Por Maria Clara Aoki
O curso de Artes do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pioneiro em unir dança, teatro e performance, enfrenta hoje uma grave situação de sucateamento em suas instalações físicas e desafios na sua sustentabilidade acadêmica. Criado em 1999, sob a liderança da professora Cristine Greiner, o curso sempre se destacou pela interdisciplinaridade e inovação no estudo das artes corporais. No entanto, segundo relatos de professores e alunos, as condições estruturais das salas de aula estão deterioradas, refletindo as consequências de políticas institucionais e conjunturais.
Os estudantes Lucas Ramos, Helena Veliago e Beatriz Merino explicam que inicialmente a graduação era dividida em três habilitações: Teatro, Performance e Dança, em que o aluno escolhia uma para se especializar. O curso era muito maior que hoje em dia, e era um dos únicos voltados para as artes corporais na época, além de ser o primeiro que continha “performance” no Brasil. Paralelo a isso, começaram a abrir outros cursos voltados para artes cênicas e dança no País e, por causa disso, o curso sofreu uma queda no seu número de estudantes, além do aumento do preço da mensalidade.
Segunda afirmaram havia três turmas anuais, mas por causa dessa diminuição e no intuito de conseguir diminuir sua mensalidade, o curso unificou as três habilitações, e se tornou uma só, como é hoje em dia. O grande número do corpo docente também foi diminuindo e a quantidade de professores para as três áreas: teatro, performance e dança, não é mais equilibrada. Beatriz explica que há apenas um professor de performance para todo o curso, enquanto disciplinas ligadas à dança são mais numerosas. Essa falta de diversidade limita a formação e restringe as oportunidades de aprendizado prático, mostrando desfalques para conseguir fazer a formação completa de um artista, como a PUC afirma se propor.
O espaço físico abandonado
Esses problemas estruturais do curso são graves e afetam o dia a dia dos alunos. As salas possuem tetos com infiltrações, pisos infestados por cupins e um sistema de ventilação inadequado. Um dos maiores desafios é o acesso à água, com apenas um bebedouro no andar e fluxo insuficiente para atender às necessidades de um curso que demanda trabalho físico intenso. Helena Veliago diz ser quase impossível encher uma garrafa de água rapidamente e que essas condições básicas não deveriam ser problema em um curso universitário.
Para a professora e pesquisadora com longa trajetória de ensino Rosa Maria Hércules, o problema se agrava por conta da administração universitária adotar, desde 2005, uma abordagem neoliberal que prioriza a autossustentabilidade financeira, muitas vezes em detrimento das necessidades acadêmicas. A falta de manutenção não é apenas um problema estético; compromete diretamente a qualidade das aulas e ensaios, pois é nesse espaço que os alunos estão em constante contato por deitarem, sentarem, rolarem para construírem cenas e performances, e que, por não haver uma conduta de limpeza correta,, eles saem das aulas sujos.
O curso, alocado no quinto andar, sofre com isolamento físico e simbólico dentro da universidade. Alunos relatam péssimas condições de deslocamento, já que ficam no último andar do “prédio novo” que não é completamente coberto, o que torna-se um grande problema em dias de chuva, já que os caminhos que se tem para chegar na sala são descobertos por isso ficam encharcados, assim estudantes, professores e funcionários chegam molhados nas salas. Além de dificuldades em dialogar com a administração para melhorar as condições de infraestrutura ou promover atividades integradas com outros departamentos. Além disso, há uma sensação de invisibilidade. O aluno Lucas Ramos conta que o corpo discente não tem voz ativa na universidade." É como se não existíssemos", afirma com desapontamento.
Queda na procura e na diversidade acadêmica
Outro desafio enfrentado pelo curso é a diminuição drástica no número de alunos. Quando lançado, a proposta de Artes do Corpo atendia uma demanda represada e chegou a contar com cerca de 400 alunos matriculados. Hoje, o número não ultrapassa 30. Rosa Maria aponta fatores financeiros, como o alto custo das mensalidades — atualmente beirando os R$ 3 mil mensais —, além da desvalorização geral do conhecimento nas novas dinâmicas sociais e culturais. "Estamos em um momento em que o conhecimento profundo perdeu valor frente à superficialidade das redes sociais", analisa.
Essa queda no número de alunos teve um impacto direto na contratação de professores e na diversidade das disciplinas ofertadas. A professora afirma que o curso perdeu docentes que foram para universidades federais ou decidiram concentrar suas atividades em outras instituições como a USP e a Unicamp. Com isso, o curso passou a oferecer uma grade menos variada.
Histórico de mudanças e desafios
O professor Antonio Toscano, que está na PUC-SP desde 2006, destaca que o curso sofreu grandes transformações desde sua criação, em 1999, com a unificação de habilitações específicas em dança, teatro e performance para um formato integrado. Apesar da intenção pedagógica positiva, essa mudança ocorreu sem a devida reestruturação do quadro docente, deixando áreas essenciais, como performance e teatro, carentes de profissionais especializados. Para ele a falta de professores dificulta não apenas a qualidade das aulas, mas também o trabalho coletivo entre os alunos. A realidade neoliberal que prioriza trajetórias individuais colide com a essência das artes, que exige convivência e construção colaborativa.
A relação com o TUCA e os desafios institucionais
O Teatro da Universidade Católica (TUCA), um espaço histórico de renome, também não tem cumprido o papel de apoiar adequadamente o curso de Artes do Corpo. Segundo o professor o teatro se transformou em um espaço comercial para eventos pagos, o que dificulta sua utilização pelos alunos. Ela considera que O TUCA cobra valores exorbitantes para locação, inviabilizando um uso mais frequente pelos alunos do curso. E os alunos complementam que isso limita oportunidades para que estudantes ganhem visibilidade e experiência no mercado profissional.
A professora Rosa diz que o TUCA é usado apenas em datas periféricas, como na Semana de Artes do Corpo ou nas apresentações de TCC, quando o teatro não está alugado. Embora ainda receba apresentações esporádicas do curso de Artes do Corpo, a gestão prioriza eventos externos, com valores de locação que inviabilizam o uso regular pelos estudantes. O professor Tosacano lembar que nos anos 70, o TUCA era um símbolo de teatro universitário e resistência cultural. Hoje, está distante dessa função. E complementa que é importante considerar que alto custo de produção e a necessidade do teatro se autossustentar são barreiras que afastam o espaço de suas funções acadêmicas.
Uma luta pela sobrevivência
Apesar dos desafios, o curso de Artes do Corpo segue como um espaço de resistência e transformação. Rosa Maria destaca que a radicalização das propostas pedagógicas e a consolidação das Artes do Corpo enquanto área do conhecimento são vitórias importantes. No entanto, essas conquistas vieram acompanhadas de perdas significativas em termos de infraestrutura e apoio institucional.
Resistência por parte dos alunos e professores que continuam se reinventando. Projetos independentes surgem como tentativas de preencher as lacunas deixadas pela estrutura formal do curso. Toscano relembra iniciativas marcantes, como um grupo de estudos formado em 2016, que transformou corredores e salas em espaços cênicos, com a apresentação "Z", como o filme de Costa-Gavras."Refletíamos, com uma peça de teatro, com elementos de teatro e de dança, sobre a possibilidade real de um golpe político da extrema direita, tal como de fato ocorreu".
No entanto, ele alerta: que sse tipo de iniciativa é a exceção, não a regra, num cenário cada vez mais desfavorável para o teatro universitário. Contudo, para muitos, é necessária uma reavaliação profunda da gestão e das prioridades institucionais. Já o aluno Lucas Ramos reafirma que a universidade precisa entender as especificidades de um curso de artes, pois sem isso, o corpo discente vai continuar apenas lidando com os restos de uma estrutura que nunca foi atualizada.
Para o futuro, Rosa Maria acredita que iniciativas mais integradas entre os diversos setores da PUC-SP, como a Pró-Reitoria Comunitária e o TUCA, seriam fundamentais para reverter o cenário atual. A criação de parcerias e projetos que fortaleçam tanto o curso quanto as artes dentro da universidade é vista como um passo essencial para garantir a permanência e o fortalecimento da formação de artistas no Brasil.
Uma história que se repete
O sucateamento do espaço físico e os desafios institucionais enfrentados na Artes do Corpo representam uma realidade compartilhada por muitos cursos de artes no Brasil. Entretanto, a história de inovação e resistência do curso é um lembrete da importância de lutar por espaços que valorizem a educação artística e cultural como pilares fundamentais para o desenvolvimento humano e social.
A permanência e a relevância do curso de Artes do Corpo na PUC-SP dependem de uma revisão urgente de suas condições físicas e administrativas. Para Toscano e outros entrevistados, é essencial repensar o modelo de ensino, contratar mais professores e reforçar os laços com a universidade. Todos são da mesma opinião de que a PUC precisa reconhecer o curso como parte integral de sua missão educativa e cultural. Sem isso, estudantes e professores vão apenas continuar lidando com os restos de um projeto que já foi referência.