Por Pedro Duarte
Pessoas buscam seus espaços em cenários que não são favoráveis. A vontade move indivíduos que estão determinados a ultrapassar barreiras. Mesmo as crianças que nascem com alguma deficiência querem brincar. Como jogar videogames sem as mãos? Temos exemplos de quem use apenas os pés para realizar essa vontade. A força de alguns comovem multidões e servem de inspiração para toda a sociedade
A luta pela acessibilidade e inclusão das pessoas é algo muito debatido nos dias atuais. Lutas sociais ganham cada vez mais força e seguidores a cada dia que passa. Isso não significa que alguns grupos específicos não tenham enormes problemas no seu reconhecimento e na busca por soluções a eles. Pessoas com deficiência (PCDs) sofrem muito no dia a dia com a falta de acessibilidade em áreas básicas da vida, independente do grau da deficiência dela. Seja visual, motora, auditiva ou qualquer outra, dificuldades de inclusão estarão presentes nas vidas dessas pessoas.
Mesmo que a sociedade tenha feito um bom uso da tecnologia para melhorar a qualidade de vida dessa parcela, ainda estamos muito longe do ideal. É possível pegar exemplos como o transporte público, dispositivos para pessoas surdas conseguirem escutar e cadeiras de roda cada vez mais confortáveis. Porém, essas inovações não estão disponíveis para toda a população, uma vez que não são todos os meios de transporte que já estão adaptados ou não é qualquer pessoa que teria o poder aquisitivo de comprar os produtos.
Imagine, agora, que a PCD passe por toda essa dificuldade ao longo do seu dia e, chegando em casa, decide jogar um videogame para relaxar. Por muitas vezes ela não vai conseguir. Isso pode ser explicado por uma clara falta de oferta no mercado, mesmo existindo uma enorme demanda. Isso não quer dizer que não haja o interesse das empresas no assunto.
Felipe Rossi, funcionário de uma desenvolvedora de jogos brasileira, destaca a crescente atenção que as empresas estão dando para o tema. Diz ser muito interessante o maior consumo dos jogos por todos. Segundo ele é crucial que todos consigam se divertir da maneira mais igual possível. Complementa dizendo que barreiras são feitas para serem quebradas.
Durante a entrevista foi dado o exemplo do jogo “The Last Of Us 2” (TLOU), produzido pela Naughty Dog e que se tornou o game mais premiado da história, inclusive recebendo um prêmio por ter uma acessibilidade incrível. O enredo se passa em um mundo pós-apocalíptico em que a protagonista tenta se vingar de um grupo maligno.
A obra ganhou um enorme destaque por conta dos avanços apresentados na área de acessibilidade. O mais incrível é que, segundo os próprios desenvolvedores, o jogador consegue acabar o modo história somente usando os sons. Isso potencializa a inclusão de uma forma nunca vista em títulos tão relevantes no mundo dos videogames.
Felipe Rossi afirma que a tendência é apenas a melhora desse setor e que os produtores não estão pensando apenas em dinheiro, querem deixar um legado, uma coisa bem humana. O principal é que joguem o jogo e peguem a mensagem. Quanto mais pessoas conseguirem realizar isso, maior é a conquista. Especificamente sobre o TLOU, diz que além do jogo ter uma construção sonora impecável, a visual também é uma das melhores já feita. Pessoas com alguma deficiência visual de menor grau conseguem finalizar o jogo sem grandes problemas por conta das opções de acessibilidade.
Porém, o problema não está somente com as desenvolvedoras. Passamos, também, pelo preconceito da sociedade, que influencia de forma negativa na inclusão das PCDs. Temos construída a ideia de que uma pessoa cega não consegue assistir um filme. A mesma linha de raciocínio é vista no mundo dos jogos.
Jhonata Fargnolli, mais conhecido como “Firmezinha” nas redes sociais, nasceu sem os dois braços por conta de um erro médico. Ele falou um pouco sobre esse preconceito que sofre. “Tenho vontade de jogar. Cresci vendo os meus amigos de infância jogando videogame e ganhando presentes relacionados a isso. Nunca me deram nada parecido.”
Firmezinha diz já ter superado essa fase de exclusão. Hoje é streamer e influenciador digital. Gosta de jogar jogos de tiro e de futebol. Conta que até mesmo em suas transmissões ao vivo recebe alguns comentários negativos, tentando fazer piadas por causa de sua condição. Porém, diz que é muito raro ele se incomodar com algo do tipo. Afirma que no começo não gostava muito das brincadeiras, mas acabou se acostumando e agora até acha graça. Durante esse momento da entrevista ele para por um instante e faz a reflexão de que se ficarmos bravos com qualquer coisa, as pessoas percebem e começam a irritar cada vez mais.
Sobre esse ponto, Jonatha fala que conhece pessoas com condições parecidas que, por conta desses comentários infelizes, abandonaram as transmissões e até mesmo o mundo dos games. Mais uma vez o jovem agradece por ter uma paciência acima da média, e que pessoas com problemas semelhantes não aguentaram e largaram hobbies para acabar com o estresse gerado pelas brincadeiras de mau gosto.
Felizmente, vivemos em um tempo em que as condições estão melhorando muito para as pessoas com deficiência. Firmezinha diz ser capaz de jogar qualquer jogo com os pés. Se sente confortável fazendo isso e diz que consegue passar o dia inteiro jogando. Ele alterna a forma de jogar. Durante um período brinca com o mouse e teclado em cima de uma mesa e usa os pés como mãos. Em outro ele usa os controles por baixo da mesa, como se fossem pedais de um carro.
Outro ponto positivo é que existem marcas patrocinadoras de grandes eventos que estão cada dia mais interessadas em promover a inclusão dessas pessoas na sociedade. Isso já fez com que Jonatha conhecesse alguns de seus ídolos dentro do e-sports. O influenciador diz ser muito agradecido pelas oportunidades que algumas marcas deram a ele. Fala que muitas empresas estão começando a entender o poder que têm para mudar a vida de uma pessoa e que isso tende somente a melhorar daqui para frente.
Quando questionado sobre possíveis melhoras para o setor, Firmezinha falou que é muito difícil dar um ponto certeiro do que é possível melhorar sem excluir ninguém. Em sua opinião, as empresas deveriam focar em controles para quem joga com os pés. Os dele são muito pequenos e acaba não conseguindo apertar alguns botões da parte de trás. Mas afirma que isso é apenas opinião dele e só ela não basta. Existem milhões de pessoas com diversos outros problemas que não estão sendo contemplados com a solução proposta.
É possível relacionar as ideias trazidas por Felipe e Jonatha. Por mais que as empresas caminhem para um aumento considerável na busca por uma maior acessibilidade no mundo dos games, elas ainda não estão nem perto de entender o real problema. Quanto mais profunda é a pesquisa nesse assunto, maior é a compreensão do todo. Existem inúmeras deficiências e a solução para uma é muito diferente da solução para a outra. Enquanto um jogo igual The Last of Us 2 consegue a inclusão de pessoas cegas, ele continua excluindo uma série de outras PCDs.
É louvável que essa busca por melhora tenha sido mais discutida atualmente. Certamente chegaremos em um ponto onde os avanços tecnológicos juntos à crescente atenção dada ao tema façam com que as barreiras, que impossibilitam certas pessoas de jogar, diminuam.
É muito difícil cravar que em algum momento existirá uma totalidade na inclusão, uma vez que jogos novos estão saindo com cada vez mais frequência, e com eles novos controles ou métodos de jogar. Mas é possível acelerar o processo para essa quebra de barreiras.
Sobre isso, é importante levantar que já existem grandes organizações responsáveis por melhorar o cenário. A AbleGamers, por exemplo, fez um serviço maravilhoso, apontando, que só nos Estados Unidos, 20% dos gamers apresentam alguma deficiência, o que corresponde a cerca de 46 milhões de pessoas. A conscientização é o caminho.