% das habitações ocupadas no país. O estado de São Paulo liderava o ranking, com um déficit de 1,2 milhão de moradias, deixando evidente como milhares de famílias enfrentam diariamente o desafio de garantir um lugar para viver.

Também na zona sul da cidade, a ocupação Jardim Nova Palestina compartilha outras semelhanças com a Jardim da União, como o fato de ter sido criada em 2013. No entanto, os moradores do assentamento, localizado no Jardim Ângela, ainda não podem desfrutar da mesma segurança e felicidade de ter a certeza de que suas casas lhes pertencem, como acontece com os moradores do Grajaú.

É lá que Carla Oliveira vive com seu filho desde 2015. Mesmo trabalhando como faxineira, sua renda não era suficiente para pagar o aluguel, o que levou ao despejo dela e do filho. Sem alternativa, foram morar com os pais. Seu irmão, que possui uma casa na ocupação desde o início, cedeu um pedaço de seu terreno para que ela pudesse construir sua moradia.

Ao chegar na ocupação, Carla encontrou não apenas um teto, mas também uma rede de apoio. Ela conta que fez muitas amizades, o que foi fundamental para que tivesse apoio no cuidado com seu filho. Muitas vezes, quando seu irmão e sua cunhada não podiam ajudá-la, algum vizinho se dispunha a cuidar da criança.

O irmão da faxineira também havia sido despejado após não conseguir mais pagar aluguel. Embora essa situação tenha ocorrido há mais de uma década, ela ainda se repete: atualmente, 231.420 famílias estão ameaçadas por ordens de despejo, segundo dados do Observatório de Remoções, um projeto do LabCidade, laboratório de pesquisa e extensão da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).

No momento, a situação do Jardim Nova Palestina ainda está em tramitação. Carla, assim como os outros membros da comunidade, sonha com o dia em que suas casas serão oficialmente reconhecidas como suas, para que possam derrubar suas moradias de madeira e enfim, construir casas de tijolo e concreto.

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