O Corinthians anunciou em abril a contratação Alexi Stival, conhecido como Cuca, a decisão da diretoria do clube gerou uma grande repercussão na mídia, pois o técnico estava envolvido em um caso de estupro de uma jovem em Berna, na Suíça em 1987, quando ainda atuava como jogador pelo Grêmio. Nas redes sociais era comum encontrar torcedores defendendo o técnico, sua permanência no time e espalhando notícias falsas que foram fundamentais para a manter Cuca à frente do timão .
O caso Cuca ressurgiu no futebol brasileiro no primeiro semestre de 2023, sua contratação veio na contramão de grandes mobilizações e repercussões de casos de estupro envolvendo atletas, como a prisão de Daniel Alves e a condenação de Robinho.
Muitos torcedores alegaram que a história de Cuca não havia sido um impedimento para que ele treinasse outros times anteriormente como Atlético-MG, Palmeiras, Flamengo, Botafogo– alguns desses inclusive conquistaram títulos no período em que foram liderados pelo gaúcho. Isso abriu margem para notícias que alegavam que o ex-atleta não havia sido condenado e que a vítima não tinha o reconhecido como um dos agressores.
A história de luta política do Corinthians também foi questionada, o time que instaurou a autogestão no início dos anos 80 com a democracia corinthiana, contrariando a opressão da ditadura militar, agora contratava um técnico envolvido com estupro de menor. Circulou na internet que a torcida organizada do timão não concordava com a sua contratação, acontece que todas essas são notícias falsas.
Apesar de ficar a frente do Corinthians por apenas 3 dias, as notícias falsas sobre o caso foram fundamentais para a possibilidade de permanência do técnico no time. Conheça quais foram elas
1. Cuca realmente foi condenado
As notícias falsas que circulavam, afirmavam que Cuca não teria sido condenado, que não houve julgamento à época ou que ele sequer estava envolvido. Essas publicações eram predominantemente veiculadas nas redes sociais, elas beneficiam não só o Cuca mas o Corinthians, pois descredibilizam a acusação, fazendo com a pressão pública diminuísse diante das dúvidas levantadas.
Cuca e outros três jogadores do Grêmio ficaram presos durante quase um mês em Berna, como uma prisão preventiva antes do julgamento, mas pagaram fiança e voltaram ao Brasil, após prestarem depoimento. O julgamento só ocorreu em 1989, o Grêmio enviou advogados para fazer a defesa de seus atletas, mas Cuca e outros dois jogadores foram condenados a 15 meses de prisão pelos crimes de coerção e fornicação com uma menor de 16 anos. Como a legislação brasileira não extradita cidadãos, eles nunca cumpriram a pena.
O especialista em fake news e professor da Universidade Metodista de São Paulo, Ivan Paganotti, explica que notícias falsas foram usadas para proteger a reputação de Cuca e que houve um problema grave de apuração jornalística na época do crime. “A imprensa assumiu a versão dos advogados, sem fazer uma apuração correta, não foi consultado o lado da vítima e nem da justiça”, afirma Paganotti.
2.Depoimento da vítima em relação ao Cuca
O advogado da vítima, Willi Egloff, contestou a versão de Cuca ao afirmar que a menina reconheceu, sim, o então jogador do Grêmio como um dos que participaram do ato”. A declaração de Alexi Stival (Cuca) é falsa, a garota o reconheceu como um dos estupradores.
De acordo com o inquérito policial, foi encontrado material biológico de Cuca no corpo da vítima e que ela também reconheceu o treinador como um dos agressores. De acordo com Egloff, o exame foi feito pelo Instituto de Medicina Legal da Universidade de Berna. Cuca negou essas acusações e disse que a vítima falou que ele não estava envolvido, contrário ao que a justiça suíça diz.
Historicamente vítimas de violência sexual têm seus depoimentos invisibilizados, a violência de gênero encontra eco em um ambiente como o futebol, comandado, pensado e jogado por homens. Fernanda Haag, professora de História e colunista no Brasil de Fato, com a coluna Elas por Elas que fala sobre futebol feminino, explica que o futebol foi constituindo de acordo com as normas do século XIX, feito por homens e para homens, fazendo eles se sentirem protegidos e confortáveis, gerando impunidade e a sensação de que “isso aqui é nosso mesmo”.
Em um campo majoritariamente masculino, os homens se unem e defendem uns aos outros, como uma irmandade, isso é chamado de fraternidade patriarcal. Carla Garcia, doutora em Ciências Sociais, especialista em Sociologia de Gêneros, diz que vivemos numa cultura do estupro, em que “um homem dificilmente considera que o outro exagerou. E evidentemente, sempre vai culpar aquela pessoa que é a vítima dessa violência.” Tornando-se mais difícil conquistar um espaço saudável para as mulheres, não só no esporte, que é um reflexo da sociedade.
3. Apoio da torcida organizada
O time do Corinthians é conhecido historicamente por apoiar lutas em causas sociais, como a campanha "respeita as minas" e na ditadura militar com a “Democracia Corinthiana”. Sendo um dos principais times que se destacam nesse engajamento social.
Importantes torcidas organizadas fizeram nota de repúdio sobre a contratação, são exemplos o Pavilhão 9, Estopim da Fiel e Camisa 12. De acordo com o presidente, um dos diretores da Fiel concordou com a contratação antes de vir a público, mas foi a primeira a ir contra quando a notícia saiu, gerando incongruência.
Por causa das polêmicas, circulavam teorias se o clube ou as torcidas organizadas poderiam ter sido usadas pelas notícias falsas para ajudar na opinião pública esportiva. José Paulo Florenzano, Doutor em Ciências Sociais com ênfase em História política do Futebol, afirma “Penso que as informações veiculadas pelos órgãos de imprensa, prevaleceram sobre as fake news. Nesse sentido, os agentes do campo esportivo envolvidos no debate orientaram-se pelas informações mais seguras”.
Desde o anúncio da contratação, diversos torcedores do Corinthians foram às ruas e às redes sociais para protestar. As críticas também ocorrem ao presidente por incoerência de ao mesmo tempo que apoia causas femininas contratar alguém contrário a estas. Segundo o Movimento Toda Poderosa Corinthiana, que estava presente nas manifestações, nenhuma resposta positiva foi comunicada aos integrantes da organizada: “Foi dito pela imprensa, a torcida masculina foi em grande parte contrária à contratação”.
No final de Junho, o próprio presidente do Corinthians, Duílio Monteiro Alves, afirmou à ESPN que errou ao contratar o técnico e que se surpreendeu com a repercussão do caso, dando razão a todas as manifestações que ocorreram ao longo da passagem de Cuca pelo time.