Esquecidos, os coletores estão na linha de frente contra o coronavírus

A população paulista produziu 14% de lixo a mais em dois meses de isolamento social
por
Gabriela Reis e Liliane de Lima
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01/06/2020

Diariamente,  mais de 130 toneladas de resíduos sólidos são produzidos em todo o território brasileiro, sendo 13.000 quilos gerados só no município de São Paulo. A maior capital do Brasil é responsável por 10% de todo o lixo descartado no país, são cerca de 3,6 toneladas produzidas durante um ano.

Para dar o destino correto a todo esse descarte, foi criada a Política Nacional de Resíduos Sólidos, lei 12.305/2010. A medida assegura que todo o lixo gerado pela sociedade deve ter tratamento adequado e destino correto de descarte, sendo a reciclagem é uma das alternativas para o desenvolvimento sustentável, além de manter a saúde pública.

Mas não é isso que nos vemos no dia-a-dia, na cidade paulista, por exemplo, apenas 7% da produção de resíduos foram reciclados, em 2018. Cuidar dos resíduos produzidos pelo consumo é preocupar-se com etapas como coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final, considerando soluções importantes para a sociedade.

A cidade paulista conta com 104 unidades de reciclagens, os ecopontos, distribuídos em todas as regiões, duas centrais de separação dos materiais e 25 cooperativas associadas ao Programa Socioambiental da cidade.

Todo aparato existente ainda não é suficiente para a reciclagem de metade do resíduo diário. Segundo a Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), a cidade possui capacidade de reciclar 40% dos resíduos produzidos, porém a eficácia do processo não corresponde à  realidade.

Wanda Maria Günther, professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da USP, afirmou que a melhor forma de garantir o destino adequado de resíduos é cada um assegurar-se do gerenciamento apropriado do próprio lixo.

Para a especialista, os órgãos ambientais “devem exercer o controle sobre a destinação dos resíduos, licenciando as unidades de tratamento e disposição final, licenciando os empreendimentos potencialmente poluidores e exigindo destes seus planos de resíduos sólidos e exigindo dos gestores públicos a destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos”.

Coleta Seletiva
A cidade de São Paulo possui 104 unidades de reciclagens (Prefeitura de São Paulo/Divulgação)

O descarte de resíduos é algo dinâmico e constante, e se feito de forma inadequada, o lixo pode causar uma série de complicações. Alagamentos e inundações, são os efeitos mais visíveis no nosso cotidiano, mas também pode prejudicar a qualidade de vida da população.

O destino do lixo é mais que tudo uma questão de saúde pública, principalmente na transmissão de doenças provocadas pela ação de vetores que encontram no lixo as condições adequadas para viver.

 A professora de Saúde Ambiental evidenciou como os resíduos orgânicos podem atrair vetores de doenças, como ratos, baratas e mosquitos. Segundo ela, ao encontrem alimento, abrigo e água junto aos resíduos, esses vetores podem se proliferar de modo exponencial.

“Apesar destes impactos serem indiretos, são significativos como agravante da saúde dos expostos, como é o caso da dengue, malária, febre amarela, chikungunya e zika”, concluiu Wanda.

 

CORONAVÍRUS X RECICLAGEM E COLETORES

Em março, os governos estadual e municipal, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), recomendou que seus moradores ficassem em casa para conter a propagação e contenção da COVID-19. Desde então, houve um crescimento de 14% de resíduos gerados em toda a cidade, segundo a Amlurb. Ao todo, foram coletadas cerca de 7.741 toneladas de materiais recicláveis.

Grande parte da coleta seletiva é feita de maneira manual nas cooperativas da capital e com a iminência da pandemia, milhares de trabalhadores que dependem da venda de materiais recicláveis foram afetados diretamente.

Como protagonistas do processo de controle do lixo, são os catadores que oferecem os serviços de coleta, recuperação e reciclagem. Eles realizam um serviço de utilidade pública, já que com a coleta do lixo e sua venda para reciclagem, diminuem a quantidade de materiais que seriam descartados e ocupariam espaço em aterros e lixões.

Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), existem no Brasil cerca de 600 mil catadores de materiais recicláveis. Wanda lembrou que esses trabalhadores são essenciais nesse momento, “logo devem ser informados e devemos tentar minimizar os riscos de exposição a eles."

Algumas medidas foram anunciadas pelo então prefeito Bruno Covas no início do mês, na tentativa de evitar a exposição dos coletores aos materiais contaminados. "Os resíduos podem funcionar como vetores de difusão do vírus e os coletores podem ser considerados como população de risco", declarou Wanda.

O Plano de Contingência de Resíduos Sólidos realizado pela Amlurb em conjunto com as Prefeituras estendeu a todos os ecopontos e Centrais Mecanizadas de Triagem da cidade. Os materiais recicláveis deixaram de passar pela triagem manual, sendo destinados sem qualquer separação. A ampliação dos protocolos de higiene nos alojamentos, garagens e veículos de coleta, reforço na comunicação de prevenção, aumento de disponibilidade dos equipamentos de proteção individual (EPIs) integram também o Plano proposto.

A contribuição daqueles que estão em casa também é fundamental neste momento de pandemia. A clássica separação dos materiais - vidro, plástico, metal, papel e orgânico - deve ser colocado em prática, além do cuidado com o lixo para não ser transmissor da doença. Wanda alerta que “se houver alguém suspeito em casa, os resíduos desta pessoa deve ser coletado separadamente, ser embalado em saco duplo resistente e com uma identificação - papel colado no saco de lixo -, com a inscrição ‘infectado’.”

O descarte de luvas, máscaras de proteção e embalagens de álcool em gel deve ficar junto ao lixo orgânico, também para evitar a transmissão da COVID-19.

 

RESÍDUO HOSPITALAR INFECTADO

Resíduo Hospitalar
Cuidados ainda mais rigorosos são necessários para o descarte de lixo hospitalar (AP News/Divulgação)

   A quantidade de resíduos sólidos vem crescendo ano a ano e com a pandemia o lixo doméstico aumento em alta escala, mas não tanto quanto o de origem hospitalar.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, Abrelpe, prevê que os resíduos de serviços de saúde (RSS) devem aumentar de 10 a 20 vezes.

       A necessidade da aparelhagem médica em unidades de tratamento intensivo (UTIs), para pacientes em estado grave da COVID-19, bem como o crescente número de infectados em todo o planeta,  é um dos fatores para o crescimento da quantidade de resíduos.

        O coronavírus não é o único responsável, mas um dos multiplicadores da produção residual. Wanda considera que os RSS “têm crescido por vários fatores, como envelhecimento da população, que necessita de mais assistência médica e, logo, geram mais resíduos, aumento da população, maior acesso aos serviços assistenciais, entre outros”.    

 

SUSTENTABILIDADE X SAÚDE

Um ambiente sustentável é fundamental para uma vida saudável, quando cuidamos do ambiente em que vivemos favorecemos tanto a nossa saúde física quanto a mental, além de  beneficiarmos o convívio social.

Para Wanda, a saúde ambiental integra a saúde pública de maneira irrestrita: “ela envolve as questões de preservação da natureza, de promoção da saúde por meio de um ambiente salubre e controle das atividades humanas que causam poluição do ambiente”.

O saneamento básico, por exemplo, incorpora uma parte importante para o avanço da saúde pública no mundo. É esse serviço que controla o esgotamento sanitário, coleta de lixo e drenagem urbana, serviço de água potável.

Uma vez que os resíduos são enviados para aterro sanitário e não para um lixão,  uma série de problemas de saúde podem ser evitados. Neste caso, o saneamento atua como um modo preventivo, evitando possíveis fatores indesejáveis de ocorrerem em áreas urbanas e rurais.

“O saneamento atua na fonte de poluição e não em seu efeito, ou seja, o saneamento é a barreira entre a causa e o efeito que é a doença do ser humano” disse a especialista.

Infelizmente, essa ainda não é uma realidade para todos os brasileiros. Segundo dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil, em 2019, no território brasileiro, 48% da população não possuem coleta de esgoto.

Em um dia normal, o resultado direto desses fatores para a população são doenças como esquistossomose, cólera e amebíase, mas hoje vivemos uma situação inimaginável, o avanço do coronavírus ao redor do mundo abriu espaço para questões antes esquecidas ou subestimadas.

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