A exclusão de histórias latino-americanas no cinema de terror

Com grandes artistas e personagens, os países da América do Sul continuam sem ser referência no gênero
por
Larissa Isabella
|
14/04/2023

O horror e terror não são criações do cinema propriamente: antes mesmo da invenção dos primeiros mecanismos de exibição de imagens, criado pelos irmãos Lumiére, esse tipo de trama já existia. As primeiras histórias desse gênero são localizadas na Europa e feitas com base na vida cotidiana dos habitantes do continente, que passavam muitas vezes por pestes e situações de vida muito precárias.  

Passando mais tarde para quadrinhos da Família Addams, que atualmente são umas das histórias mais amadas do horror. Mas eles nem sempre foram encarados de uma boa forma, principalmente entre os norte-americanos, como escreve o cineasta Caio Naressi, mestrando na Universidade de Montréal. 

Afinal os Addams são criados para ser o oposto de tudo que a família conservadora dos Estados Unidos é em sua essência. O principal é a forma como as relações familiares são fortes entre eles, mesmo de sua maneira peculiar.  

Com isso, o amor incondicional de Gomez por Mortícia traz junto um toque diferenciado que descrito por Charles Addams, é o amor deles pelo horroroso, o terror, o que é explicado pelo cineasta em sua análise da família no site Aboio. 

Essas exclusões podem ser sentidas até hoje e uma de suas formas é como os latinos são deixados de lado na hora de serem escolhidos para atuar no gênero cinematográfico. 

Jenna Ortega, que tem se manifestado chateada com a forma que Wandinha foi dirigida na série de mesmo nome, mostrou que ainda assim a personagem é importante para a representatividade. Em uma entrevista à Empire, ela contou que sentiu que deveria aceitar o papel pela personagem ser latina, que já foi muito interpretada por mulheres brancas, apagando seu contexto: 

“Uma grande razão pela qual assinei é porque ela é tecnicamente uma personagem latina, e isso nunca foi mostrado ou representado. Como alguém que lutou, e ainda luta até hoje, com algum tipo de sentimento de representação ou identificação na mídia convencional, cinema e televisão, reconheci que esta era uma oportunidade para mim e para outras garotas como eu”, conta a atriz. 

O caso da Família Addams por si só já é uma representação de um grupo excluído, que é tudo o que os estadunidenses não são. Artigos feitos por entusiastas do horror explicam melhor a alegoria usada no filme, baseado nos textos de Charles Addams. 

A falta de representatividade latina no terror não acontece somente na questão de atores e personagens, como contou Ortega. Há também países latinos que demoraram muito para lançar seus primeiros produtos de horror. Como aponta Maitê Mendonça, especialista em Cinema pela UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos): “Na América do Sul e no México, a produção é gigantesca. Está crescendo em alguns países da América Central, como a Guatemala.  Muitos países da América Central estão começando a caminhar nesse sentido, mas é um processo muito lento, muito pela falta de uma indústria cinematográfica nacional consistente.  O Panamá, por exemplo, lançou seu primeiro filme de terror em 2019.” 

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos é consideravelmente fácil rastrear a história do cinema de terror, os latinos novamente não são representados. Muito disso acontece pela exclusão que o continente passou por conta do desenvolvimento mundial às custas dos chamados países de terceiro mundo. 

Maitê tem um projeto em que analisa os produtos de terror e horror nas Américas Latina e Central. Em seu trabalho, a cineasta encontrou grandes problemas para rastrear os primeiros dados de produções de terror em certos locais. 

A especialista contou que a falta de incentivo dentro do próprio país, e do governo muitas vezes, é uma das razões dessa falta de documentação: 

“Falta documentação dessas produções em muitos países. Eu entrei em contato com muitos institutos de cinema de algumas nações e eles não sabiam me dizer qual era o primeiro filme do país. Tentei também entrar em contato com alguns pesquisadores de cinema de alguns países e era bem visível que eles veem o cinema de horror como algo menor e por tanto não sabiam nada sobre o assunto. Enfrentei essa realidade também em países do Caribe. É um gênero simplesmente ignorado. Em muitas nações, principalmente na América Central, a produção é muito recente. Muitas obras são independentes, bem artesanais. Quase sempre não recebem nenhum incentivo governamental e passam totalmente despercebidas também pelo público e pela crítica”, conta Maitê. 

Mas alguns nomes têm surgido como as mais novas queridinhas de Hollywood no quesito cinema de terror. As atrizes de descendência latina, Mia Goth e Jenna Ortega estão trazendo maior visibilidade à força do gênero fora do eixo Estados Unidos e Europa.  

Mia, nascida em Londres, na Inglaterra, é filha de mãe brasileira e pai canadense. A atriz tem brilhado com a trilogia de Pearl, mas para os brasileiros sua fama vai além de ser uma das mais promissoras artistas do ramo. A jovem de 29 anos de idade é neta da renomada atriz Maria Gladys, conhecida por filmes como Os Fuzis e até novelas da TV Globo.  

Já Jenna Ortega tem mais de uma descendência latino-americana, seus pais vêm de famílias mexicanas e porto-riquenhas. A atriz chegou trazendo um frescor ao gênero em seu trabalho com uma das personagens mais icônicas do horror, a Wandinha Addam. 

As duas trazem forte representatividade no meio, que por muitos anos não colocava latinas em locais de protagonismo. Isso traz benefícios para as jovens que nunca se enxergaram nos filmes.  

Contudo, essas alterações não são feitas puramente para agradar um maior público, como explica Maitê: “Não dá para se empolgar muito, pois as mudanças de representatividade ainda são muito embasadas no lado comercial. Por exemplo, hoje vemos mais filmes sobre asiáticos dentro de Hollywood. Muita gente pode perceber isso como um grande avanço em uma indústria que sempre foi racista e xenofóbica. Mas não. Essas produções estão sendo criadas, pois o público passou a se interessar por obras coreanas e do Japão. E para frear isso, eles passaram a  investir em produções desse sentido. Caso acontecesse o mesmo com a América Latina,  nós veríamos muitos latinos em produções. Por isso é tão importante que a produção audiovisual latina crie uma independência de Hollywood para que suas histórias sejam contadas.”  

O investimento no Brasil, especificamente falando, está maior do que já foi um dia. Mesmo que atualmente não tenham projetos nacionais que tenham tamanha força como o Zé do Caixão, de José Mojica Marins, tenha tido um dia. Muitos produtos continuam sendo lançados, como o filme Raquel 1:1 ou a série Vale dos Esquecidos. 

Mendonça completa afirmando que o país, grande nome dos representantes da América Latina, gosta e consome produções de terror, o que falta é um olhar do mainstream para esse mundo: “Eu vejo muito isso como produtora de conteúdo sobre o gênero. Existe muito interesse, principalmente por filmes de Hollywood. Nos últimos anos, graças ao serviço de streaming, esses fãs estão podendo consumir coisas de outros países com mais facilidade. E estão começando a se interessar mais pelo terror nacional. Existia um pouco de relutância? Existe. Mas o Brasil está produzindo longas muito bons. Alguns deles são muito melhores do que produções recentes do gênero feitas pelos EUA.”  

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