Faltam incentivo, verba e reconhecimento para o Teatro brasileiro

É um espetáculo em palco e uma luta na coxia
por
Amanda Furniel
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16/06/2024

Por Amanda Furniel

O Brasil é conhecido por sua diversidade cultural e riqueza popular. Visto pelo mundo inteiro como um País colorido, pintado com as cores de cada região que traz uma característica única para o cenário cultural. Com produções cinematográficas mundialmente reconhecidas, como “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”, e nomes de grande prestígio, como Fernanda Montenegro e Wagner Moura, o cinema brasileiro carrega um nome de peso. Em contrapartida, o teatro brasileiro parece ser o primo esquecido da família cultural.

Carecendo de incentivo governamental, verba e reconhecimento, o teatro brasileiro luta para se manter vivo. Grandes produções ainda contam com patrocínios importantes e um, mesmo que pequeno, incentivo das secretarias culturais; temos como exemplo as adaptações de grandes peças da Broadway, “Wicked” e “O Rei Leão”. Mas como fica as produções independentes e os pequenos núcleos de teatro regionais? Os artistas precisam lidar com problemas na infraestrutura dos teatros, longas jornadas de trabalham que não são remuneradas, falta de recursos.

A atriz e professora de teatro Nana Pequini enxerga uma melhora no cenário geral, mas ainda vê um longo caminho para ser percorrido. Ela alega que o cenário melhorou, com o surgimento de muitos cursos e oficina para os estudantes, muitas produções teatrais, grupos, coletivos. Mas ainda não há governos que incentivem a arte e que, principalmente, se preocupem em formar público. Ela acredita que além de iniciativas para fomentar as artes em geral deveria haver políticas públicas que possibilitassem uma criação de um público interessado em consumir arte; em como é crucial incentivar o consumo das artes nacionais para que elas continuem vivas.

A professora também ressalta como as condições são ainda mais precárias nas áreas periféricas. A sua maior dificuldade no começo da carreira, foi onde fazer teatro. Na periferia não havia professores, cursos, nada! Qualquer coisa que ela tivesse que fazer, precisava se deslocar quilômetros. A maior parte dos recursos e oportunidades culturais está concentrada nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto regiões periféricas e estados do Norte e Nordeste têm menor acesso. Tornar o teatro mais acessível a todas as camadas da população, especialmente para pessoas com deficiência e de baixa renda, é uma necessidade urgente. Nana aponta que as ações governamentais são as leis de incentivo, e somente isso. Não existe de fato um mapeamento de artistas da periferia e que funcione. Como professora, Nana se preocupa em abrir os olhos dos seus alunos para essas questões, falando da importância de criar grupos de teatros periféricos e da participação deles politicamente. Procurando a câmara de vereadores para elaboração de leis que incentivem a cultura e participação no conselho municipal de cultura.

O teatro brasileiro

O teatro é um importante componente da cultura brasileira, um espaço de representação e debate sobre a pluralidade étnico cultural do nosso país. Com influências indígenas, europeias e africanas, o teatro brasileiro cresceu durante o século XIX, com desenvolvimento maior em São Paulo e Rio de Janeiro. Os grandes teatros construídos nessas cidades exibiam produções que refletiam questões sociais e políticas da época, com os ingressos reservados a elite.

O século XX trouxe diversas transformações, que refletiam as mudanças socioculturais da época. Nas décadas de 1950 e 1960, o Teatro de Arena e o Teatro Oficina foram importantes centros de experimentação e inovação teatral, com peças que abordavam temas como a marginalização social, a desigualdade e a repressão política. Nos anos seguintes, surgiram novas tendências e movimentos teatrais, como o Teatro de Grupo, o Teatro de Rua e o Teatro Infantil, que contribuíram para a diversificação e o enriquecimento da cena teatral brasileira.

Hoje, o teatro brasileiro é marcado pela diversidade de estilos, linguagens e abordagens, com produções que vão desde o teatro popular e tradicional até o teatro de vanguarda e experimental. Apesar dos desafios enfrentados pelo setor cultural no Brasil, como a falta de recursos e de políticas públicas adequadas, o teatro continua a desempenhar um papel vital na vida cultural e social do país, contribuindo para o debate de ideias, a reflexão crítica e a formação de identidades.

Desafios na vida de um artista

Um dos principais desafios do teatro brasileiro é o financiamento e o incentivo. Muitos grupos e companhias teatrais, principalmente núcleos teatrais pequenos e regionais, enfrentam dificuldades por conta da falta de financiamento público e privado. Editais e incentivos fiscais, como a Lei Rouanet, nem sempre são suficientes para suprir todas as necessidades. A sustentabilidade financeira de projetos teatrais é um desafio constante, com muitas produções dependendo de bilheteria e patrocínios esporádicos.

A atriz e estudante de Artes Cênicas da Belas Artes, Alicia Rodrigues relata com é desafiador fazer parte de uma produção teatral. Ela pontua com é difícil receber incentivo governamental e que todo o investimento, na maioria das vezes, vem do bolso do artista. O retorno quase não aparece e por incrível que pareça, o ator é o que menos ganha.

A Lei Rouanet, Lei Federal de Incentivo à Cultura, foi criada em 1991 para estimular a produção cultural no Brasil. Através dela, pessoas físicas e jurídicas podem destinar parte do Imposto de Renda para financiar projetos culturais previamente aprovados pelo governo. Essa lei foi criada com o intuito de democratizar o acesso à cultua no país, permitindo que a população financie diretamente projetos do seu interesse.

Porém, em prática, as coisas são um pouco diferentes. Há muitas críticas em relação à transparência dos processos de seleção e captação desses recursos, criticando a lei de, muitas vezes, beneficiar grandes projetos em detrimento de pequenos artistas e projetos de comunidades.

Nana relatou a necessidade do artista brasileiro ser multifunções. Como as grandes produções geralmente têm nomes de sucesso, nomes que chamam o grande público, o investimento e patrocínio ficam bem mais fácil de ser captado; possibilitando que o trabalho seja divido e geralmente com “especialistas” em cada setor da produção teatral. Já nos pequenos núcleos de teatro, o trabalho é dividido entre os integrantes, sem necessariamente o encarregado de determinada tarefa tenha estudo ou um conhecimento profundo sobre o tema. Os pequenos artistas estão sempre correndo à procura de leis e festivais para poder levantar espetáculos ou simplesmente pagar os boletos.

Para sobreviver com ator de teatro no Brasil, é necessário ter um conhecimento muito mais amplo do que apenas atuar. O ator precisa atuar, maquiar, coreografar, ajustar iluminação e áudio, produzir cenário e figurino, fazer a publicidade do espetáculo... ele precisa ser mil em uma única pessoa. E não estamos falando de personagens. Alicia já conseguiu algumas oportunidades, mas sua maior conquista foi entender que o ator também deve produzir. Ela mesma já produziu e está produzindo muitas coisas, tanto no teatro, quanto no cinema.

reprodução instagram
reprodução do Instagram da Alicia Rodrigues: foto da atriz em cena.

Outro grande problema apontado pela atriz é a falta de público. Ela percebe que o maior público do teatro são os próprios artistas. O teatro musical vem crescendo a cada ano e tem um público mais amplo, mas o teatro de prosa, até mesmo de grandes nomes do nosso País, passa por dificuldades. Um exemplo é o grupo TAPA, um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil, que vem sofrendo com a falta de público. Se o governo não valoriza a arte, ela terá dificuldades para atingir o público.

A estudante da Belas Artes também levantou a problemática da desvalorização do ator como profissional. A sociedade enxerga o artista por uma perspectiva negativa e preconceituosa, desvalorizando seu trabalho e taxando como “vagabundo”. A falta de retorno vindo dos seus trabalhos, que são produzidos com esforço e muita dedicação, ajuda ainda mais para contribuir esse estereótipo. Para ela, falta o reconhecimento do ator como um trabalhador.

Em meio a tantos desafios, o teatro nacional se ergue como um farol de resiliência e criatividade. Os artistas se reinventam diante cada adversidade, mantendo o teatro brasileiro firme e forte. Mais do que entretenimento, o teatro é como um espelho para nossas reflexões, um espaço de debate e ferramenta de transformação social. Através das suas encenações, o teatro nos convida a questionar o mundo ao nosso redor e a enxergar diferentes perspectivas.

“As artes junto com a religião fazem parte da formação da comunidade e da construção cultural. Da assinatura de um povo.  A arte nasce do povo e faz parte dele”, afirma Nana Pequini.

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